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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

CRISE? QUE CRISE? (CONTINUAÇÃO)

Em 2019, a posse do anormal que ainda conspurca a chefia do Executivo Federal levou o STF a se preparar para possíveis manifestações violentas. Prova disso foi a aquisição de kit antimotim compostos de armadura de proteção corporal completa (membros e tórax), capacete e escudo para proteger as togas de pedradas, coquetéis molotov e outros ataques afins. O investimento de R$ 29 mil se justifica pelo fato de o tribunal estar localizado na Praça dos Três Poderes, que é palco de inúmeras manifestações. “Nesse sentido, objetivando a proteção das pessoas e do patrimônio do tribunal nas situações como as citadas, os agentes utilizam o kit mencionando com o viés de proteger os ativos descritos, bem como os operadores dos equipamentos”.

Durante seu primeiro ano na presidência do Supremo, o ministro Luiz Fux fez 87 voos de ida e volta para casa, nos finais de semana, em jatinhos da FAB, a um custo de R$ 1,3 milhão. Isso a despeito de os ministros disporem de sala vip no Aeroporto de Brasília, com serviço "Fast Pass". O valor atual do contrato é de R$ 428 mil. De acordo com a assessoria de imprensa do tribunal, o embarque dos ministros por meio do módulo operacional do aeroporto "não se trata de vantagem ou privilégio, mas de uma orientação da Secretaria de Segurança do Tribunal, baseada em análise de riscos".

O momento de maior demonstração de desconexão do STF com o mundo real e a população em geral se deu em 2019 com a licitação para fornecimento de refeições institucionais à base de bobó de camarão, medalhões de lagosta com molho de manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri; moqueca capixaba, pato assado, galinha d’Angola assada, vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, pernil de cordeiro assado e boeuf bourgignone, entre outras iguarias.

As bebidas deveriam atender às seguintes especificações: espumante extra brut, produzido pelo método champenoise, com pelo menos quatro premiações internacionais. Amadurecido, em contato com leveduras, por período mínimo de 30 meses. O vinho tinto fino seco, de safra igual ou posterior a 2010, também deveria ter pelo menos quatro premiações internacionais. O vinho, em sua totalidade, deveria ser envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 meses. Em almoços ou jantares com três horas de duração deveriam ser servidos uísque, gim, vodca, Campari, vinhos brancos e tintos nacionais premiados, espumantes nacionais premiados, licores e digestivos. A contratada deveria fornecer cobertura completa, com o uso de xícaras e pratos de louça, copos e taças em cristal.

O café da manhã deveria ter café, chá, leite quente e frio, chocolate quente, sucos naturais de frutas (mínimo três variedades), três variedades de pães, biscoitos frescos, manteiga sem sal, mel, geleias de frutas, requeijão, queijos, ovos, presunto, bacon, frutas, iogurtes, bolo, cereais. O café e chá seriam servidos à francesa, com o uso de xícaras e pratos de louça, copos e taças em cristal.

No valor de R$ 481 mil, o contrato esteve em vigor de maio de maio de 2019 e maio de 2020. O tribunal afirmou que as refeições foram oferecidas durante eventos realizados que contaram com a presença de ministros e autoridades. Do previsto de R$ 481 mil, foram realizados R$ 139 mil. O contrato não foi prorrogado e se encerrou em maio de 2020, informou o STF. Porém, em plena pandemia, não haveria argumentos técnicos nem éticos para a manutenção do contrato.

Mesmo em tempos de crise fiscal, o STF conseguiu orçamento de R$ 4,3 milhões para a restauração das esquadrias das fachadas do seu edifício sede. O contrato foi assinado em setembro de 2019. A parte mais cara da obra será o “restauro arquitetônico”, com serviços como a substituição dos painéis em vidro laminado (R$ 163 mil) e a substituição de caixilhos (R$ 149 mil). Outro serviço demonstra a preocupação com a segurança do prédio diante de manifestações: a instalação de películas antivandalismo, ao custo de R$ 35 mil.

Outra obra de recuperação do palácio foi a execução de paisagismo e de serviço de irrigação para revitalização dos jardins do Supremo, no valor de R$ 1 milhão, realizado de outubro de 2019 a abril de 2020. Cerca de R$ 700 mil foram destinados ao paisagismo.

O tribunal contratou ainda, em 2019, a elaboração de projetos de iluminação para a modernização do sistema de iluminação do edifício sede, em locais onde estavam instaladas “luminárias suspensas danificadas e obsoletas”, diz nota do STF. Foi necessária a aprovação no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), uma vez que o edifício sede é tombado. “A iluminação estava quebrada e não há peças de reposição no mercado uma vez que foram desenhadas para essa edificação”, completou a nota. O projeto foi barato — apenas R$ 22 mil — mas ainda tem a obra.

Secretaria do Patrimônio da União e o STF assinaram um "termo de entrega" de um imóvel com área de 15 mil m², localizado no Lote 2/16, do Trecho 02, do Setor de Clubes Esportivos Sul, em Brasília-DF — local onde há vários outros clubes esportivos de servidores públicos. O imóvel foi entregue de graça, em dezembro de 2019, com vigência até novembro de 2099

Sim, quase na virada do século. Obras à vista. 

Com Lúcio Vaz

segunda-feira, 20 de maio de 2019

DE VOLTA À SUPREMA VERGONHA — PARTE FINAL



Sérgio Moro no STF é a expectativa dos apoiadores da Lava-Jato e dos 57 milhões de brasileiros que elegeram Bolsonaro presidente — e talvez até dos muitos eleitores que não votaram no capitão, mesmo temendo a volta do PT reencarnado num reles fantoche comandado remotamente por um não menos reles criminoso condenado. Por que, então, tanta celeuma por parte de analistas, comentaristas, especialistas e outros “istas”? Não houve nada parecido quando o caçador de marajás de araque vestiu com a suprema toga o primo Marco Aurélio Mello. Ou quando o grão tucano FHC promoveu seu então advogado-geral da União. Ou quando Lula guindou um advogado e militante que foi reprovado duas vezes seguidas em concursos para juiz de Direito. Ou quando a nefelibata da mandioca indicou Rosa Weber — que, a despeito de ser juíza de carreira, cortou um dobrado para responder as perguntas dos senadores na sabatino. Ou mesmo quando o vampiro do Jaburu promoveu seu amigo e então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Por que a "surpresa" agora, quando Bolsonaro, dentro dos limites do Estado Democrático de Direito, assume publicamente que irá atender uma demanda da expressiva maioria dos brasileiros? Responda quem souber!

Para concluir o que eu disse no último sábado, a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do TCU passou de 70 para 75 anos em 2015. A PEC da Bengala, como ficou conhecido esse projeto de emenda constitucional, visava evitar que a calamidade em forma de gente preenchesse outras cinco vagas ao longo do seu segundo mandato. O tempo provou que o açodamento dos parlamentares foi em vão — a dita-cuja foi penabundada em 2016 — e deletério — sem a mudança, já teríamos nos livrado de Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber (e de Teori Zavascki, caso o juiz não tivesse morrido a 18 meses de seu septuagésimo aniversário). Pelas regras vigentes, o atual presidente da Corte e seu fiel escudeiro Alexandre de Moraes continuarão ministros por mais um quarto de século (há outra PEC no Congresso buscando equiparar o mandato dos togados supremos ao dos senadores, que é de 8 anos, mas isso é outra conversa).

O STF foi recriado pela Constituição de 1988 — que o tempo mostraria ser a grande incentivadora do crime cinco estrelas, a maior ferramenta para promover a negação da justiça no Brasil. O próprio Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes) reconheceu publicamente no discurso de promulgação as imperfeições da nova carta — que, para citar um exemplo, elevou a carga tributária dos 22,4% do PIB, em 1988, para os atuais 36% como forma de sustentar as novas obrigações do Estado (direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade e infância). Mas isso também é outra conversa.

