O país do futuro que nunca chega e tem um imenso passado pela frente nunca passou de uma republiqueta de bananas. Sua independência — proclamada quando o então príncipe regente esvaziava os intestinos — foi comprada, a Proclamação da República foi um golpe militar (o primeiro de muitos) e a redemocratização deu no que deu. Nossa corte suprema, que era para ser um tribunal constitucional, tornou-se a 4ª instância da justiça criminal, e seus membros, "onze ilhas incomunicáveis" (noves fora quando se trata de aumentar os próprios salários e se autoconceder toda sorte de mordomias).
Esse arquipélago de monocracias — que ficou evidente durante o apogeu da Lava-Jato — deixou clara a necessidade de modificar o modo como os semideuses togados são indicados. Os candidatos a ocupar assentos no Olimpo do Judiciário são indicados presidente da República e referendados pelo Senado. O art. 101 da Constituição determina que os candidatos sejam brasileiros natos, tenham entre 35 e 65 anos, reputação ilibada e "notável saber jurídico", mas não exige formação jurídica nem registro na OAB. Em outras palavras, mesmo quem não pode exercer atividades típicas dos advogados está apto a ocupar uma cadeira no STF caso seja amigo do presidente da República e consiga o aval de pelo menos 41 dos 81 senadores numa sabatina meramente formal. Desde a Proclamação da República, apenas cinco indicados foram vetados — todos durante a gestão de Floriano Peixoto.
Numa guinada impressionante de comportamento — e determinante para os destinos do país nos últimos anos —, nossa corte suprema, que havia virado vidraça quando as togas derrubaram a prisão em segunda instância e libertando da cadeia o hoje presidente eleito, assumiu de forma corajosa a defesa da ciência (e das vidas) e funcionou como anteparo aos constantes arroubos antidemocráticos de Bolsonaro. Por conta disso, o "mito" dos apatetados elegeu o Judiciário como seu principal inimigo político e atiçou seus seguidores mais radicais contra o STF e o TSE.
Para fazer frente a esses ataques, as togas utilizaram sabiamente o princípio de que a união faz a força, atuando de forma sincronizada pela preservação da instituição em meio a críticas ferozes e com inimigos que continuam à espreita, em vigília permanente. O movimento pela suprema união teve uma espécie de marco zero com a abertura do inquérito das fake news em 2019 — medida controversa tomada de ofício (sem provocação de outro órgão) por Dias Toffoli, então presidente do STF, que àquela altura só tinha o apoio de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes — ao segundo foi entregue, sem sorteio, a relatoria do inquérito, num procedimento incomum que gerou reação dos demais ministros, do Ministério Público e do mundo jurídico. Com o passar do tempo e o avanço das apurações, contudo, as resistências internas foram sendo superadas e o plenário legitimou a investigação em andamento.
O processo de união se solidificou ao longo das eleições, diante dos frequentes ataques infundados dos bolsonaristas contra as urnas eletrônicas e o resultado do pleito. Um exemplo recente foi a decisão dos ministros, tomada em plenário virtual, ratificando a decisão de Moraes que determinou à PRF o desbloqueio de centenas de trechos de rodovias obstruídos por bolsonaristas radicais. Vale destacar que os dois ministros indicados pelo chefe do Executivo não se somaram aos esforços da maioria, mas a discordância da dupla não chegou a prejudicar o espírito de corpo que tomou conta do Supremo.
Depois da derrota de Bolsonaro, emissários palacianos convidaram Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques para conversas com o presidente no Alvorada. Mendes, atual decano da corte, convocou uma reunião com seus pares, para que a decisão sobre o encontro fosse coletiva. Moraes ponderou que, antes de o tribunal conversar com o mandatário, era oportuno que ele reconhecesse o resultado das urnas. Ele ainda não o fez, mas, em seu primeiro pronunciamento público, autorizou seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a anunciar o início da transição. Foi a senha para que os magistrados decidissem, coletivamente, divulgar uma nota enfatizando esse aspecto. Diante disso, Bolsonaro foi recebido no Supremo, e a reunião aconteceu em clima amistoso.
A corte está tão coesa que mesmo ministros que tinham desavenças públicas fizeram as pazes no último mês. A partir da definição sobre o futuro de Ricardo Lewandowski, que terá de se aposentar por idade em maio próximo, mas pode antecipar sua saída para assumir o Ministério da Defesa no próximo governo, Lula deve dar início ao processo de escolha de seu sucessor no STF. Há consenso de que a segunda cadeira a ficar vaga em 2023, com a aposentadoria da ministra Rosa, deverá ser ocupada por uma mulher. Isso tem feito com que os candidatos homens já estejam em plena campanha para a primeira vaga.
