quinta-feira, 7 de maio de 2020

O DEPOIMENTO DE MORO E MAIS UM CAPÍTULO DA NOVELA SOBRE A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 6



Antes de retomar o assunto central desta postagem, faço algumas considerações sobre o cenário atual, tão desgostante quanto o de então, mas muito mais preocupante: enquanto aquele ficou no passado, este pavimenta o caminho para o amanhã — isso se houver um amanhã, naturalmente. 

No que concerne ao Palácio do Planalto e as atitudes tresloucadas de seu atual inquilino, estamos assistindo a um jogo no qual a prudência recomenda não arriscar um palpite sobre o resultado enquanto o arbitro não soprar o apito, pegar a bola e sair de campo. Veja o leitor que, em questão de meses, o fenômeno eleitoral que em 2018 deixou na poeira os partidos tradicionais e impediu o pesadelo que seria a volta do PT ao poder transformou-se numa versão desidratada do que era, ou parecia ser.

O “mito” dos apedeutas radicais tornou-se um governante desgovernado e destemperado, acossado por um vírus assassino que já infectou, no Brasil, quase 120 mil pessoas e matou mais de 8 mil, e por uma crise econômica de proporções épicas que desaguou numa crise política — essa, sim, preocupa o presidente, na medida em que dificulta sua cada vez mais improvável reeleição.

E o que fez a sumidade de festim? Troca o ministro da Saúde. que contava com a aprovação de 76% da população, por uma caricatura de Hugh Grant, que assumiu o cargo há quase um mês e ainda não disse a que veio, talvez por não se sentir à vontade para falar em público, ou então para não contrariar o dono da Bic que assinou sua nomeação. Seja como for, a despeito do que disse em seu breve discurso de posse (sobre estar alinhado com o presidente como a tampa e o penico), Nelson Teich dá a impressão de que não vai rasgar o diploma para apoiar incondicionalmente as estapafúrdias de seu chefe, um rematado ignorante em epidemiologia, infectologia e outras "logias" em geral.

Vale frisar que o ministro já sinalizou ser impossível tratar os mais de 5.500 municípios como se todos calçassem o mesmo número de sapato. Enquanto alguns justificam a adoção de medidas mais duras, como o lockdown, outros permitem a flexibilização do isolamento. Bolsonaro não gostou, mas até aí morreu o Neves.

O capitão é, hoje, um vulto, uma sombra daquele que se apresentou como um candidato indômito, pronto e disposto a comandar uma implacável cruzada contra a corrução e as maracutaias do que classificou da famigerada "velha política" — mais uma bandeira de campanha que se junta ao sem-número de outras enrolados e enfiadas em local incerto e não sabido depois que sua insolência subiu a rampa do Palácio.

No melhor estilo “Vampiro do Jaburu”, nosso herói vem costurando uma coalizão com os ímprobos parlamentares do Centrão — marafonas do Congresso que vendem seus favores a quem se disponha a pagar, sem se preocupar com ideologia, lisura e que tais. O motivo de sua conversão de santo em demônio? A necessidade de garantir os 170 votos necessários para barrar um improvável, mas não impossível processo de impeachment, ou um bem mais provável inquérito no STF por crime comum.

Este governo acabou no último dia 24, quando o então ministro da Justiça justificou, num pronunciamento à imprensa, seu desembarque da Esplanada, e lançou no ar suspeitas robustas de que o mandatário queria interferir politicamente na PF, nomeando um lambe-botas que lhe mantivesse informado sobre processos sigilosos, dada a nada remota possibilidade de alguns inquéritos envolverem sua subida pessoa e/ou os três rebentos que voejam no seu entorno como moscas em volta da merda.

No sábado 2, enquanto o Messias de festim discursava num posto de beira de estrada, em Cristalina (GO), estimulando a claque de apoiadores a burlar o isolamento social (e já se preparava para apoiar, no dia seguinte, mais uma manifestação subversiva pró-ditadura, com fechamento do Congresso e do STF e reedição do AI-5), seu ex-ministro — que de aliado e avalista da lisura de um governo supostamente empenhado no combate à corrupção foi promovido a Judas pelo autodeclarado traído, e a "espião" pelo filho fritador de hambúrgueres e quase embaixador — prestava longo depoimento a procuradores e delegados federais em Curitiba (PR). 

