A implementação do juiz
de garantias foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Capitão-Decepção.
Trata-se de mais uma artimanha urdida por políticos corruptos — com a
cumplicidade de ministros que não honram a suprema toga — para restaurar o
império da impunidade, a exemplo da proibição da prisão em segunda instância, da
aberração jurídica que anula condenações de réus delatados que não apresentaram
seus memoriais antes dos delatores, e por aí vai.
A Lava-Jato
sempre foi bombardeada por essa caterva, mas os ataques se intensificaram
depois que certo ex-presidente criminoso foi condenado e preso no caso do
tríplex no Guarujá. Tanto é que a ideia de implementar o tal juiz de garantias
só ganhou impulso graças ao suspeitíssimo vazamento de mensagens supostamente
trocadas pelo juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, que
foram obtidas pelo site panfletário The Intercept Brasil e replicadas
por veículos de comunicação como Veja, BandNews e outros, segundo
os quais houve falta de distanciamento na condução dos processos que resultaram
na condenação do petralha, embora uma leitura isenta de paixões revele que não
houve nenhuma ilegalidade, nenhuma prova forjada, nada que alterasse o rumo do
julgamento ou que desabonasse o trabalho do juiz ou dos membros do Ministério
Público.
Como se não bastasse,
a extinção do foro privilegiado, nos moldes desejados pelos nobres deputados,
fará com que os processos em curso contra políticos corruptos baixem para a
primeira instância, onde os magistrados estarão impedidos de apoiar as
investigações, autorizar quebras de sigilos bancário ou telefônico, decretar
prisões preventivas e outras medidas cautelares que sejam pedidas pelo MP
ou pela PF. Além de acarretar ainda mais lentidão à tramitação das
ações, essa alteração implica ainda o risco de o juiz encarregado de dar a
sentença receber os autos sem todas as informações que lhe permitiriam formar
um juízo mais acurado, possibilitando o entendimento de que não há base nas
acusações.
No apagar das luzes
do ano legislativo de 2019, o senador Álvaro Dias apresentou uma PEC
que propõe limitar o foro privilegiado aos presidentes dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário e ao vice-presidente da República,
acabando
com a farra de cerca de 58 mil autoridade. Após ser aprovada sem
modificações pelo Senado e pela comissão especial da Câmara dos Deputados, a
proposta foi engavetada. Portanto, não havendo uma definição sobre tema, a
competência do julgamento será decidida caso a caso pelo Supremo, que é
rápido como um raio para julgar recursos que beneficiam o criminoso Lula
e outros condenados estrelados, mas lerdo como um cágado perneta quando acha
que o momento não é oportuno para decidir sobre seja lá o que for (haja vista
os pedidos de vista obstrutiva feitos por alguns ministros, notadamente os que
compõem a chamada “banda podre” da Corte).
Segundo o presidente
da Câmara, essa PEC será votada no mês que vem, só que com um adendo urdido
pelos nobres deputados, que restringe ainda mais as investigações sobre os
crimes comuns cometidos por parlamentares. Há resistência dentro da própria
Câmara, apesar do pretexto oficial de que juízes de primeira instância podem
atuar com intenções políticas a favor de grupos contrários ao parlamentar
acusado (como se isso não pudesse se estender a outras profissões igualmente
expostas a disputas políticas ou pessoais).
Repudiar a figura
do juiz de garantias não significa ser contra alterações na legislação
que tornem a Justiça mais justa (com o perdão da redundância) e, por
extensão, mais imparcial. O problema é que essa excrescência proporcionará aos
criminosos ricos e poderosos mais uma etapa processual e um vasto leque de
recursos, mas não melhorará em nada a situação de pobres, negros, excluídos e desfavorecidos.
Combinada com o
empenho da banda podre do Congresso em proibir juízes de primeira instância de
decretar medidas cautelares contra parlamentares processados, esse despautério fatalmente
restabelecerá a impunidade num país onde as leis são criadas por criminosos
para favorecer a si próprios e a quem possa pagar honorários milionários a chicaneiros
estrelados, especialistas em empurrar a decisão final dos processos para
o dia de São Nunca ou até que a pretensão
punitiva do Estado seja frustrada pela prescrição.
Por essas e outras,
a decisão Toffoliana de adiar por seis meses a entrada em vigor do juiz
de garantias é bem-vinda, embora o ideal seria utilizar esse tempo para
descartar de vez a inovação e focar nos gigantescos e reais problemas do
sistema judiciário.
Para entender
melhor a questão do juiz de garantias, sugiro ler este
artigo do advogado José Paulo Cavalcanti Filho. Para ter mais uma prova da manifesta incompetência do togado supremo que preside os demais supremos togados, leia o artigo que Bruno Ribeiro publicou na edição do Estadão do último domingo.