Em cinco anos de atividade, a despeito de ser diuturnamente bombardeada, a Lava-Jato produziu resultados impressionantes. Em contrapartida, dos quase 200 casos que chegaram ao Supremo, 30% foram arquivados, tiveram denúncia rejeitada ou envolvidos absolvidos. Apenas 6 réus foram julgados e somente 2 restaram condenados sem prescrição. 

Sete dos atuais ministros foram nomeados durante os governos petistas, e o atual presidente da corte — que, nunca é demais lembrar, “bombou” não uma, mas vezes seguidas em concursos para juiz de primeira instância (sempre na etapa preliminar, que avalia apenas conhecimentos gerais e noções básicas do Direito) — vestiu a toga por cima da farda de militante aos 50 anos de idade, tornando-se o mais jovem membro do STF a presidi-lo (seu mandato irá até setembro de 2020, quando Luiz Fux assumirá o posto pelo próximo biênio).

O caminho que levou Toffoli ao Supremo é permeado de luzes vermelhas, a começar por sua nomeação na vaga aberta com a morte do ministro Menezes Direito, dada a pouca idade e o “invejável currículo” do indicado, abrilhantado por uma total inexpressividade no meio jurídico. A rigor, suas credenciais eram ter sido advogado do PT, assessor da Casa Civil de José Dirceu e advogado-geral da União no governo do comandante máximo da ORCRIM (clique aqui e aqui para mais detalhes), e sua indicação, mais uma demonstração cabal da falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro. 

Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, o causídico militante que prestava serviços ao PT, uma vez no Supremo e sem os laços com a rede protetora do partido ou com os referenciais do padrinho, buscou apoio em Gilmar Mendes — que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Assim, consolidado no novo habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível.

Dos 11 togados supremos, somente Rosa Maria Pires Weber e Luiz Fux são juízes de carreira. O decano José Celso de Mello Filho foi membro do MP-SP antes de ser indicado por Sarney, que aceitou a sugestão do então ministro da Justiça Saulo Ramos (que não guardou dele boas recordações). Gilmar Ferreira Mendes foi procurador da República de 1985 a 1988, adjunto da Subsecretaria-Geral, consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e advogado-geral da União no governo de FHC, que o indicou para o STF em 2002.

Enrique Ricardo Lewandowski foi advogado militante de 1974 a 1990 e secretário do prefeito peemedebista de São Bernardo Aron Galante, que o indicou a Orestes Quércia, que o guindou ao Tribunal de Alçada, passando, com a extinção deste, para o TJ-SP, na cota da classe dos advogados (quinto constitucional). Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, ex-procurador do trabalho, é juiz de origem, não por mérito garantido por concurso público, mas pela influência do pai, Plínio Affonso Farias de Mello. O prestígio deste era tal nos sindicatos patronais fluminenses que o ex-presidente Figueiredo engavetou sua nomeação para o TRT-RJ até que Marco Aurélio completasse os 35 anos exigidos por lei. Dali ele foi foi guindado ao TST (graças ao poder paterno) e mais adiante ao STF (graças ao primo Fernando Affonso Collor de Mello).

Quanto aos demais, Carmen Lúcia Antunes Rocha era procuradora do estado de Minas Gerais; Luiz Roberto Barroso atuava na advocacia privada; Luís Edson Fachin era advogado e professor de Direito e Alexandre de Moraes pertencia a um grupo de procuradores que fizeram carreira na administração pública paulista no longo mandarinato tucano; na política, pretendeu concorrer ao governo de São Paulo, mas foi nomeado ministro da Justiça e guindado ao STF por obra e graça do MDB de Michel Temer, Romero Jucá, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.

São esses, caros leitores, os responsáveis pelas decisões irrecorríveis que não se discutem, cumprem-se. Que recebem polpudos salários e gozam de toda sorte de mordomias para protagonizar espetáculos não raro dantescos e tomar decisões frequentemente estapafúrdias. Que tiram da cartola inquéritos pra lá de suspeitos. Que concedem habeas corpus humanitários a criminosos moribundos que, uma vez fora da cadeia, rejuvenescem como que por um milagre divino — basta lembrar o caso de Maluf, que estava à beira do desencarne e hoje passa muito bem, obrigado, em sua mansão nos Jardins (se o turco lalau está morrendo, deve ser de rir dos trouxas que acreditaram na Justiça Suprema).

A nós, que bancamos tudo isso com o suado dinheiro dos impostos, resta assistir, impotentes, a sessões supremas nas quais colossos do saber jurídico (com todas as ironias de estilho) confundirem recursos protelatórios e chicanas vergonhosas com o pleno direito à defesa que assiste aos réus, enquanto se banqueteiam nos intervalos com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana), arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tournedos de filé”, tudo acompanhado de uísques e vinhos importados e premiados. Isso enquanto falta dinheiro para comprar giz para as escolas e gaze e esparadrapo para prontos-socorros e hospitais.

E viva o povo brasileiro. 

sábado, 4 de maio de 2019

LULA, A CORAGEM DO JUDICIÁRIO DE MAMAR EM ONÇA E A FARRA SUPREMA COM DINHEIRO PÚBLICO NUMA REPUBLIQUETA À BEIRA DA FALÊNCIA



Considerando as decisões do juiz de primeiro grau, dos três desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 e dos quatro da 5ª Turma do STJ, a derrota de Lula no tribunal superior fechou o placar em 8 para a Justiça e zero para o condenado. Mesmo assim, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil continua batendo na mesma tecla — chegando mesmo a dizer que jamais trocaria “sua dignidade” pela liberdade. Que dignidade, cara pálida?

A despeito da culpabilidade chapada do ex-presidente — que, nunca é demais lembrar, é um político preso, e não um preso político —, a mudança na dosimetria causou espécie, até porque a turma do STJ que revisa as decisões do TRF-4 nos processos da Lava-Jato é conhecida como “câmara de gás”. Falou-se à boca pequena que os ministros foram pressionados por seus colegas supremos — capitaneados pelo infalível Gilmar Mendes — a “julgarem o recurso em vez de simplesmente chancelarem a decisão a quo.”

Em entrevista ao Blog do Nêumanne, ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou que “o regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.

Essa perspectiva da margem a especulações não só sobre o abrandamento do “gás” empregado pela “câmara” na pena, mas também sobre uma eventual combinação prévia desta. A unanimidade dos quatro ministros da turma ao reduzir — na mesma medida — a pena de Lula teria sido acertada pelo relator Felix Fischer, segundo Carolina Brígido escreveu em O Globo. O relator tem negado repetidas vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de toda a Lava-Jato no STJ, conforme o regimento da Corte. Disse ainda a jornalista que “nos bastidores as conversas de integrantes da 5ª Turma, entre si e com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no Supremo, ao qual certamente a defesa recorrerá, há chance de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de dinheiro da condenação (roteiro inspirado em precedentes).

De acordo com José Nêumanne, uma rápida consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A “fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.

Comemorando seu feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada, nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.

Passados três anos, o sumo pontífice da seita do inferno tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa. E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar galhardamente o "rígido esquema de segurança" e ter dado "forte abraço" em Florestan e Mônica Bergamo: "O STF já tomou decisão muito importante. Essa Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica. Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela já demonstrou que teve coragem e se comportou". Publicado o recado, resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A palavra é essa mesmo. Coragem de mamar em onça, como diria meu avô.

Todo somado e subtraído, com a redução concedida pelos ministros superiores, a pena do condenado ficou próxima da que foi aplicada pelo então juiz Sérgio Moro em julho de 2017 (de 9 anos e 6 meses), e os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá restaram sobejamente comprovados (em que pesem as “dúvidas seriíssimas“ do ministro Marco Aurélio). Quanto à progressão para o regime semiaberto, não é certo que o molusco poderá deixar a prisão para trabalhar durante o dia e voltar para sua cela à noite, já que o TRF-4 julgará em breve um recurso impetrado pela defesa do ex-presidente contra a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza federal Gabriela Hardt, à época substituta de Moro na 13.ª Vara Federal do Paraná, no processo referente ao sítio de Atibaia. Em caso de nova condenação em segunda instância, o ex-presidente continuará preso, segundo entendimento do STF, ainda válido.

