Além da pena primorosa, Roberto
Pompeu de Toledo tem um olhar arguto para as coisas do Brasil. Na matéria
que ocupa 20 páginas da edição impressa de Veja
de 16 de maio, o jornalista escancara as entranhas do STF com rara maestria, começando por lembrar que o tribunal foi
criado 470 dias depois da proclamação da República, e que hoje exerce as
funções de corte de apelação, de tribunal constitucional e de tribunal penal de
primeira instância (no caso de infratores com direito a foro especial por
prerrogativa de função).
Na visão do articulista, a proeminência e o protagonismo do STF decorrem do desprestígio do Executivo ― seja porque Michel Temer está em fim de mandato,
seja porque seu mandato jamais contou com a força legitimadora do voto nas
urnas ― e do fato de o Legislativo
estar soterrado em denúncias de corrupção. Com isso, a Praça dos Três Poderes se
transforou na praça de um poder único, cujas sessões transmitidas ao vivo pela
TV Justiça.
Para embasar a reportagem, Pompeu entrevistou sete dos onze ministros ― as exceções foram Rosa Weber, que tem por princípio não
receber jornalistas, Marco Aurélio Mello,
que se disse temporariamente fechado à imprensa, e Ricardo Lewandowski e Alexandre
de Moraes, que não responderam ao pedido de entrevista. O texto ― cuja
leitura integral eu recomendo enfaticamente ― nos leva a um “tour” pelo prédio do
STF e pelos anexos construídos a
posteriori, “escondidos” atrás da edificação principal para não comprometer o
plano urbanístico do arquiteto Oscar
Niemeyer.
Enquanto o Congresso
conta com 4 anexos ― de cuja existência a gente nem suspeita quando observa
suas torres gêmeas, escoltadas pelos dois pratos em posições invertidas ― o STF tem dois. O segundo, contrariando a
regra brasiliense dos anexos, estende-se em curva, é todo espelhado e leva a
assinatura de Niemeyer. É nele que
ficam os gabinetes dos ministros, e num seu prolongamento ― que poderia ser
considerado um anexo dos anexos ― abrigam-se, um em cada andar, os auditórios
das reuniões das duas turmas.
A sala da presidência, com seus 100 metros quadrados, é ocupada,
atualmente, pela segunda mulher a ser nomeada ministra do STF e a segunda a presidi-lo (a primeira foi Ellen Gracie, nomeada pelo ex-presidente FHC). Pompeu relata que
se despediu de Cármen Lúcia com
muito cuidado: a ministra está presando 37 quilos, e um toque mais distraído
poderia machucá-la.
Dias Toffoli ― o
segundo membro a ser visitado e o próximo presidente do Tribunal (ele
substituirá Cármen Lúcia a partir de
setembro próximo) ―, informou ao jornalista que os costumes, no Supremo, já
foram mais rígidos: até algum tempo atrás, não se podia dispensar a gravata nem
mesmo no interior dos gabinetes; as placas dos carros oficiais ostentavam
numeração tanto mais baixa quanto mais antigo fosse seu ocupante; a antiguidade
prevalecia até mesmo na mesa retangular em que eram servidos os lanches, nos
intervalos entre as sessões. Sob a presidência do ministro Nelson Jobim (2004–2006), no entanto, uma mesa redonda substitui a
retangular, pondo fim às precedências.
Ao contrário das estátuas da Justitia ― como diziam os
romanos ― que se espalham nos fóruns e tribunais mundo afora, a imagem de pedra
que se põe à frente das colunas do STF
está sentada e sem a tradicional balança, mas com a espada no colo. Se isso sugere ela estaria cansada, ou insinua que,
ao demandar aquela casa, o melhor é esperar sentado, não se sabe ao certo, mas sabe-se
que o tempo no STF é místico: uma decisão
tanto pode demorar 20 horas quanto 20 anos.
“O Supremo
tornou-se um tribunal de pequenas causas da política”, ensina Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito paulista da Fundação Getúlio Vargas. “O excesso de
atribuições da Corte resultou num desenho institucional ruim, e com desenho
institucional ruim, é difícil funcionar bem”, pondera Vieira. E acrescenta: “Na comparação com os juízes da Suprema Corte
dos Estados Unidos, os ministros brasileiros jogam futebol de campo, enquanto
os americanos jogam futebol de salão”.
