ATUALIZAÇÃO SOBRE DEPOIMENTO DE SERGIO MORO À PF:
Durante quase nove horas — das duas e pouco da tarde de ontem até por volta das onze da noite —, Sergio Moro depôs no âmbito de uma investigação — aberta a pedido do procurador-geral da República e deferida pelo STF — na qual Augusto Aras apontou indícios de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos pelo presidente da República — ou pelo próprio Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira, já que ambos são investigados.
Bolsomínions atávicos e apoiadores do ex-ministro da Justiça confraternizaram (bem, não exatamente) defronte à sede da superintendência da PF em Curitiba (se o criminoso Lula ainda estivesse cumprindo sua pena na cela vip reservada especialmente para ele naquele edifício, poderia ter assistido de camarote aos protestos).
Até meados da tarde de ontem, Bolsonaro e seu entorno estavam tranquilos. “Moro não tinha provas de coisa nenhuma”, disseram fontes próximas ao presidente, ministros militares palacianos e o triunvirato de rebentos presidenciais que haviam acompanhado de perto a realização de um pente fino no telefone do capitão.
Resta saber se nada foi encontrado porque nada havia ou porque foram prévia e cuidadosamente eliminados quaisquer vestígios comprometedores. Não é preciso ter a mente dedutiva de um Sherlock para concluir que quem nada tem culpa no cartório não precisa que peritos escrutinem seu telefone para se assegurar que não sobrou gato escondido com o rabo de fora.
Duas perguntas que não querem calar:
1) Moro, que foi juiz federal por mais de duas décadas, seria estúpido a ponto de “fazer acusações gravíssimas” contra o presidente da República se não estivesse calçado em elementos capazes de comprovar as acusações? Eu duvido.
2) Se o ex-ministro “não tem provas de nada”, como disseram os puxa-sacos palacianos, o que fizeram ele, os policiais federais e os procuradores durante quase nove horas? Jogaram palitinho? Discutiram o sexo dos anjos?
Pouco antes da oitiva, Bolsonaro se referiu a Moro como Judas (e, en passant, se autopromoveu de Messias a Jesus Cristo) num post pelo WhatsApp sobre o atentado que sofreu em Juiz de Fora em 2018: “O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma”.
O teor do depoimento de Moro ainda não veio à público oficialmente. Segundo o Estado de S. Paulo e O Globo, textos e arquivos de áudio do ex-ministro e de seus auxiliares foram entregues à Justiça, mas o conteúdo não foi revelado.
Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras (que foi escolhido por Bolsonaro para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, e certamente morreria afogado se o presidente resolvesse tomar um banho de assento).
Detalhe: O Supremo só poderá dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Daí a razão de o presidente “que nada tem a esconder” mandar às favas as aparências, sentar-se sobre seus discurso de campanha contra a velha política do toma lá dá cá e passar e negociar cargos e verbas em troca de apoio de deputados venais dos partidos do Centrão.
Para quem não se lembra, assim fez o vampiro do Jaburu quando se tornou alvo das flechadas de Janot, e assim concluiu seu mandato-tampão, ainda que como um presidente pato-manco, subserviente ao Parlamento. Mas Temer era um político cuidadoso, comedido e escorregadio como bagre ensaboado. No mínimo, os 15 como presidente do PMDB ensinaram que, no trato parlamentar, pegam-se mais moscas com açúcar do que com vinagre.
Bolsonaro foi criado no confronto e graças a sua postura beligerante, quase troglodita, renovou seu mandato de deputado do baixo clero sete vezes, e foi também no grito que mobilizou sua militância para eleger-se presidente. Claro que a bandeira do antipetismo também foi fundamental, já que o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa válida para a parcela pensante do eleitorado. Mas isso é outra história. Vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver que aonde tudo isso vai nos levar.
POSTAGEM DO DIA:
“Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse o José Sarney em recente entrevista à revista Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o ex-presidente entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta, pois seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello.
Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República
tanto por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia desde
a eleição de Jânio Quadros, em 1960) quanto por ter inaugurado a
lista dos impichados. Pouco antes do julgamento final de seu impeachment, em 29 de dezembro de 1992, o caçador de marajás
de araque apresentou sua carta-renúncia, numa tentativa desesperada de
preservar seus direitos políticos (a deposição do cargo era inevitável, e Collor sabia disso, daí dar os anéis para evitar a perda dos dedos). Mas a estratégia não funcionou: por 76 votos a 3, ele foi condenado e
apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade.
Observação: A observância dos ditames
constitucionais não seria tão rígida 24 anos depois, mais exatamente em 31 de
agosto de 2016. No
julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa tramoia
urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan
Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo
Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou”
a pena, defenestrando a gerentona de araque do cargo, mas
preservando seus direitos políticos, a despeito de o artigo 52 da
Constituição determinar “a perda do cargo com inabilitação, por oito
anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções
judiciais cabíveis”. Enfim, como dizia Maquiavel, “aos amigos, os
favores; aos inimigos, a Lei”.