Lula tem dado sinais de que quer pacificação e diálogo institucional, mas os atos golpistas na porta dos quartéis e a escalada recente da violência fizeram a corte se manter mobilizada. A princípio, nada muda, pois os ministros enxergam riscos no horizonte e entendem que só a suprema união pode seguir garantindo a normalidade institucional no país.
Esse arquipélago de monocracias — que ficou evidente durante o apogeu da Lava-Jato — deixou clara a necessidade de modificar o modo como os semideuses togados são indicados. Os candidatos a ocupar assentos no Olimpo do Judiciário são indicados presidente da República e referendados pelo Senado. O art. 101 da Constituição determina que os candidatos sejam brasileiros natos, tenham entre 35 e 65 anos, reputação ilibada e "notável saber jurídico", mas não exige formação jurídica nem registro na OAB. Em outras palavras, mesmo quem não pode exercer atividades típicas dos advogados está apto a ocupar uma cadeira no STF caso seja amigo do presidente da República e consiga o aval de pelo menos 41 dos 81 senadores numa sabatina meramente formal. Desde a Proclamação da República, apenas cinco indicados foram vetados — todos durante a gestão de Floriano Peixoto.
Numa guinada impressionante de comportamento — e determinante para os destinos do país nos últimos anos —, nossa corte suprema, que havia virado vidraça quando as togas derrubaram a prisão em segunda instância e libertando da cadeia o hoje presidente eleito, assumiu de forma corajosa a defesa da ciência (e das vidas) e funcionou como anteparo aos constantes arroubos antidemocráticos de Bolsonaro. Por conta disso, o "mito" dos apatetados elegeu o Judiciário como seu principal inimigo político e atiçou seus seguidores mais radicais contra o STF e o TSE.
Para fazer frente a esses ataques, as togas utilizaram sabiamente o princípio de que a união faz a força, atuando de forma sincronizada pela preservação da instituição em meio a críticas ferozes e com inimigos que continuam à espreita, em vigília permanente. O movimento pela suprema união teve uma espécie de marco zero com a abertura do inquérito das fake news em 2019 — medida controversa tomada de ofício (sem provocação de outro órgão) por Dias Toffoli, então presidente do STF, que àquela altura só tinha o apoio de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes — ao segundo foi entregue, sem sorteio, a relatoria do inquérito, num procedimento incomum que gerou reação dos demais ministros, do Ministério Público e do mundo jurídico. Com o passar do tempo e o avanço das apurações, contudo, as resistências internas foram sendo superadas e o plenário legitimou a investigação em andamento.
O processo de união se solidificou ao longo das eleições, diante dos frequentes ataques infundados dos bolsonaristas contra as urnas eletrônicas e o resultado do pleito. Um exemplo recente foi a decisão dos ministros, tomada em plenário virtual, ratificando a decisão de Moraes que determinou à PRF o desbloqueio de centenas de trechos de rodovias obstruídos por bolsonaristas radicais. Vale destacar que os dois ministros indicados pelo chefe do Executivo não se somaram aos esforços da maioria, mas a discordância da dupla não chegou a prejudicar o espírito de corpo que tomou conta do Supremo.
Depois da derrota de Bolsonaro, emissários palacianos convidaram Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques para conversas com o presidente no Alvorada. Mendes, atual decano da corte, convocou uma reunião com seus pares, para que a decisão sobre o encontro fosse coletiva. Moraes ponderou que, antes de o tribunal conversar com o mandatário, era oportuno que ele reconhecesse o resultado das urnas. Ele ainda não o fez, mas, em seu primeiro pronunciamento público, autorizou seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a anunciar o início da transição. Foi a senha para que os magistrados decidissem, coletivamente, divulgar uma nota enfatizando esse aspecto. Diante disso, Bolsonaro foi recebido no Supremo, e a reunião aconteceu em clima amistoso.
A corte está tão coesa que mesmo ministros que tinham desavenças públicas fizeram as pazes no último mês. A partir da definição sobre o futuro de Ricardo Lewandowski, que terá de se aposentar por idade em maio próximo, mas pode antecipar sua saída para assumir o Ministério da Defesa no próximo governo, Lula deve dar início ao processo de escolha de seu sucessor no STF. Há consenso de que a segunda cadeira a ficar vaga em 2023, com a aposentadoria da ministra Rosa, deverá ser ocupada por uma mulher. Isso tem feito com que os candidatos homens já estejam em plena campanha para a primeira vaga.
Lula tem dado sinais de que quer pacificação e diálogo institucional, mas os atos golpistas na porta dos quartéis e a escalada recente da violência fizeram a corte se manter mobilizada. A princípio, nada muda, pois os ministros enxergam riscos no horizonte e entendem que só a suprema união pode seguir garantindo a normalidade institucional no país.
Com Veja