Em sua sequência de entrevistas, Pompeu ouve de Luiz Fux
que muitos criticam a “judicialização” da política, mas o fato é que o
Congresso se acostumou a jogar seus conflitos para o STF. O ministro, que é roqueiro, recebeu o visitante em casa no
Lago Sul, onde se veem uma guitarra, um baixo e uma bateria. Fux é também o primeiro judeu a chegar
ao STF, mas não o único, pois Luís Roberto Barroso tem mãe judia, e
como na tradição judaica a transmissão se dá pelo lado materno, Barroso seria o segundo.
A matéria salienta que, dos atuais ministros, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski são mais afeitos a mesuras linguísticas ― “colenda
turma, eminente ministro, douta procuradora, nobre advogado” e outros rapapés
que tais ―, enquanto Barroso e Cármen Lúcia são menos. Que Gilmar Mendes é quem mais abandona a
sala durante as sessões, às vezes por longo tempo, e que, quando os ministros
se aprestam a sentar-se ou levantar-se, os respectivos auxiliares de plenário
(ou “capinhas”) puxam ou empurram suas poltronas ― Barroso defende que a ajuda evita que a toga fique presa na
cadeira, mas Fux dispensa essa
assistência: “meu auxiliar está avisado”, diz o ministro.
Observação: Cada membro da Corte tem seu “valete”, a
quem compete, antes das sessões, trazer os livros, o notebook e outros
apetrechos do respectivo ministro. Aliás, não só os auxiliares de plenário, mas
qualquer um que suba no tablado em que ficam a mesa da presidência e a bancada
dos ministros deve ter uma capa nas costas.
As poltronas reservadas à assistência dividem-se em três
blocos. Os da direita e da esquerda são destinados ao público em geral e o
frontal à mesa da presidência, aos advogados. A campainha toca às 14 horas (ou
um pouco mais tarde, porque o Supremo
não é bom cumpridor de horários), e os ministros entram em fila indiana, a
presidente à frente, seguida pelo decano e pelos demais, por ordem de
antiguidade.
Três mulheres sentam-se atualmente à mesa que comanda a sessão: Cármen Lúcia ao centro, a
procuradora-geral Raquel Dodge à
direita e a assessora de plenário à esquerda. Apregoado o processo a examinar,
a palavra é cedida ao relator, ao qual se sucederão os demais ministros, na
ordem do mais novo ao mais antigo. No meio da tarde, a sessão é interrompida
para um intervalo ― que, pelo regimento, deveria durar meia hora, mas quase
sempre dura um pouco mais ―, quando ministros aproveitam para fazer um lanche,
receber advogados ou tirar fotos com ex-alunos.
O STF tem 1150
funcionários concursados e cerca de 1700 terceirizados. Cada ministro tem direito a 40 assessores e podem recrutar até três juízes auxiliares (haja gente para falar data venia). O orçamento da Corte para
2018 prevê gastos de R$ 714 milhões.
Se considerarmos que o STJ e o TST, juntos, consomem R$ 3 bilhões, e o TSE, mais R$ 2,4 bilhões,
e somarmos a isso o que se gasta com salários e mordomias dos parlamentares,
governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores e a montoeira de
dinheiro que escoa pelos ralos da corrupção, veremos porque não sobra dinheiro investir em Saúde, Educação, Segurança Pública etc.
Observação: A possibilidade de os ministros contarem com
juízes auxiliares foi introduzida no regimento do Supremo em 2007, e em 2009
foi sancionada lei concedendo-lhes poderes para conduzir atos de instrução
processual, com destaque para o poder de conduzir interrogatórios (antes era
preciso remeter todo o processo para o juiz da comarca em que se encontrasse o
depoente, e ao magistrado, até então alheio a seu andamento, incumbiria
estuda-lo a partir do zero. O juiz auxiliar, lotado no gabinete do ministro,
acompanha o processo desde sua chegada ao tribunal, e para exercer seu
trabalho, basta-lhe tomar um avião e ir ao encontro do depoente. Os juízes servem
basicamente nos processos criminais e ganharam importância na massa de trabalho
que assolou a Corte na ação penal 470 (mais conhecida como processo do Mensalão). A ministra Rosa Weber, à época, teve o juiz Sérgio Moro para auxiliá-la.
Por hoje chega. O resto fica para amanhã ou depois.