Não fosse pelo fato de (mais) um recurso estar em via de ser apreciado pela 2ª Turma do STF, o Brasil, que tem mais com que se preocupar, segue sua vida política e institucional normalmente; apenas o PT manteria seu destino atrelado ao de seu amado líder e insubstituível presidente de honra. Isso porque há no Supremo ministros coçando a mão para libertar o sacripanta vermelho. Senão vejamos: À luz da jurisprudência ainda vigente na Suprema Corte, que permite o cumprimento antecipado da pena após decisão emanada de um juízo colegiado, a ministra Cármen Lúcia, relatora de uma ação que pleiteia a libertação de todos os condenados pelo TRF-4 que têm recursos pendentes de apreciação nas cortes superiores, determinou que julgamento fosse feito em plenário virtual, mas seu colega garantista (e petista de quatro costados) Ricardo Lewandowski, que acontece de ser o presidente da 2ª Turma, decidiu puxar a encrenca para uma sessão presencial.

Ora — pondera Josias de Souza —, se está autorizado, por que desautorizar prisões como a de Lula antes mesmo de o Supremo julgar em sessão plenária, diante das lentes da TV Justiça, as três ADCs que questionam as prisões em segunda instância? Certos ministros parecem decididos a conspirar contra a supremacia do Supremo. Mas convém não dizer isso em voz alta, sob pena de virar alvo do inquérito secreto — que Dias Toffoli abriu de ofício e nomeou Alexandre de Moraes relator — para investigar “fake news” e ameaças dirigidas à nossa Suprema Corte — que merece o maior respeito, embora o mesmo não se aplique a alguns togados que apitam por lá. Aliás, falando em desrespeito, o TCU quer saber por que o Supremo decidiu fazer uma licitação de R$ 1,3 milhão para comprar medalhões de lagosta e vinhos importados — e somente os premiados — para as refeições servidas pela Corte. A investigação se baseou em reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no dia 26 de abril, segundo a qual a notícia teve "forte e negativa repercussão popular". O que não é de estranhar, convenhamos, considerando que os requintados itens que compõem as tais “refeições institucionais”, previstas no Pregão Eletrônico 27/2019, contrastam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira que ainda sofre com a grave crise econômica que se abateu sobre o País há alguns anos.

O MP pede "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal que visam à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'". Da tribuna, o senador Jorge Kajuru criticou a proposta e informou que entregou duas representações ao TCU, uma para suspender o contrato imediatamente e outra para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF. Na semana passada, o servidor público estadual Wagner de Jesus Ferreira, do TJ-MG, também entrou com uma ação popular na Justiça Federal do DF contra o pregão eletrônico do Supremo.

O menu exigido pela licitação dos ministros supremos — que sus excelências afirmam seguir o padrão do Itamaraty — inclui desde a oferta café da manhã, passando pelo "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e "medalhões de lagosta". As lagostas, destaca-se, devem ser servidas "com molho de manteiga queimada". A corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões de filé e "tournedos de filé".

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se for tinto, tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010 e que "tenha ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais". "O vinho, em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses." Se a uva for tipo Merlot, só serão aceitas as garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e que tenha ganho pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho, "em sua totalidade, deve ter sido envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses". Para os vinhos brancos, "uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013", com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, afirma que a despesa "que se pretende realizar por meio daquela licitação encerra afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo".

Os togados supremos costumam se colocar no Olimpo, mas precisam descer de lá. Alguém discorda?

terça-feira, 5 de outubro de 2021

CRISE? QUE CRISE?

 
Antes do assunto do dia: 

Tanto o WhatsApp quanto o Facebook e o Instagram apresentaram instabilidades nesta segunda-feira (4). Até o presente momento (são 18h25), continua impossível acessar as ferramentas, tanto na versão desktop quanto nos apps para Android e iOS. Segundo o Down Detector, que monitora problemas no status dos serviços online, as primeiras reclamações foram registradas por volta das 12h, e lá pela uma da tarde já havia 44 mil queixas envolvendo o WhatsApp, 13 mil contra o Instagram e cerca de 7 mil em desfavor do Facebook. O problema seria de abrangência global e a causa, desconhecida.

Por volta das 19h, o CTO do Facebook, Mike Schroepfer, publicou uma atualização sobre as falhas nos aplicativos da empresa. Mais tarde, o próprio Zuckerberg postou no Facebook um pedido de desculpas. Após várias horas fora do ar, os apps começaram a funcionar em alguns dispositivos móveis e por desktop. O início desta normalização ocorreu por volta das 18h50. Hoje, ao que tudo indica, o funcionamento está normal.

No radar político doméstico, a investigação batizada como “Pandora Papers”, feita pela Revista Piauí e pelos sites Poder360 e Metrópoles, contribuiu para que o Ibovespa caísse mais de 2 pontos percentuais e o real se desvalorizasse mais ainda em relação ao dólar. Tudo que o Brasil precisa para mitigar a alta dos combustíveis e do gás de cozinha, dentre outros problemas que alimentam a alta do custo de vida e da inflação, que ameaça chegar ao fim do ano na casa dos dois dígitos.

Os jornalistas investigativos tiveram acesso a 11,9 milhões de documentos sobre companhias sediadas em paraísos fiscais e apuraram que o ministro de Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Bacen, Roberto Campos Neto, possuem ou possuíram empresas offshore em paraísos fiscais. No Relatório Focus, do BC, os economistas do mercado financeiro elevaram mais uma vez as projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2021 — agora a expectativa mediana para a inflação deste ano está em 8,51%, ante a previsão de 8,45% da semana passada. 

Em relação ao PIB, as projeções se mantiveram em 5,04% para 2021 e 1,57% para 2022. No câmbio, as estimativas para o dólar ficaram em R$ 5,20 para 2021, e entre R$ 5,24 e R$ 5,25 para o fim de 2022. A projeção pra a Selic se manteve em 8,25% ao ano para 2021 e em 8,50% ao ano que vem. E viva o governo Bolsonaro.

Passando ao assunto do dia: 

O absolutismo surgiu na Idade Média, quando passou-se a questionar os motivos de o poder se concentrar apenas nas mãos dos senhores feudais. Com o avento do Estado Absolutista, as forças nacionais (poder bélico) e os benefícios concedidos à nobreza foram ampliados e os reis passaram a decretar leis, criar impostos e decidir questões jurídicas a seu talante.

Acima de sua majestade, só existia Deus, já que no Estado Absolutista o rei era tido e havido como escolhido do Divino (qualquer semelhança com o mandatário de fancaria que ainda ocupa o Palácio do Planalto não é mera coincidência). Segundo alguns teóricos políticos, a obediência cega à vontade de uma única pessoa é necessária para manter a ordem e a segurança, daí o absolutismo não se limitar a monarquias — caso da Alemanha nazista sob Hitler, da União Soviética sob Stalin e da nossa mais alta Corte de Justiça sob o presidente de turno do colegiado, cujo mandato muda de mãos a cada dois anos.

capítulo IV do Regimento Interno do STF estabelece que o presidente da corte deve ser obrigatoriamente um de seus ministros, que é eleito pelos pares, mediante voto secreto, no mês anterior ao da expiração do mandato do presidente de turno ou na segunda sessão ordinária que acontecer imediatamente após a ocorrência de vaga por outro motivo (morte, aposentadoria voluntária etc.), sendo considerado eleito o ministro que obtiver 6 ou mais dos 11 votos possíveis. Caso esse quórum não seja alcançado, os dois ministros mais votados disputam um segundo turno. Se, mesmo assim, nenhum deles obtiver 6 votos, o mais antigo assume a presidência. Como cumprir regras não é do feitio de absolutistas, um acordo tácito entre os togados promove o vice a titular a cada dois anos.

