segunda-feira, 20 de maio de 2019

DE VOLTA À SUPREMA VERGONHA — PARTE FINAL



Sérgio Moro no STF é a expectativa dos apoiadores da Lava-Jato e dos 57 milhões de brasileiros que elegeram Bolsonaro presidente — e talvez até dos muitos eleitores que não votaram no capitão, mesmo temendo a volta do PT reencarnado num reles fantoche comandado remotamente por um não menos reles criminoso condenado. Por que, então, tanta celeuma por parte de analistas, comentaristas, especialistas e outros “istas”? Não houve nada parecido quando o caçador de marajás de araque vestiu com a suprema toga o primo Marco Aurélio Mello. Ou quando o grão tucano FHC promoveu seu então advogado-geral da União. Ou quando Lula guindou um advogado e militante que foi reprovado duas vezes seguidas em concursos para juiz de Direito. Ou quando a nefelibata da mandioca indicou Rosa Weber — que, a despeito de ser juíza de carreira, cortou um dobrado para responder as perguntas dos senadores na sabatino. Ou mesmo quando o vampiro do Jaburu promoveu seu amigo e então ministro da Justiça Alexandre de Moraes. Por que a "surpresa" agora, quando Bolsonaro, dentro dos limites do Estado Democrático de Direito, assume publicamente que irá atender uma demanda da expressiva maioria dos brasileiros? Responda quem souber!

Para concluir o que eu disse no último sábado, a aposentadoria compulsória de ministros de tribunais superiores e do TCU passou de 70 para 75 anos em 2015. A PEC da Bengala, como ficou conhecido esse projeto de emenda constitucional, visava evitar que a calamidade em forma de gente preenchesse outras cinco vagas ao longo do seu segundo mandato. O tempo provou que o açodamento dos parlamentares foi em vão — a dita-cuja foi penabundada em 2016 — e deletério — sem a mudança, já teríamos nos livrado de Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber (e de Teori Zavascki, caso o juiz não tivesse morrido a 18 meses de seu septuagésimo aniversário). Pelas regras vigentes, o atual presidente da Corte e seu fiel escudeiro Alexandre de Moraes continuarão ministros por mais um quarto de século (há outra PEC no Congresso buscando equiparar o mandato dos togados supremos ao dos senadores, que é de 8 anos, mas isso é outra conversa).

O STF foi recriado pela Constituição de 1988 — que o tempo mostraria ser a grande incentivadora do crime cinco estrelas, a maior ferramenta para promover a negação da justiça no Brasil. O próprio Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes) reconheceu publicamente no discurso de promulgação as imperfeições da nova carta — que, para citar um exemplo, elevou a carga tributária dos 22,4% do PIB, em 1988, para os atuais 36% como forma de sustentar as novas obrigações do Estado (direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade e infância). Mas isso também é outra conversa.

Em cinco anos de atividade, a despeito de ser diuturnamente bombardeada, a Lava-Jato produziu resultados impressionantes. Em contrapartida, dos quase 200 casos que chegaram ao Supremo, 30% foram arquivados, tiveram denúncia rejeitada ou envolvidos absolvidos. Apenas 6 réus foram julgados e somente 2 restaram condenados sem prescrição. 

Sete dos atuais ministros foram nomeados durante os governos petistas, e o atual presidente da corte — que, nunca é demais lembrar, “bombou” não uma, mas vezes seguidas em concursos para juiz de primeira instância (sempre na etapa preliminar, que avalia apenas conhecimentos gerais e noções básicas do Direito) — vestiu a toga por cima da farda de militante aos 50 anos de idade, tornando-se o mais jovem membro do STF a presidi-lo (seu mandato irá até setembro de 2020, quando Luiz Fux assumirá o posto pelo próximo biênio).

