A possibilidade de um suposto
autogolpe urdido por Bolsonaro não explica satisfatoriamente o comportamento errático do
capitão da caverna das trevas, mas certamente vai dar muito pano pra manga. A
menos, naturalmente, que algo ainda mais relevante surja no cenário. E como
estamos atravessando uma pandemia sanitária com vocês sabem quem na cabine de
comando, é bem possível, infelizmente, que isso ocorra. Senão vejamos.
Paulo Guedes, por falta de alternativas, passou pano na estultice do chefe: "Bolsonaro é um democrata que 'sai correndo atrás' de passeata que tiver bandeira do Brasil. O
governo tem compromisso com a democracia, um regime 'que faz barulho', e que o
país vive um período de aperfeiçoamento institucional." Então tá.
A fala de Bolsonaro e sua participação
na ato popular de domingo provocaram
fortes reações no mundo jurídico e político. Rodrigo
Maia disse ser uma
“crueldade imperdoável com as famílias das vítimas” pregar uma
ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da Covid-19. Para Dias Toffoli, não
há solução para o país fora da democracia. Já o governador de São Paulo classificou como "lamentável" o fato de o presidente "apoiar
um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5", e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi na mesma direção: chamou de "lamentável"
a participação do capitão e disse que: "É hora de
união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."
Bolsonaro
amenizou o tom, mas a avaliação prevalente,
segundo a Folha, é
a de um paradoxo: a fraqueza política do presidente só tende a
acirrar sua agressividade no embate, o que ocorreu no último final de semana. Mas é preocupante, a meu ver, a posição da ala militar do governo,
que negou às cúpulas do Congresso e do Judiciário haver qualquer risco de
ruptura democrática por parte de Jair Bolsonaro, mas também fez
questão de dizer que considera que os Poderes têm agido de forma a cercear o
presidente na crise do coronavírus. Preocupante, mas previsível.
Mourão é vice-presidente, de modo que está sujeito à vergonhosa, mas poderosa, Bic de sua alteza. Mas o mesmo não se aplica ao ministério. Tanto auxiliares civis quanto militares podem ser exonerados por dá cá aquela palha, como descobriram o anjo da guarda de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, o incompetente ministro da educação Ricardo Vélez, os amigos de longa data e ministros generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, os não tão amigos de tão longa data, mas igualmente ministros Gustavo Canuto e Osmar Terra, o secretário nazista Roberto Alvim e mais duas dúzias de presidentes de órgãos federais e dezenas de secretários e diretores do segundo escalão do governo. Um levantamento do Estado de agosto do ano passado apontava que havia, em média, uma demissão a cada sete dias.
Mourão é vice-presidente, de modo que está sujeito à vergonhosa, mas poderosa, Bic de sua alteza. Mas o mesmo não se aplica ao ministério. Tanto auxiliares civis quanto militares podem ser exonerados por dá cá aquela palha, como descobriram o anjo da guarda de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, o incompetente ministro da educação Ricardo Vélez, os amigos de longa data e ministros generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, os não tão amigos de tão longa data, mas igualmente ministros Gustavo Canuto e Osmar Terra, o secretário nazista Roberto Alvim e mais duas dúzias de presidentes de órgãos federais e dezenas de secretários e diretores do segundo escalão do governo. Um levantamento do Estado de agosto do ano passado apontava que havia, em média, uma demissão a cada sete dias.
Sobre o lamentável episódio de domingo passado, o próprio ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva divulgou nota reiterando o comprometimento
das Forças Armadas com a Constituição e priorizando o combate ao
coronavírus "e suas consequências sociais" — uma deixa não casual,
alinhada à ênfase que Bolsonaro faz do impacto econômico da pandemia. Por outro lado, interlocutores do ministro entendem que a
ala militar do governo não reprova a irritação de Bolsonaro, ao contrário.
Na avaliação dos fardados, o Congresso tem agido sistematicamente contra Bolsonaro,
tolhendo suas iniciativas. O Supremo também colabora com o clima de
cerco ao Planalto com suas decisões em prol dos governadores e prefeitos na
emergência sanitária. Isso alarmou atores políticos em Brasília, que passaram a
segunda trocando impressões sobre quais podem ser os próximos passos da crise. Afinal, esperar que Bolsonaro venha um dia a respeitar a liturgia do cargo e agir com bom senso e discernimento é o mesmo que acreditar que um macaco consiga ensinar boas maneiras à mesa a um urso.
