Em 1992, os brasileiros estavam revoltados com o governo — um bando de jagunços petulantes, despreparados e comandados por um embusteiro que exsudava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, novos escândalos (reais ou imaginários) sucederam-se sem cessar, como se a exposição de um amplo sistema de propinas não bastasse. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia rituais de magia negra no porão da Casa da Dinda, ou que cantou a cunhada, ou que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.
Manter no cargo um presidente descomprometido com as instituições e que não pode ser contido é, em última análise, permitir que democracia fique refém de um tirano (ou de um criminoso) sob o pretexto de que o dito-cujo foi eleito democraticamente e blá, blá, blá. Deodoro da Fonseca — articulador do golpe político-militar que substituiu a monarquia constitucional parlamentarista do Império pelo presidencialismo republicano e primeiro presidente do Brasil — vetou a Lei do Impeachment por achar que ela estava sendo trabalhada pelos seus adversários para depô-lo. Quando o veto foi derrubado, ele simplesmente dissolveu o Congresso, como se o país ainda estivesse no Império e ele, Deodoro, fosse o imperador.
O Brasil teve 35 presidentes as longo de sua história republicana. Alguns chegaram ao poder pelo voto popular, outros por eleição indireta, ou via linha sucessória, ou por golpe de Estado. Oito — começando pelo próprio Deodoro — foram de alguma maneira apeados do poder. No caso de Collor, quando a situação começou a ficar insustentável o parlamentarismo se apresentou como alternativa, até porque a Constituição Cidadã foi redigida com vistas a esse sistema de governo.
Observação: O art. 2° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu que "no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País." Mais adiante, a emenda nº 2 antecipou o plebiscito para 21 de abril de 1993 e determinou que seus efeitos vigessem a partir de 1º de janeiro de 1995. Mas faltou combinar com os burros, e aí deu zebra, e essa zebra pariu o presidencialismo de coalizão (ou de cooptação, como queiram).
Quando o impedimento de Collor começou a ser cogitado, o Brasil jamais tinha vivenciado sequer um impeachment de governador (até por se tratar de uma medida traumática, de alto custo político e econômico, à qual só se deve recorrer se não houver outra opção), o que se tinha era a lei de 1950. Quando a Câmara aprovou a abertura do processo, o Senado não tinha ideia de como conduzi-lo. Assim, coube ao Supremo esclarecer as regras do jogo.
Durante um almoço, o então presidente do STF, ministro Sydney Sanches entregou ao então presidente do Senado, Mauro Benevides, duas folhas com o rito do impeachment (redigidas pelo ministro Celso de Mello) e disse: "Se vocês seguirem isso aqui, nós não vamos interferir em nada".
Continua...