Dados do MPF mostram que a Lava-Jato foi responsável pela condenação de 278 criminosos a penas que, somadas, totalizam 2.611 anos de prisão, além de ter recuperado mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos (a expectativa é de que, entre multas e acordos de leniência, o total chegue a R$ 14 bilhões).
Por uma curiosa ironia do destino, a outrora pujante Operação teve início em 2008 — quando o mandatário de turno era aquele que viria a se tornar o presidiário mais famoso do Brasil —, mas só ganhou notoriedade a partir de 2014 — durante a gestão de uma calamidade disfarçada de gerantona de festim —, a partir de uma escuta telefônica que levou ao doleiro Alberto Youssef e a Carlos Habib Chater, dono do Posto da Torre (da bandeira Ale), então o mais movimentado da região central de Brasília.
O posto que deu origem ao epíteto "Lava-Jato" era na verdade um minicentro comercial. Com 16 bombas e 85 funcionários, o estabelecimento vendia 50 mil litros de combustível por dia — e cobrava por uma quantidade maior do que a efetivamente colocada no tanque dos clientes, conforme foi descoberto mais adiante —, mas também dispunha de loja de conveniência e alimentação, borracharia, oficina mecânica, lavanderia e, claro a famosa câmbio ValorTur, pivô da investigação exporia as entranhas do Petrolão.
Preso
preventivamente, o empresário Hermes Magnus cantou
feito um rouxinol, e suas informações levaram os investigadores até o
doleiro Alberto Youssef e ao então Diretor de Abastecimento
da Petrobrás, Paulo Roberto Costa,
a quem Youssef havia
presenteado com um Range Rover
Evoque zero quilômetro. A partir daí, cada pena puxada pelos agentes
federais trouxe uma galinha, e os feitos da maior operação de combate à
corrupção desde a chegada de Cabral, há 520 anos se
tornaram públicos e notórios — a exemplo dos ataques desfechados contra a força-tarefa
por políticos corruptos. Só para ficar num exemplo notório, em 2016 o então
senador Romero Jucá sugeriu
ao ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que uma "mudança" na governo
federal resultaria num pacto para “estancar a sangria”.
Desgraçadamente, o
que não falta no Congresso — além de probidade e vergonha na cara — é
parlamentar com contas a acertar com a justiça criminal. Cerca de metade dos senadores e a terça parte dos
deputados federais são investigados, denunciados ou réus — e os que
ainda não são viriam a sê-lo mais cedo ou mais tarde se os promotores da
impunidade não tivessem dado de lavada nos defensores da Justiça em nossas
cortes superiores. O que não chega a causar espécie: quando se dá Herodes a chave do berçário, é hipocrisia
reclamar de infanticídios.
Nossas leis são
criadas por políticos que se elegem para roubar, roubam para se reeleger e se
escudam no abjeto foro especial por prerrogativa de função.
Esqueça aquela história de “todos serem iguais perante a lei”, porque sempre houve,
há e continuará havendo “os mais iguais que os outros”. Presidente e vice,
ministros de Estado, senadores e deputados federais só podem ser investigados
pelo MPF e processados e
julgados no Supremo Tribunal
Federal, onde os eminentes togados são rápidos como guepardos na hora de
conceder habeas corpus a bandidos de estimação, aumentar os próprios
salários (é a raposa tomando conta do galinheiro) e autorizar despesas com
mordomias (*), mas se tornam lerdos como cágados pernetas quando se trata de processar
e julgar ex-presidentes corruptos e sevandijas do parlamento.
(*) Não faz muito
tempo, chamou a atenção do TCU uma
licitação de R$ 1,3 milhão para
a compra de acepipes importados e vinhos premiados,
mas, como de praxe, tudo acabou em pizza (de lagosta, naturalmente).
Uma das
condenações mais emblemáticas produzida pela força-tarefa de Curitiba foi a da
autodeclarada “alma viva mais honesta do
Brasil” — que passou míseros 580 dias numa cela VIP com direito a chuveiro
elétrico, esteira ergométrica, banho de sol com duração e horário definidos pelo
hóspede e visitas sem restrição de dia nem de horário. Quando seu tribunal de
estimação reverteu o entendimento que permitia o cumprimento antecipado da pena
após a confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, o sumo
pontífice petralha foi libertado, e mais recentemente, teve suas condenações
anuladas, já que o ministro Fachin
despertou de uma epifania convencido de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência legal para
julgar o criminoso.
O picareta dos
picaretas não deixou de ser réu nem foi absolvido de seus crimes, mas a mudança
do juízo natural empurrará o julgamento dos feitos para as calendas — ou para o
dia de São Nunca: quando a primeira
condenação se dá quando o réu já é septuagenário, o prazo prescricional, que fulmina
a pretensão punitiva do Estado, se reduz à metade. Mas não é só. Pelo andar da
carruagem — e
a depender do dono informal do Judiciário —, o criminoso Lula será canonizado em vida e o ex-juiz
e o ex-coordenador da Lava-Jato, responsáveis por sua condenação, acabarão na
cadeia.
Ironicamente, a
ação saneadora nascida em plena era do
lulopetismo e cuja intensificação foi promessa
de palanque do falastrão autoritário que elegemos para evitar o retorno da
besta-fera vermelha resistiu bravamente a um sem-número de ataques, mas acabou
sendo fulminada pelo esforço conjunto dos três Poderes desta banânia e os
préstimos do passador de pano geral — puxa-saco do capitão-falácia, de quem
espera a indicação para a vaga do ministro Marco
Aurélio, que já vai tarde, digo, que se aposenta do STF daqui a pouco mais
de dois meses.
O “punitivismo”
denunciado de forma despropositada pelo PGR é condenado pela versão togada de Amon-Rá é a prova provada de que a legislação tupiniquim é feita
sob medida para favorecer o crime do colarinho branco (e quando é preciso fazer
alguns ajustes para vestir criminosos especiais, nossas mais altas cortes estão
sempre prontas a atendê-los).
Continua na
próxima postagem.