Se Brasília da Fantasia é um mundo paralelo, o STF é um exoplaneta dentro desse universo, onde os eminentes ministros gozam de mimos, benesses e mordomias como segurança armada, carros blindados, sala vip em aeroportos e refeições nababescas com direito a bacalhau, lagosta, camarão, vinhos e espumantes (com pelo menos quatro premiações internacionais), enquanto milhões de brasileiros convivem com a fome e a violência em favelas e nos cafundós do sertão, onde vigoram a impunidade e ou a lei do mais forte.

Em janeiro de 2019 foi assinado contrato no valor de R$ 2,8 milhões para aquisição de 14 veículos oficiais de representação (sedans blindados de grande porte) em razão de riscos reais e potenciais a que os togados estão submetidos. Todos os veículos são destinados aos ministros. Como o colegiado é composto de 11 ministros, os três veículos excedentes são utilizados como backup no caso de manutenções preventivas e corretivas.

Há cerca de um ano o Supremo gastou R$ 4,9 milhões em serviços na área de segurança pessoal privada armada no DF, incluída a condução de veículos oficiais de representação e escolta. Segundo o tribunal, sua segurança é coordenada por policiais judiciais, servidores de carreira concursados. No entanto, "para a execução diária da proteção dos ministros da corte, faz-se necessária a contratação de seguranças pessoais privados para atuarem na segurança, diária, dos ministros do STF, majoritariamente nos traslados e eventos externos".

Outro contrato na área de segurança pessoal privada armada, de novembro de 2017 a maio de 2020, custou aos contribuintes a bagatela de R$ 25 milhões. A planilha de custos previa a contratação de 85 profissionais. Segundo o tribunal, a residência dos ministros "são ativos que necessitam de proteção diuturna, haja vista a existência de riscos reais e potenciais contra os membros do tribunal".

A segurança das togas não é assegurada apenas em Brasília. Em abril de 2020 foi assinado contrato no valor de R$ 3 milhões, para dois anos (prorrogáveis por mais 60 meses) de serviços de segurança pessoal privada armada na capital paulista. Contrato semelhante, mas no valor de R$ 1,1 milhão e pelo prazo de 30 meses, foi assinado para segurança pessoal privada armada na cidade do Rio de Janeiro (esse contrato já teve oito aditivos e o valor está em R$ 4,2 milhões, com vigência até outubro de 2023).

Em 2018, o Supremo formalizou contratos de locação de veículos blindados para uso nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, com quilometragem livre, pelos valores atuais de R$ 164 mil e R$ 186 mil, respectivamente. Ambos os contratos são prorrogáveis por 60 meses. Segundo a corte, todos os contratos relativos a São Paulo e Rio de Janeiro visam à “segurança dos ministros” nessas cidades, que são sedes dos maiores tribunais do país e, portanto, as mais visitadas institucionalmente por membros do tribunal. Assim sendo, os contratos citados servem para "alocação adequada da segurança e suporte logístico”.

Houve ainda a compra de uma pick-up Hilux 4 portas (cabine dupla com caçamba) por R$ 252 mil. O tribunal argumentou que “as adjacências, áreas e instalações do STF carecem de vigilância ostensiva constante, pois um dos níveis de segurança é alcançado com o fator presença. Ou seja, as rondas ostensivas, as inspeções de segurança e o transporte de materiais afetos à segurança do Tribunal são realizados pelos veículos constantes no contrato”.

Continua...

Com Lúcio Vaz

sábado, 26 de outubro de 2019

DATA VÊNIA, DANE-SE O BRASIL


O voto da ministra Rosa Weber, contrário à regra que permite o início do cumprimento da pena após a condenação por um juízo colegiado, consolidou a tendência do STF de exumar a velha jurisprudência. Caso esse prognóstico se confirme, a corte prestará mais um desserviço à sociedade e, em última instância (peço desculpas pelo trocadilho), aos contribuintes, já que o dinheiro arrecadado com os impostos escorchantes a que o trabalhador brasileiro é submetido, além de ser tragado pelos ralos da corrupção, banca o salário do funcionalismo, aí incluída a nababesca remuneração da alta cúpula do Poder Judiciário — que nas horas vagas se empanturra, a expensas do Erário, com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca, arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tournedos de filé”, tudo regado a uísques e vinhos importados e premiados.

Observação: Nunca é demais lembrar que o brasileiro trabalha 153 dias por ano, em média, só para pagar impostos, e a somatória de tributos municipais, estaduais e federais consome 41,80% de sua renda.

Conhecida por seus votos tortuosos e confusos, a ministra Rosa Maria Pires Weber — além da qual somente o ministro Luiz Fux é egresso da magistratura —, é gaúcha de Porto Alegre. Ela iniciou sua carreira como juíza do trabalho e, depois de presidir o TRT-4, foi indicada por Lula para o TST e, mais adiante, por Dilma para o STF. Como a ministra completou 71 anos no último dia 2, teremos de aturar sua confusa abilolância por mais longos quatro anos — a menos, é claro, que o imprevisto tenha voto garantido na assembleia dos acontecimentos.

Antes de dar início à leitura do seu voto, Rosa elogiou os votos dos colegas Fachin e Barroso, acenderam-se diante de mim todas as luzes amarelas. Mas a inusitada vocação dessa senhora para se perder em circunlóquios absconsos, quase tão indecifráveis quanto os pronunciamentos daquela que a indicou para o STF, permitiu-me acalentar um resquício de esperança. Leda pretensão.

A sessão foi suspensa quando se contabilizavam 4 votos favoráveis ao início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância e 3 contrários. Dos que ainda não votaram, Cármen Lúcia deve acompanhar a divergência e Gilmar e Lewandowski, seguir o relator. Se isso se confirmar, o placar ficará em 5 a 5, e o voto de Minerva do presidente da Corte decidirá se os condenados voltarão a recorrer em liberdade aos tribunais superiores de Brasília.

Josias de Souza relembra que a mudança que se vislumbra, se sacramentada, não abrirá apenas as celas de personagens como Lula e Dirceu, mas manterá longe da cadeia atores como Aécio e Temer, que ardem no momento no mármore quente da primeira instância e reintroduzirá no processo penal brasileiro dois vocábulos nefastos: prescrição e impunidade. Escaldado, o brasileiro vai se tornando especialista em enxergar o lado bom das coisas, mesmo que seja necessário procurar um pouco. No caso do recuo na regra sobre a prisão, o bom é que a providência, se confirmada, ajudará a explicar por que o Brasil virou o mais antigo país do futuro do mundo.

Costuma-se dizer que otimistas vêm um copo pela metade como "meio cheio" e pessimistas, como "meio vazio". Conforme eu comentei no post anterior, o voto da ministra Rosa cravou mais um prego no caixão onde jaz a esperança dos cidadãos de bem deste país. Todavia, ao final da sessão da última quinta-feira, Toffoli — que já votou a favor da prisão em segunda instância uma vez, em 2016 — disse que ainda não se decidiu: "Estou, como o ministro Marco Aurélio sempre costuma dizer, aberto a ouvir todos os debates. Muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto, pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um todo".

Torçamos, pois.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

LAVA-JATO — A RESSUREIÇÃO?


Dados do MPF mostram que a Lava-Jato foi responsável pela condenação de 278 criminosos a penas que, somadas, totalizam 2.611 anos de prisão, além de ter recuperado mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos (a expectativa é de que, entre multas e acordos de leniência, o total chegue a R$ 14 bilhões).  

Por uma curiosa ironia do destino, a outrora pujante Operação teve início em 2008 — quando o mandatário de turno era aquele que viria a se tornar o presidiário mais famoso do Brasil —, mas só ganhou notoriedade a partir de 2014 — durante a gestão de uma calamidade disfarçada de gerantona de festim —, a partir de uma escuta telefônica que levou ao doleiro Alberto Youssef  e a Carlos Habib Chater,  dono do Posto da Torre (da bandeira Ale), então o mais movimentado da região central de Brasília. 

