Ontem, na abertura desta sequência, eu falei brevemente
sobre o golpe de 1964, a ditadura militar, o processo de redemocratização do
país, a campanha pelas Diretas Já, a
eleição (indireta) do primeiro presidente civil após 21 anos e a posse do vice,
José Sarney, devido à morte de Tancredo ― consequência de uma
diverticulite aguda, embora não faltem teorias
da conspiração que defendem outras versões). Disse também que se cogitou a
possibilidade de Ulysses Guimarães assumir
a presidência ― até porque ele havia sido indicado pelo PMDB para disputar com Maluf
os votos do Colégio Eleitoral ―, mas o político paulista acabou preterido pela
coligação PMDB/PFL, com o mineiro Tancredo candidato a presidente e o
maranhense Sarney a vice. Mesmo
assim, o Sr. Diretas ― como Ulysses ficou conhecido ― teve um papel
preponderante na Nova República,
sobretudo na liderança da Assembleia
Nacional Constituinte que elaborou nossa Carta Magna de 1988 ―, até um trágico
acidente de helicóptero, em 12 de outubro de 1992, pôr fim à carreira e à
existência desse ícone da política tupiniquim (e dar margem a mais teorias da
conspiração).
Observação: A Constituição
Cidadã não foi exatamente uma pérola jurídica, como comprovam dezenas de
emendas incorporadas ao texto nos anos subsequentes e a necessidade premente de
reformas ― como a Política, a Trabalhista, a Tributária e a Previdenciária ―
que nenhum presidente teve peito para fazer (com a possível exceção de Temer, que já conseguiu promulgar a PEC do teto dos gastos, mas isso é
outra conversa). Aliás, ao discursar durante a promulgação da nova Constituição,
o próprio Ulysses reconheceu as imperfeições
da Lei, que contribuíram para elevar a carga tributária dos 22,4% do PIB, em
1988, aos atuais 36%, como forma de sustentar as novas obrigações do Estado
(direitos básicos de cidadania, como educação, previdência social, maternidade
e infância).
Retomando o fio da meada: Embora houvesse apoiado o regime
militar e votado contra a emenda Dante
de Oliveira (detalhes no capítulo anterior), Sarney procurou cumprir as promessas de campanha ― aliás, foi a
partir do seu governo que os prefeitos dos municípios voltaram a ser escolhidos
pelo voto popular. Mas faltavam-lhe o carisma e o traquejo administrativo da
velha raposa mineira, e, para piorar, ele herdou dos 21 anos de ditadura um
país arruinado, com inflação, desemprego e dívida externa nas alturas.
No início de 1986, Sarney
implantou o primeiro de seus muitos “pacotes econômicos”, que ficou conhecido
como Plano Cruzado. Nossa moeda, que
até então era o cruzeiro, sofreu um
corte de 3 zeros e foi rebatizada com o nome de cruzado, e tanto os preços quanto os salários foram congelados.
Todavia, faltou a equipe econômica combinar o jogo com o “dragão da inflação”, que ignorou solenemente o decreto presidencial
― aqui entre nós, será que Sarney e o
então ministro da Fazenda Dilson Funaro acreditavam mesmo que cortar 3 zeros,
mudar o nome da moeda e congelar preços e salários e extinguir a correção
monetária seria suficiente para extirpar o câncer inflacionário?
Observação: Essa não foi a primeira vez que se utilizou
esse expediente para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: do real, herdado do padrão monetário
português e que era mais usado no plural (“réis”,
“mirréis”, “contos de réis”), passamos ao cruzeiro
em 1942, que perdeu os centavos em 1964, ao cruzeiro novo em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros) e voltamos
ao cruzeiro em 1970. Em 1984,
suprimiram-se os centavos, e dois anos depois, após novo corte de 3 zeros, a
moeda passou a se chamar cruzado.
Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750,
voltou às origens, ou seja, tornou a se chamar real em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta
matéria).