A quem interessar possa, a transcrição do depoimento de mais de 8 horas do “infame traidor” pode ser lida a partir deste link. Volto com mais detalhes oportunamente.

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Para alguns, Itamar Franco foi uma figura patética, cujo “maior feito” teria sido estimular Volkswagen a retomar a fabricação do jurássico fusca. Mas não se pode esquecer que foi durante seu governo que Fernando Henrique Cardoso e sua equipe de notáveis criaram o Plano Real — o único que teve sucesso duradouro no combate à hiperinflação. Além disso, na visão do historiador Marco Antonio Villa (por quem eu tenho respeito e admiração), Itamar foi o melhor de todos os presidentes que governaram este país depois da redemocratização.

Fato é que o Brasil vivia um período conturbado, com uma hiperinflação beirando os 80% ao mês. Itamar fez uma administração transparente, buscando apoio dos partidos políticos e procurando atender aos anseios da sociedade brasileira. Sua equipe de governo era composta majoritariamente por mineiros, e por isso seu governo ficou informalmente conhecido como "República do Pão de Queijo". Durante seu mandato tampão, o país registrou crescimento de 10% do PIB e 6,78% de renda per capita. Itamar assumiu com a inflação em 1191,09% e entregou a 916,43%. Mesmo assim, há que afirme que ele só escapou da degola porque nomeou FHC seu ministro da Fazenda oficial e primeiro-ministro informal, resignando-se a ser mera figura decorativa. Enfim, há controvérsias.

Itamar nasceu em 28 de junho de 1930 a bordo do navio em que sua mãe viajava do Rio para Salvador (cidade onde ele foi registrado). Ainda criança, mudou-se para Juiz de Fora (MG), formou-se em Engenharia Civil e Eletrotécnica e, em 1955, filiou-se ao PTB. Disputou e perdeu a eleição para vereador em 1958 e a prefeitura do município em 1962.

Com o bipartidarismo imposto pelo golpe de 1964, Itamar filiou-se MDB e dali a dois anos conquistou finalmente a prefeitura de Juiz de Fora (cargo para o qual se reelegeu em 1971). Elegeu-se senador em 1974 e se reelegeu em 1982. Disputou (e perdeu) o governo de Minas, mas ganhou notoriedade em 1988, quando atuou na comissão parlamentar de inquérito que investigou casos de corrução no governo federal. No ano seguinte, foi eleito vice-presidente na chapa de Fernando Collor de Mello.

Em outubro de 1992, Collor foi afastado por denúncias de corrupção e Itamar assumiu interinamente a presidência. Em 29 de dezembro, mesmo tendo renunciado à Presidência horas antes do julgamento, o caçador de marajás de festim foi condenado foi condenado no Senado, por 76 votos a favor e 3 contra, à perda do mandato e à inelegibilidade por oito anos.

Itamar foi efetivado no cargo. Em 1º de Janeiro de 1995, passou a faixa a seu ex-ministro da Fazenda, que, graças ao sucesso do Plano Real, derrotou Lula, Brizola, Quércia, Enéas e Espiridião Amin e outros candidatos de menor expressão política já no primeiro turno das eleições de 1994. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Depois de chefiar a embaixada do Brasil em Portugal e junto a OEA, o ex-presidente voltou ao Brasil. Em 1988, realizou finalmente o sonho de governar Minas Gerais. Em 2007, a convite de Aécio Neves, assumiu a presidência do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, cargo que exerceu até 2010, quando foi eleito senador na chapa de Aécio e Antônio Anastasia.

Itamar se casou em 1968 e divorciou-se em 1971. A partir de então, passou a ser visto sempre em companhia de mulheres mais jovens. O episódio mais marcante aconteceu durante o carnaval de 1994, quando foi fotografado no Sambódromo do Rio ao lado da modelo Lilian Ramos, que não estava usando calcinha. Em maio de 2011, foi internado para tratar de uma leucemia e morreu menos de dois meses depois, em decorrência de um AVC.