O posto que deu origem ao epíteto "Lava-Jato" era na verdade um minicentro comercial. Com 16 bombas e 85 funcionários, o estabelecimento vendia 50 mil litros de combustível por dia — e cobrava por uma quantidade maior do que a efetivamente colocada no tanque dos clientes, conforme foi descoberto mais adiante —, mas também dispunha de loja de conveniência e alimentação, borracharia, oficina mecânica, lavanderia e, claro a famosa câmbio ValorTur, pivô da investigação exporia as entranhas do Petrolão.

Preso preventivamente, o empresário Hermes Magnus cantou feito um rouxinol, e suas informações levaram os investigadores até o doleiro Alberto Youssef e ao então Diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, a quem Youssef havia presenteado com um Range Rover Evoque zero quilômetro. A partir daí, cada pena puxada pelos agentes federais trouxe uma galinha, e os feitos da maior operação de combate à corrupção desde a chegada de Cabral, há 520 anos se tornaram públicos e notórios — a exemplo dos ataques desfechados contra a força-tarefa por políticos corruptos. Só para ficar num exemplo notório, em 2016 o então senador Romero Jucá sugeriu ao ex-presidente da TranspetroSérgio Machadoque uma "mudança" na governo federal resultaria num pacto para “estancar a sangria”.

Desgraçadamente, o que não falta no Congresso — além de probidade e vergonha na cara — é parlamentar com contas a acertar com a justiça criminal. Cerca de metade dos senadores e a terça parte dos deputados federais são investigados, denunciados ou réus — e os que ainda não são viriam a sê-lo mais cedo ou mais tarde se os promotores da impunidade não tivessem dado de lavada nos defensores da Justiça em nossas cortes superiores. O que não chega a causar espécie: quando se dá Herodes a chave do berçário, é hipocrisia reclamar de infanticídios.

Nossas leis são criadas por políticos que se elegem para roubar, roubam para se reeleger e se escudam no abjeto foro especial por prerrogativa de função. Esqueça aquela história de “todos serem iguais perante a lei”, porque sempre houve, há e continuará havendo “os mais iguais que os outros”. Presidente e vice, ministros de Estado, senadores e deputados federais só podem ser investigados pelo MPF e processados e julgados no Supremo Tribunal Federal, onde os eminentes togados são rápidos como guepardos na hora de conceder habeas corpus a bandidos de estimação, aumentar os próprios salários (é a raposa tomando conta do galinheiro) e autorizar despesas com mordomias (*), mas se tornam lerdos como cágados pernetas quando se trata de processar e julgar ex-presidentes corruptos e sevandijas do parlamento.

(*) Não faz muito tempo, chamou a atenção do TCU uma licitação de R$ 1,3 milhão para a compra de acepipes importados e vinhos premiados, mas, como de praxe, tudo acabou em pizza (de lagosta, naturalmente).

Uma das condenações mais emblemáticas produzida pela força-tarefa de Curitiba foi a da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil” — que passou míseros 580 dias numa cela VIP com direito a chuveiro elétrico, esteira ergométrica, banho de sol com duração e horário definidos pelo hóspede e visitas sem restrição de dia nem de horário. Quando seu tribunal de estimação reverteu o entendimento que permitia o cumprimento antecipado da pena após a confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, o sumo pontífice petralha foi libertado, e mais recentemente, teve suas condenações anuladas, já que o ministro Fachin despertou de uma epifania convencido de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência legal para julgar o criminoso.

O picareta dos picaretas não deixou de ser réu nem foi absolvido de seus crimes, mas a mudança do juízo natural empurrará o julgamento dos feitos para as calendas — ou para o dia de São Nunca: quando a primeira condenação se dá quando o réu já é septuagenário, o prazo prescricional, que fulmina a pretensão punitiva do Estado, se reduz à metade. Mas não é só. Pelo andar da carruagem — e a depender do dono informal do Judiciário —, o criminoso Lula será canonizado em vida e o ex-juiz e o ex-coordenador da Lava-Jato, responsáveis por sua condenação, acabarão na cadeia.   

Ironicamente, a ação saneadora nascida em plena era do lulopetismo e cuja intensificação foi promessa de palanque do falastrão autoritário que elegemos para evitar o retorno da besta-fera vermelha resistiu bravamente a um sem-número de ataques, mas acabou sendo fulminada pelo esforço conjunto dos três Poderes desta banânia e os préstimos do passador de pano geral — puxa-saco do capitão-falácia, de quem espera a indicação para a vaga do ministro Marco Aurélio, que já vai tarde, digo, que se aposenta do STF daqui a pouco mais de dois meses.  

O “punitivismo” denunciado de forma despropositada pelo PGR é condenado pela versão togada de Amon-Rá é a prova provada de que a legislação tupiniquim é feita sob medida para favorecer o crime do colarinho branco (e quando é preciso fazer alguns ajustes para vestir criminosos especiais, nossas mais altas cortes estão sempre prontas a atendê-los).

Continua na próxima postagem.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

CRISE? QUE CRISE?



Enquanto falta dinheiro para comprar giz para as escolas e gaze para os hospitais — e Bolsonaro sugere espaçar as idas ao banheiro para economizar papel higiênico —, nossos colossos togados confundem recursos protelatórios e chicanas com o pleno direito de defesa que assiste aos réus. Como se não bastasse, os doutos decisores decidem em flagrante desacordo com os interessas da sociedade e, entre uma sessão e outra, banqueteiam-se, a expensas do Erário, com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca, arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tournedos de filé”. Tudo regado a uísques e vinhos importados e premiados, naturalmente.

Escusado repetir (mais uma vez) por que considero a atual composição do STF a pior de toda a história. A quem interessar possa, esta postagem e a subsequente dão uma boa ideia da suprema agonia, e mais dois textos — igualmente ilustrativos — as complementam (tome uma dose cavalar de Plasil e clique aqui e aqui degustá-los). Mas não posso me furtar a relembrar que, graças ao folclórico "nós contra eles" de Lula e seu bando, a cizânia dividiu a sociedade e se espalhou como metástase pela alta cúpula do Judiciário, transformando o Brasil na única democracia do mundo formada por 13 poderes: o Executivo, o Legislativo e os 11 ministros supremos, que agem como se cada qual fosse dono da verdade e de seu próprio tribunal.

A divisão em alas "garantista" e "punitivista" azedou o relacionamento entre os togados supremos. Como se não bastassem os embates verbais (para não dizer bate-bocas) entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, dignos de cortiço de quinta categoria — num deles, Barroso acusou Mendes (e não se razão, mas isso já é outra conversa) de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia” —, agora o presidente e o vice-presidente da corte quase não se falam.

Toffoli integra a ala "garantista", que defende a impunidade a pretexto de resguardar o direito dos réus; Fux, a dos "punitivistas", favorável ao cumprimento antecipado da pena em nome do combate à impunidade. Segundo matéria publicada na revista Época, os membros desse grupo são chamados pejorativamente pelos do outro time de "iluministas". O relacionamento entre os dois está a tal ponto estremecido que não houve, durante o último recesso, a tradicional divisão do plantão: o presidente dos togados preferiu ficar ele próprio responsável por todas as decisões urgentes do período, inclusive aquela em que, a pretexto de proteger Flávio Bolsonaro, sobrestou todos os demais processos baseados em dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle sem autorização judicial.

Não se espera que um juiz — qualquer juiz — decida visando agradar a gregos e troianos, mas que julgue em conformidade com a legislação vigente. Por outro lado, a intenção do legislador nem sempre está expressa de forma clara e na letra fria da lei, daí os magistrados se valerem da "hermenêutica" termo que o jargão jurídico emprestou do religioso para definir a interpretação dos textos legais à luz do "espírito" da lei, ou seja, visando inferir o alcance das intenções do legislador.