Se a ala militar foi compreensiva com o gesto do chefe, o
mesmo não se pode dizer da ativa das Forças Armadas. Alguns membros do Alto
Comando do Exército, usualmente simpáticos a Bolsonaro, se disseram
chocados com o uso simbólico do QG da Força para o proselitismo do presidente. Assim,
é possível dizer que o delicado equilíbrio entre um governo loteado por
militares e os fardados da ativa sofreu um abalo significativo. A defesa
constitucional feita por Fernando Azevedo foi pactuada para acalmar ânimos, mas
as fissuras devem continuar.
Ainda segundo a Folha, a inflexão da ala militar precisa
ser acompanhada de perto. Desde que recuperou prestígio no governo, no começo
do ano, ela
servia mais de anteparo ao radicalismo de Bolsonaro do que
de amplificador de crises. Do ponto de vista institucional, todos parecem
convencidos de que não há riscos reais de ruptura, até porque o presidente não
tem força para isso — não há amplo apoio social, empresarial ou de militares a
quaisquer aventuras. Mas também é claro o método de Bolsonaro em seus
flertes autoritários. O presidente faz um gesto, é repreendido e modera o tom
no dia seguinte. Mas a corda foi esticada mais alguns centímetros. Caso o
capitão se sinta amparado pelos militares do governo, novos episódios serão
inescapáveis. Com o agravante de que os elementos de mediação evaporam aos
poucos.
Feita essa atualização dos fatos, vamos à postagem do dia:
A Nau dos Insensatos, onde repousa eternamente em berço esplêndido o gigante adormecido, navega por águas revoltas e sob nuvens de tempestade desde a redemocratização. E o que começou mal, devido à frustração da população com o naufrágio da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, foi piorando ao longo dos milhares de milhas náuticas percorridos nos últimos 35 anos. Senão vejamos.
A emenda em questão defendia a volta das eleições diretas para presidente da República, mas a pressão dos militares — que também são sujeitos à picada “mosca azul” — inibiu parte dos deputados, que acabou votando contra a proposta, se abstendo de votar ou mesmo não comparecendo a sessão. Sem votos necessários para aprová-lo, o projeto sequer foi encaminhado ao Senado. Mas àquela altura o processo de reabertura política já havia ultrapassado “ponto sem retorno”.
Em 15 de Janeiro de 1985, Tancredo Neves (MDB) foi escolhido em eleição indireta (por um colegiado formado por senadores, deputados federais e representantes dos Estados) o primeiro presidente civil desde o início da ditadura militar, derrotando Paulo Salim Maluf (ARENA), que era o candidato apoiado pelos militares, por 480 votos a 180. Por ocasião do golpe de 1964, o político mineiro era Ministro do Trabalho no governo de João Goulart, e foi deposto juntamente com o chefe. Mas seguiu na vida pública durante toda a ditadura, daí muitos considerarem-no um estadista e outros, um oportunista que lambeu as botas dos militares para não perder a “boquinha”.
Seja como for, o avô daquele que em 2014 disputaria a presidência com a anta pedanta, seria derrotado por um punhado de votos que muita gente atribui a urnas com vontade própria e tendências esquerdistas, e que mais adiante se revelaria mais um político corrupto, outra vergonha nacional entre tantas) ganhou, mas não levou. Na madrugada do dia da posse, Tancredo foi internado no Hospital de Base de Brasília, submetido a uma cirurgia de urgência e, 38 dias (e sete cirurgias) depois, vira a falecer em São Paulo, justamente no 21 de abril, que, por ironia do destino, é a data em que o país homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.
A morte de Tancredo mudou radicalmente o destino do eterno
donatário da capitania do Maranhão — não à toa o estado mais pobre da
Federação. Falo do senador biônico
oligarca José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o cacique
da velha política coronelista maranhense mais conhecido como José
Sarney, a quem o general João Batista de Oliveira Figueiredo (que preferia
o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e disse certa vez que daria “um tiro no
coco” se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo) se recusou a passar a
faixa presidencial por considerá-lo um traidor por ter abandonado a ARENA
e se filiado ao MDB para concorrer a vice na chapa de Tancredo. Como
se vê, a mosca azul não perdoa ninguém.