O caminho que levou Toffoli ao Supremo é permeado de luzes vermelhas, a começar por sua nomeação na vaga aberta com a morte do ministro Menezes Direito, dada a pouca idade e o “invejável currículo” do indicado, abrilhantado por uma total inexpressividade no meio jurídico. A rigor, suas credenciais eram ter sido advogado do PT, assessor da Casa Civil de José Dirceu e advogado-geral da União no governo do comandante máximo da ORCRIM (clique aqui e aqui para mais detalhes), e sua indicação, mais uma demonstração cabal da falta de noção de Lula sobre a dimensão do cargo de ministro. 

Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria, o causídico militante que prestava serviços ao PT, uma vez no Supremo e sem os laços com a rede protetora do partido ou com os referenciais do padrinho, buscou apoio em Gilmar Mendes — que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Assim, consolidado no novo habitat, passou a emular os piores hábitos do novo padrinho a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível.

Dos 11 togados supremos, somente Rosa Maria Pires Weber e Luiz Fux são juízes de carreira. O decano José Celso de Mello Filho foi membro do MP-SP antes de ser indicado por Sarney, que aceitou a sugestão do então ministro da Justiça Saulo Ramos (que não guardou dele boas recordações). Gilmar Ferreira Mendes foi procurador da República de 1985 a 1988, adjunto da Subsecretaria-Geral, consultor jurídico da Secretaria-Geral da Presidência, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil e advogado-geral da União no governo de FHC, que o indicou para o STF em 2002.

Enrique Ricardo Lewandowski foi advogado militante de 1974 a 1990 e secretário do prefeito peemedebista de São Bernardo Aron Galante, que o indicou a Orestes Quércia, que o guindou ao Tribunal de Alçada, passando, com a extinção deste, para o TJ-SP, na cota da classe dos advogados (quinto constitucional). Marco Aurélio Mendes de Faria Mello, ex-procurador do trabalho, é juiz de origem, não por mérito garantido por concurso público, mas pela influência do pai, Plínio Affonso Farias de Mello. O prestígio deste era tal nos sindicatos patronais fluminenses que o ex-presidente Figueiredo engavetou sua nomeação para o TRT-RJ até que Marco Aurélio completasse os 35 anos exigidos por lei. Dali ele foi foi guindado ao TST (graças ao poder paterno) e mais adiante ao STF (graças ao primo Fernando Affonso Collor de Mello).

Quanto aos demais, Carmen Lúcia Antunes Rocha era procuradora do estado de Minas Gerais; Luiz Roberto Barroso atuava na advocacia privada; Luís Edson Fachin era advogado e professor de Direito e Alexandre de Moraes pertencia a um grupo de procuradores que fizeram carreira na administração pública paulista no longo mandarinato tucano; na política, pretendeu concorrer ao governo de São Paulo, mas foi nomeado ministro da Justiça e guindado ao STF por obra e graça do MDB de Michel Temer, Romero Jucá, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.

São esses, caros leitores, os responsáveis pelas decisões irrecorríveis que não se discutem, cumprem-se. Que recebem polpudos salários e gozam de toda sorte de mordomias para protagonizar espetáculos não raro dantescos e tomar decisões frequentemente estapafúrdias. Que tiram da cartola inquéritos pra lá de suspeitos. Que concedem habeas corpus humanitários a criminosos moribundos que, uma vez fora da cadeia, rejuvenescem como que por um milagre divino — basta lembrar o caso de Maluf, que estava à beira do desencarne e hoje passa muito bem, obrigado, em sua mansão nos Jardins (se o turco lalau está morrendo, deve ser de rir dos trouxas que acreditaram na Justiça Suprema).

A nós, que bancamos tudo isso com o suado dinheiro dos impostos, resta assistir, impotentes, a sessões supremas nas quais colossos do saber jurídico (com todas as ironias de estilho) confundirem recursos protelatórios e chicanas vergonhosas com o pleno direito à defesa que assiste aos réus, enquanto se banqueteiam nos intervalos com lagosta na manteiga queimada, bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca (capixaba e baiana), arroz de pato, carré de cordeiro, medalhões e “tornedores de filé”, tudo acompanhado de uísques e vinhos importados e premiados. Isso enquanto falta dinheiro para comprar giz para as escolas e gaze e esparadrapo para prontos-socorros e hospitais.

E viva o povo brasileiro.