Interpretar a lei não significa legislar, como deveriam saber os togados supremos — e muitos de seus pupilos nas instâncias inferiores — que parecem achar que, se limites existem, é para que sejam ultrapassados. Agem como se dirigissem em alta velocidade, imbuídos da certeza de que nenhum policial rodoviário se atreveria a multá-los; afinal, eles são supremos, inatingíveis, incontestáveis, irretorquíveis e incriticáveis.

Quiseram os constituintes de 1988 que coubesse ao supremo o direito de errar por último, e à plebe ignara, que paga os altos salários e banca suas escandalosas mordomias dos decisores, o papel de ovelha de presépio.

Como quase tudo mais neste mundo, a política funciona como uma via de mão dupla. Em junho, um pacto institucional celebrado entre os chefes dos Poderes impediu a queda do castelo de cartas tupiniquim. Bolsonaro correu risco real de ser apeado da Presidência, do que se pode inferir que nem todas as conspirações palacianas são fruto da paranoia e da imaginação fértil do capitão e seus pimpolhos.

Observação: Em entrevista a VEJA, o ministro Dias Toffoli confirmou que o Brasil esteve à beira de uma crise institucional entre os meses de abril e maio, e disse que sua atuação foi fundamental para pôr panos quentes numa insatisfação que se avolumava. A combinação explosiva envolvia setores político e empresarial e militares próximos a Bolsonaro. No Congresso, a reforma da Previdência não avançava, e o Executivo acusava os deputados de querer trocar votos por cargos e verbas públicas. O impasse aumentou quando um grupo de parlamentares resolveu desengavetar um projeto que previa a implantação do parlamentarismo — se aprovado, Bolsonaro se tornaria uma figura decorativa, um presidente sem poder (ou um "banana", nas palavras do próprio presidente).

Mas não existe almoço grátis: o pacto conteve a insurreição, mas tornou nosso indômito presidente refém da nova agenda política, cujo objetivo é travar a Lava-Jato e seus desdobramentos. Mutatis mutandis, o mesmo se deu quando Temer comprou o apoio das marafonas do Câmara para se escudar das "flechadas" do ex-PGR Rodrigo Janot. Por uma via, o vampiro do Jaburu se segurou no palácio; por outra, tornou-se um presidente "pato-manco" — ou "lame duck", que é como os americanos se referem a políticos terminam o mandato tão desgastados que os garçons palacianos demonstram seu desprezo servindo-lhes o café frio. E foi parar na cadeia poucos meses depois de descer a rampa do Planalto.

É, a vida tem dessas coisas.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

LEITE CONDENSADO ERA PARA PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE BRIGADEIROS


Um presidente que não governa, que age como se estivesse em plena campanha (e está), que não se empenha na aprovação das reformas (e joga a culpa o Congresso), que tripudia do vírus (gripezinha) e insulta as pessoas sensatas (maricas), que banca o curandeiro (quem não toma cloroquina toma tubaína), que aparelha a PGR, reforça a banda podre do STF e articula a eleição de apaniguados na Câmara e no Senado por razões, digamos, escusas, não é apenas uma figura inútil. É um estorvo, um encosto, um egun mal despachado, devendo ser exorcizado sob pena de o país regredir aos tempos nefandos de Sarney e Collor.

As despesas do governo federal com alimentação em 2020 (R$ 1,8 bilhão), reveladas pelo site Metrópoles na última 3ª feira, causaram indignação. Quando mais não seja porque R$ 15 milhões foram gastos com leite condensado, R$ 2,2 milhões com chicletes, R$ 32,7 milhões com pizza e refrigerante, R$ 6 milhões com frutos do mar e R$ 2 milhões com vinhos. Para além disso, o Portal Transparência saiu do ar e permaneceu inacessível por horas a fio.

Claro que para tudo existe uma explicação (não necessariamente convincente). Na pior das hipóteses, inventa-se uma desculpa — o que não costuma ser problema para um governo sem o menor apreço pela verdade. E com efeito. Na 4ª feira, o Ministério da Defesa soltou uma nota afirmando que houve redução em relação a 2019

Sobre o leite condensado, a pasta comandada pelo general Fernando Azevedo e Silva disse ser "um dos itens que compõem a alimentação por seu potencial energético, e eventualmente pode ser usado em substituição ao leite". No que tange ao chiclete, explicou que produto “ajuda na higiene bucal das tropas, que, às vezes, não têm tempo de fazer a escovação apropriada, como também é utilizado para aliviar as variações de pressão durante a atividade aérea”. Também ressaltou que há atualmente 370 mil militares na ativa, e que cada um recebe R$ 9 por dia para alimentação.

Também na 4ª feira, durante almoço com apaniguados e puxa-sacos numa churrascaria em Brasília, Bolsonaro reagiu às críticas com a finesse que lhe é peculiar: “Quando eu vejo a imprensa me atacar, dizendo que comprei 2 milhões e meio de latas de leite condensado, vai pra puta que pariu, imprensa de merda! É pra enfiar no rabo de vocês da imprensa essas latas de leite condensado. Essas acusações levianas não levam a lugar nenhum e se me acusam disso é sinal que não tem do que me acusar (…) Isso não é mordomia, não é privilégio”.

Segundo levantamento feito pelo Poder360, o governo federal reduziu em quase 55% os gastos com alimentos em 2020, na comparação com o ano anterior. No primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro, o valor efetivamente gasto — que é diferente daquilo que foi empenhado — foi de R$ 1,2 bilhão. Em 2020, marcado pela pandemia, o valor desembolsado foi de R$ 602 milhões.

Volto a lembrar que tanto é possível mentir dizendo a verdade quanto dizer a verdade mentindo. Conta-se que Fidel Castro, questionado sobre a penúria na ilha forçar universitárias a se prostituir para sobreviver, afirmou que era exatamente o contrário: a situação em Cuba era tão boa que até as prostitutas eram universitárias.

Observação: O senador Alessandro Vieira e os deputados Felipe Rigoni e Tabata Amaral pediram ao TCU que apure possíveis irregularidades: “Além do princípio da moralidade, o aumento vertiginoso dos gastos com alimentos — muitos dos quais inequivocamente supérfluos, repita-se — choca-se os princípios enunciados pelo art. 70 da Carta Maior.

Bolsominions costumam apelar para o “bom era o PT, né?” sempre que seu mito de araque é criticado, a exemplo do que fazia a patuleia petista em defesa do picareta dos picaretas. “E o Aécio”?, perguntavam. Mas o fato é que os gastos do capitão-cloroquina deixam os perdulários Lula e Dilma “no chinelo”. 

Também é fato que os petralhas gastavam melhor. Nada de leite condensado; a tigrada gostava mesmo era de vinho francês e charuto cubano. O amigão do Queiroz bem que poderia trocar o leite condensado por panetones de chocolate da loja do bolsokid das rachadinhas, ajudando o pimpolho a evitar os saques de R$ 2 mil, além de não precisar mais receber cheques de milicianos na conta da esposa.

Pode-se argumentar que o exemplo vem de cima. E com efeito. Em abril de 2019, diante da "forte e negativa repercussão popular" resultante de uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo que trazia à lume uma licitação do STF no valor de R$ 1,3 milhão, o MP pediu a adoção de "medidas necessárias a apurar a ocorrência de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal visando à 'contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições institucionais, por demanda, incluindo alimentos e bebidas'”.

Os itens que compunham as tais “refeições institucionais”, objeto do Pregão Eletrônico 27/2019, contrastavam com a escassez e a simplicidade dos gêneros alimentícios acessíveis — ou nem isso — à grande parte da população brasileira. O menu exigido pelos togadas —, que, segundo eles, seguia o padrão do Itamaraty — incluía café da manhã, "brunch", almoço, jantar e coquetel. Na lista havia produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e medalhões de lagosta (as lagostas deviam ser servidas com molho de manteiga queimada). A corte exige ainda que fossem levados à mesa bacalhau à Gomes de Sáfrigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana) e arroz de pato. O cardápio incluía ainda vitela assada, codornas assadas, carré de cordeiro, medalhões e tournedos de filé.