A eleição de 1989 foi convocada exclusivamente para a
escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 candidatos obteve mais de 50% dos
votos em 15 de novembro, e os dois mais votados, Collor
e Lula, disputaram o segundo turno em 17 de dezembro, que resultou na
vitória do populista de centro direita sobre o demiurgo petista de centro-esquerda. Collor foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo
abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade
de 80% ao mês). Na véspera, solicitara a Sarney que decretasse
feriado bancário, de modo que
o mercado financeiro tivesse mais tempo para se adequar às novas medidas
econômicas — que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardariam a
fazer água, a exemplo de todas as anteriores.
Além de substituir o cruzado novo pelo cruzeiro
como unidade monetária, o “Plano
Collor” incluiu ações de impacto, tais como a redução da máquina
administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão
de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e — agora a
cereja do bolo — o
confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses (a partir de
quando seriam devolvidos em suaves parcelas mensais), a pretexto de “enxugar” a
liquidez do mercado e conter a escalada dos preços. Entraram na dança cadernetas
de poupança, aplicações de overnight e contas correntes com
saldo superior a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos).
A
responsável pelo pacote de maldades foi a economista Zélia
Cardoso de Mello, ministra da Fazenda de Collor, que mais adiante
teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral —
conhecido como Boto
Tucuxi — e desposaria Chico Anysio, que passaria a ser
jocosamente chamado de “o humorista que casou com a piada”.
Observação: Quando o dinheiro confiscado começou a
ser devolvido (em suaves prestações mensais), circulou uma piada segundo a qual
um cidadão, irritado com o tamanho da fila do banco, disse que ia matar o
presidente. Voltou minutos depois. Perguntado por que havia mudado de ideia,
respondeu que a fila deferente ao Palácio do Planalto estava maior que a do
banco.
Em janeiro de 1991, ainda sob a batuta de Zélia, o Plano
Collor II substituiu seu predecessor, mas foi substituído cinco meses depois pelo Plano Marcílio — ao mesmo tempo em que Zélia deixava o Ministério da Fazenda e o economista Marcílio
Marques Moreira era nomeado para chefiar a pasta. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser
afastado, Marcílio passou o bastão para Gustavo Krause. Entre
o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real, já em 1994,
sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso
no Ministério da Fazenda, a inflação, após ficar bastante volátil ao longo do
governo Collor, alcançou o patamar de 48% ao mês em junho de 1994.
Como dito no início desta postagem, Collor
teve seu impeachment julgado no final de 1992. Ao longo do
processo (que levou cerca de quatro meses), o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja.
A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.
A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.
Oito anos passam depressa, e são mais que suficientes para o eleitor brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer os tapas e cusparada que
recebeu nas fuças de políticos tão imprestáveis como quem os elege. Aliás, quem vota em candidato incompetente,
desonesto e populista jamais poderá reclamar de não ser bem representado.
Cada povo tem o governo que merece, e num país que parece se
sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das
coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta
que é outra história. Collor será sempre Collor, Lula sempre será Lula e
os idiotas que votaram (e ainda votarão) neles sempre serão idiotas.
Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de se ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo
Lessa. Em 2006, conseguiu se eleger senador. Em 2010, tornou a disputar o governo estadual e perdeu. Em 2014, reelegeu-se senador e, em março de 2015, entrou para a lista dos investigados
da Lava-Jato. Em abril de 2017, foi denunciado por peculato; em
agosto, virou réu no STF (Collor é investigado em pelo menos
outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e
referentes ao escândalo do Petrolão).
Collor é um político emblemático, um
personagem frequente no Supremo e representativo da demora da Justiça, em
especial da que envolve os parlamentares com foro privilegiado. Pelas
últimas contas, o senador por Alagoas é investigado em ao menos outros seis
inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao
escândalo do Petrolão. Isso sem mencionar o
assassinato mal explicado de seu coordenador e tesoureiro de campanha,
amigo de fé, irmão e camarada Paulo César Cavalcante Farias, o PC,
do qual o ex-presidente é suspeito de ter tido algum tipo de envolvimento (o
motivo seria queima de arquivo). Em 2014, durante sessão que absolveu Collor
dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a
ministra Carmem Lúcia citou que Collor já havia sido objeto de
14 inquéritos no STF e quatro ações penais, e absolvido em todos
"por falta de provas".
Semanas atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista Veja, Collor
acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30
anos atrás e prever que o atual governo terá um
final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo
vaticínio tem chances reais de se concretizar.
Continua no próximo capítulo.