O Plano Cruzado
fez água em poucos meses, embora a população tenha apoiado a iniciativa do
governo (o que faz o desespero, não é mesmo?), fiscalizado os aumentos e denunciado
as remarcações de preços. Mas a euforia durou pouco: os produtos sumiram das
prateleiras, os fornecedores passaram a cobrar ágio e a inflação voltou a
subir. Sarney e seus notáveis
responderam com outros “choques econômicos”, como os planos Cruzado II, Bresser e Verão, mas
nenhum deles vingou. Depois de reinar por 5 anos (pois é, Sarney garantiu que a “Constituição Cidadã” estendesse de 4 para 5
anos a duração de seu mandato), o bode velho passou a faixa para Fernando Collor de Melo ― esse, sim, o
primeiro presidente pós-ditadura eleito pelo voto popular. E deu no que deu.
Observação: No final de 1989, havia 22 candidatos à
Presidência da Banânia, dentre os quais Ulysses
Guimarães (líder do PMDB), Paulo
Maluf (do PDS), Leonel Brizola
(PDT), Mário Covas (PSDB) e o
apresentador Silvio Santos, que
acabou tendo a candidatura impugnada pelo TSE, por irregularidades no registro
partidário. Mas os principais postulantes ao cargo acabaram sendo Collor, do nanico PRN, e Lula, do PT.
Collor derrotou Lula no segundo turno e herdou de Sarney um país com uma inflação de
quase 2.000% ao ano. Um dia depois da posse, a pretexto de dar “o tiro certeiro no dragão da inflação”,
o marajá caçador de marajás anunciou o Plano
Brasil novo (ou Plano Collor,
para os íntimos). Na concepção de sua equipe, capitaneada pela ministra Zélia Cardoso de Mello ― que, mais
adiante, se casaria com Chico Anysio,
que por seu turno, ficaria conhecido como “o
humorista que casou com a piada” ―, conter a pressão inflacionária exigia
reduzir a quantidade de dinheiro em circulação. Para tanto, o governo confiscou
as economias dos brasileiros, bloqueando o acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos, tanto nas contas
correntes quanto nas cadernetas de popança e outros investimentos. A moeda
voltou a se chamar cruzeiro, mas os
cruzados novos retidos continuaram a existir e foram devolvidos, mas em 12 parcelas,
já na moeda nova, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 6% a.a. ―
o que acarretou perdas substanciais e provocou um aumento significativo nas
taxas de suicídio. Do ponto de vista prático, todavia o Plano Collor serviu apenas para gerar uma brutal recessão (para se
ter uma ideia, o PIB encolheu 4,5%
no primeiro ano de seu governo).
Observação: Em valores atuais, os NCz$ 50 mil correspondem a R$
5 mil ― quantia que Zélia
admitiu, mais adiante, ter sido escolhida de forma aleatória (segundo alguns,
por sorteio).
O governo do hoje senador por Alagoas teve aspectos positivos,
dentre os quais o início do processo de desestatização e a abertura comercial
do país, com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de
importação, Como eu costumo dizer, se não fosse por ele, talvez a gente ainda
dirigisse “carroças” como as que eram fabricadas aqui nos 70 e 80, embora
pagasse por elas preços de automóvel de primeiro mundo. Um bom exemplo é o Galaxie Standard ― versão empobrecida
do luxuoso Landau, lançada pela Ford
no início dos anos 1970 para fazer frente a concorrentes como o Opala, da GM, e o Dodge Dart, da Chrysler. Atualizado pelo IGP-DI/FGV, o preço daquela “carroça”, que era de NCr$ 25.950, corresponde atualmente a R$ 160 mil.
Hoje, comparado ao petrolão,
o “Esquema PC” ― que embasou o
processo de impeachment contra Collor
― parece coisa de ladrão de galinha, de bandido pé-de-chinelo, mas levou o
marajá dos marajás a renunciar, visando evitar a cassação de seus direitos
políticos. Todavia, o Congresso julgou-o assim mesmo, e Collor ficou inelegível por 8 anos. Paulo César (PC) Farias, seu amigo pessoal e tesoureiro de
campanha, morreu assassinado poucos anos depois, o que até hoje dá margem a
diversas teorias da conspiração (eu,
particularmente, acredito em “queima de arquivo”, mas até aí...). Com a
deposição de Collor, Itamar Franco, que já era presidente
interino desde 2 de outubro, foi efetivado no cargo. Mas isso já é conversa
para a próxima postagem. Abraços e até lá.
Confira minhas
atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/