Os vinhos exigiram um capítulo à parte no edital. Se fossem tintos, tinham de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva, de safra igual ou posterior a 2010, que tivessem ganhado pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais e sido envelhecidos em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses. Se a uva fosse do tipo Merlot, só seriam aceitas garrafas de safra igual ou posterior a 2011 e vencedoras de pelo menos quatro premiações internacionais. Nesse caso, o vinho teria de ser envelhecido em barril de carvalho, de primeiro uso, por período mínimo de 8 (oito) meses. Para os vinhos brancos, uva tipo Chardonnay, de safra igual ou posterior a 2013, com no mínimo quatro premiações internacionais.

Em sua representação, o subprocurador-geral do MP junto ao TCU afirmou que a despesa que se pretendia realizar por meio daquela licitação encerrava “afronta ao princípio da moralidade administrativa" prevista na Constituição. "Não se pode exigir, pois, dos administradores públicos, simplesmente o mero cumprimento da lei. De todos os administradores, sobretudo daqueles que ocupam os cargos mais altos na estrutura do Estado, deve-se exigir muito mais. Dos ocupantes dos altos cargos do Estado, deve-se exigir conduta impecável, ilibada, exemplar, inatacável. A violação da moralidade administrativa importa em ilegitimidade do ato administrativo e, sempre que for constatada essa violação, deve ser declarada, quer pela via judicial, quer pela via administrativa, a nulidade do ato ilegítimo". Até onde eu me lembro, não deu em merda nenhuma. 

Encerro com um texto publicado por Marcos Nogueira no Blog Cozinha Bruta:

A associação com pessoas desagradáveis, vis, perversas, repulsivas, asquerosas, abjetas, repugnantes pode contaminar objetos e palavras. Ninguém se chama Judas por causa de um certo Iscariotes, apesar de ter havido também o Tadeu, que era sangue-bom e até virou santo. Ninguém quer morar na casa onde viveu um psicopata assassino em série. As roupas e tralhas pessoais desse tipo de criminoso só são aceitas por gente que ignora sua origem. Quem aí quer a boneca da menina Suzane? Ou a câmera do Maníaco do Parque?

Quando o bandido ocupa um cargo de poder, a rejeição se estende por campos menos palpáveis. Na Alemanha e por onde migrou, a família Hitler abandonou o sobrenome. O prenome Adolf, incluindo Adolfo e outras variantes, se tornou muito raro. A obra musical de Richard Wagner, a despeito de quaisquer predicados artísticos, é alvo de ranço porque o Führer o idolatrava. Os cartórios não registram Calígulas, Mussolinis, Maos, Saddams ou Kadafis.

Nunca ouvi falar de comida ou alimento que tenha entrado em desuso por ser o favorito de um tirano. Saddam Hussein gostava de peixe, Idi Amin Dada curtia arroz de cabrito. Pol Pot tomava sua sopinha condimentada. As pessoas continuam a comer essas coisas no Iraque, em Uganda e no Camboja. Mas tudo tem uma primeira vez.

No Brasil, a repetida associação do leite condensado ao nome de Jair Messias Bolsonaro está começando a saturar. Há quem condene o leite condensado por suas propriedades intrínsecas. É doce demais, admito. Mas dá para equilibrar se o resto da receita levar pouco açúcar. Há o argumento de que o leite condensado — criado como substituto do leite de vaca in natura, quando não havia refrigeração artificial — é um predador exótico que ameaça a tradição da doçaria brasileira. Não considero a tese válida, pois elementos novos mudam as tradições, e isso sempre vai ocorrer. Goste ou não, o leite condensado virou ingrediente da tal cozinha de vó.

Há ainda a antipatia decorrente do uso indiscriminado de leite condensado em tudo o que é tosco e mal-acabado: barcas de açaí, paletas recheadas, doces melados de vídeos lacradores. Compartilho desse sentimento, mas ele não basta para eu abandonar o leite condensado.

Gosto muito de brigadeiro, gosto muito de pudim, às vezes me entrego a prazeres tacanhos inconfessáveis para quem posa de gourmet. Mas a insistente aparição conjunta do leite condensado e de Jair Messias periga tornar a associação tão automática quanto a do sobrenome Hitler ao holocausto.

Por favor, Jair. Não nos roube o leite condensado da mesma forma como você roubou nossa bandeira.

sábado, 9 de maio de 2020

MELHOR JAIR PEDINDO O BONÉ


Antes de qualquer outra coisa, uma introdução desnecessária, mas oportuna (não se preocupe em ferir suscetibilidades pulando esse trecho, até porque eu não tenho como saber se você leu ou não).

Há cerca de 15 anos, depois de meses trabalhando no projeto de um livro sobre hardware, resolvi sepultá-lo. Não havia como conciliar a elaboração de um tratado de mais de 300 páginas e a “linha de produção” de artigos sobre TI que eu publicava na mídia impressa, naquela época, e que tinham prioridade, pois ajudavam a pagar as contas. Mas o "xis" da questão era a velocidade com que a evolução tecnológica substituía produtos de ponta por outros ainda mais avançados.

Eu havia criado um esboço que previa uma introdução contemplando a evolução do computador desde a criação do ábaco, há 5 mil anos, e a história do sistema operacional Windows, que se confunde, em grande medida, com a da Microsoft. Uma vez concluída essa parte, era só tocar o resto adiante. Mas esse "resto" previa um capítulo para cada componente de hardware (placa-mãe, processador, memórias, disco rígido, monitor e outros periféricos etc.), e conforme eu terminava de escrever um capítulo, os anteriores já clamavam por atualizações. Até que um belo dia eu resolvi que não tinha vocação para Penélope, e preferi abortar o livro a parir um natimorto.

Esse episódio me veio à lembrança há poucos dias, quando encontrei alguns esboços do finado projeto (que eu havia imprimido por qualquer motivo e achava que havia descartado em algum momento). Aí bateu uma curiosa sensação de déjà-vu: guardadas as devidas proporções, a mesma necessidade de atualização ad perpetuam que me fez desistir do livro volta a me assombrar nas postagens de política, porque o cenário muda tão rapidamente quanto imagens num caleidoscópio — ou, parafraseando o velho Magalhães Pinto: “política é como nuvem; você olha e ela está de um jeito, você olha de novo e ela já mudou”. 

Do final da tarde (horário em que geralmente concluo meus posts) até a zero hora do dia seguinte (horário no qual eles são publicados), o risco de o cenário mudar e a postagem se tornar matéria vencida ou, literalmente, “jornal de ontem” é cada vez maior. E falando em ontem (no caso, anteontem, porque hoje é sábado, mas este post foi escrito na tarde da sexta-feira), a visita extemporânea do atual inquilino do Palácio do Planalto ao atual inquilino do gabinete da presidência do STF causou surpresa, constrangimento e desagrado, dependendo de para quem você pergunta. 

Só defenderam a marcha do general da banda sobre o Supremo (tudo bem, agora eu exagerei) os bolsomínions e os comentaristas de extrema direita — que, de tão à direita, às vezes caem da borda do planeta, que, como sabemos, é plano. Cá entre nós, o fanatismo dessa caterva está pior que o dos esquerdopatas, e olha que eu achei que não viveria para ver uma coisa dessas.

Após ter dito que não pode passar por cima do Supremo — referindo-se à decisão que deu autonomia para estados e municípios estabelecerem restrições à circulação e ao comércio —, nosso indômito capitão atravessou a pé a Praça dos Três Poderes. Com ele, marcharam o onipresente filho zero um (um obelisco à lisura no desempenho de funções parlamentares), empresários dos setores têxtil, farmacêutico, de produção de cimento, automóveis, energia, cimento, máquinas e calçados, entre outros, e os ministros da Casa Civil, da Defesa, e da Economia. Oficialmente, o propósito era sensibilizar os togados com a situação precária que a Economia enfrenta devido às medidas de isolamento, que já duram quase dois meses.

Paulo Guedes, a certa altura da efeméride que classificou de “visita de cortesia”,  disse que o Brasil corre o risco de se “transformar numa Venezuela” (do ponto de vista da economia, não da política, como ele fez questão de frisar). Em outro momento, o superministro comparou a economia a um paciente na UTI com sinais vitais estáveis, mas fadado a acabar no cemitério (se as medidas restritivas de isolamento social não forem afrouxadas).

A analogia se aplica ao próprio Guedes, que Bolsonaro ora frita, ora adula. No final de semana que sucedeu ao desembarque de Moro, correu um zunzunzum de que Guedes seria o próximo a cair, e o presidente encenou uma coletiva de imprensa — com o primeiro escalão do Executivo servindo de pano de fundo — para dizer que “O homem que decide economia no Brasil é um só, e chama-se Paulo Guedes”. 

Pois bem, na última quarta-feira o líder do governo na Câmara disse que “foi uma determinação do presidente da República, cumprida pelo líder do governo; eu sou líder do governo, não de qualquer ministério, referindo-se ao destaque do PDT no âmbito do projeto de socorro a estados e municípios, que reduziu a economia de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões. Com amigos assim, quem precisa de inimigos?

A mesma analogia se aplica também ao próprio Jair Bolsonaro, cujo governo cambeta pode evoluir da UTI para o cemitério se Rodrigo Maia der andamento a um dos mais de 30 pedidos de impeachment que estão sobre sua mesa, ou dependendo de qual for o desfecho do inquérito aberto pela PGR, com autorização do ministro Celso de Mello, sobre a tentativa de interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, com base nas “denúncias” do ex-ministro Sérgio Moro.

Voltando à “visita midiática” do presidente e companhia a nossa mais alta Corte, togados ouvidos por Josias de Souza utilizaram termos como “presepada”, “molecagem” e “pegadinha” para qualificar o cirquinho encenado pelo capitão das trevas. O pretexto da visita, conforme eu mencionei parágrafos atrás, foi o de informar ao Supremo que a política de isolamento social adotada na crise sanitária empurra as empresas para o colapso.

"Se estivesse na presidência do Supremo, não sairia da minha casa para uma presepada dessas", disse um dos ministros, que foi ecoado por um colega: "O que o presidente fez pode ser classificado como uma molecagem. Ele tenta transferir para o Supremo uma responsabilidade que é dele." Um terceiro magistrado avalia que "Toffoli foi vítima de uma pegadinha". Ele esmiuçou o raciocínio: "O presidente da República pediu para ser recebido. Por civilidade, o Toffoli concordou. De repente, o presidente do Supremo viu-se no centro de uma transmissão ao vivo, ouvindo queixas sobre um problema que cabe ao Executivo gerenciar, não ao Judiciário. Isso não é sério."

Os três ministros concordaram em dois pontos: 1) Bolsonaro agiu com o intuito deliberado de transferir para o Supremo a responsabilidade pelos efeitos econômicos da crise sanitária —exatamente como faz com governadores e prefeitos; 2) o Supremo não eximiu Bolsonaro de responsabilidades ao reconhecer no mês passado, em decisão unânime, que estados e municípios têm poderes para tomar providências como o isolamento social e o fechamento do comércio durante a pandemia.

O próprio Toffoli exortou Bolsonaro a coordenar o gerenciamento da crise a partir de Brasília, "chamando os outros Poderes, chamando os estados, representantes de municípios." Insinuou que talvez seja necessário compor "um comitê de crise" para discutir a volta ao trabalho — coisa que, aliás, já deveria ter sido feita há muito tempo, mas Brasilia é a Ilha da Fantasia e os eminentes togados vivem numa bolha, muito além da realidade da plebe ignara, dos mortais comuns.

Observação: Suas excelências percebem salários de R$ 39.293, fora os penduricalhos, gozam férias (ou melhor, “entram em recesso”, que é mais chique) duas vezes ao ano, fruem de um sem-número de mordomias (lagosta, vinhos premiados etc.) e contam com 223 vassalos cada um — o número de funcionários da Corte varia conforme o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450. Em 2016, esse séquito faraônico consumiu mais de meio bilhão de reais — as informações são do site políticos.org.br; se alguém achar que isso é fake news, que processe o site, não a mim.

Dois dos ministros avaliaram que Toffoli não foi suficientemente enfático nas suas intervenções. "Deveria ter dito claramente que os visitantes estavam no lugar errado", disse um deles. E o outro: "É preciso esclarecer, de uma vez por todas, que o Supremo não age senão quando provocado. E as matérias relacionadas à crise sanitária só chegam a nós porque viraram um problema. O presidente da República precisa perguntar a si mesmo se deseja ser parte do problema ou se prefere ser parte da solução."

Resumo da ópera: Bolsonaro decidiu se queixar ao bispo. Na falta de uma batina, foi ao encontro da toga na marcha cenográfica desta quinta-feira. A resposta do bispo, digo, de Toffoli, em palavra mais elegantes, foi: “Vire-se”. No que cabe razão ao ministro, pois é da competência do Poder Executivo inaugurar um comitê de crise e negociar uma solução com governadores e prefeitos; se o chefe de turno é incompetente, aí já são outros quinhentos...

Na saída, numa entrevista improvisada, o superministro Paulo Guedes despejou sobre os microfones um tema que deixou a cena ainda mais surreal. Disse ter pedido a Bolsonaro o veto do trecho do projeto de socorro a estados e municípios que livrou várias corporações de servidores públicos do congelamento de salários — que, como dito parágrafos atrás, foi aprovado com o apoio do próprio Bolsonaro. Mas ali, ao lado do ministro, o capitão prometeu vetar aquilo que mandou aprovar.

Para completar a irracionalidade, faltou um personagem à pantomima de Brasília. Não ocorreu ao presidente chamar para a pajelança o ministro da Saúde, Nelson Teich. O mesmo que, na véspera, ao falar sobre o recorde de mortos do coronavírus, admitiu que o lockdown, mais draconiano do que o isolamento social, pode ser necessário em algumas localidades. Ou seja: Bolsonaro revela-se capaz de tudo, menos de presidir uma saída planejada da crise. O país precisa conhecer o Plano Bolsonaro de volta à hipotética normalidade.

Para fechar com chave dourada (que o dólar está nas alturas e o ouro não lhe fica atrás), o capitão da caverna das trevas programou para este sábado um churrasco, uma aglomeração gourmet para 30 convidados. "Estou cometendo um crime", disse o presidente aos repórteres, entre risos, no cercadinho do Palácio da Alvorada. "Vou fazer um churrasco no sábado aqui em casa. Vamos bater um papo, quem sabe uma 'peladinha'. Alguns ministros, alguns servidores mais humildes que estão do meu lado."

A melhor novidade proveniente do governo desde que o vírus fugiu ao controle foi a notícia de que a taxa de insensibilidade do presidente não aumentou. Continua nos mesmos 100%. Bolsonaro se queixa da paralisia do país, mas há um empreendimento que prospera no Planalto: a indústria do descaso. Tomado pelo alheamento, o “mito” exibe as feições de um ex-presidente no exercício da Presidência. Ele não governa a crise que apavora o Brasil. Preside um país qualquer situado no Mundo da Lua.

Para encerrar (agora a sério), uma boa notícia em meio ao festival de desgraças a que vimos assistindo nos últimos tempos: Por unanimidade de votos, a 8º Turma do TRF-4 rejeitou, na última quarta-feira, os embargos protelatórios, digo, os embargos declaratórios apresentados pela defesa de Lula no processo sobre o sítio em Atibaia, e manteve a condenação do criminoso a 17 anos de prisão.