quarta-feira, 20 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PARTE

 

Uma espécie de "Maldição Kennedy" tropicalizada parece perseguir Fernando Collor de Mello e sua família. Seja na vida pública, seja na (vida) privada, as histórias se repetem (ou o passado se harmoniza, melhor dizendo). Na carreira política, escândalos; no âmbito familiar, um roteiro de transtornos e desavenças com sólido histórico de traições. 

Em 1992, o caçador de marajás de festim renunciou à Presidência para escapar do impeachment que teve como estopim as denúncias do irmão Pedro Collor (morto em 1994). Décadas depois, ele caiu na rede da Lava-Jato, e hoje responde a pelo menos seis inquéritos. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; agora, uma nova e ruidosa confusão aporrinha o “Rei Sol”, que é acusado por cinco sobrinhos — dois filhos do irmão Pedro e três de Leopoldo (morto em 2013) — de se apropriar do patrimônio da família sem promover uma divisão correta.

Representantes da clássica oligarquia nordestina, os Collor de Mello fruem da rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió, com valor estimado em R$ 250 milhões (em 2019). E essa é apenas a parte mais visível do império; há outros bens de caráter reluzente que também têm sido alvo de disputa.

O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. Como se diz hoje em dia, eles não tinham nada de novos-ricos. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30, antes de voltar-se contra a administração e ser exilado. Arnon foi senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar, e o clima de competição ganhava estímulo dentro de casa. 

O patriarca demonstrava mais amor por Fernando, em quem via vocação política, mas Leopoldo era o favorito da mãe. Nos anos 1990, quando Pedro alavancou as empresas da família, Dona Leda lhe destinou 50% de seu patrimônio, mas mudou o testamento em favor das filhas Ana Luísa (morta em 2013) e Ledinha depois que ele denunciou o irmão caçula.

O inventário de Leda Collor  (1916-1995) é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Portinari. Embora as peças fizessem parte do testamento, não se sabe onde elas foram parar. Os sobrinhos do ex-presidente, que nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil, apontam o dedo para o tio, que tampouco restituiu a Leopoldo o dinheiro que tomou emprestado para comprar o Dossiê Cayman

Depois do impeachment e com a morte de Pedro Collor, o ex-presidente se dedicou à Organização Arnon de Mello, então em boa saúde financeira. De acordo com a PGR, ele usou as empresas para lavar R$ 50 milhões e comprou um Porsche Panamera em nome da TV Gazeta. Em 2019, os negócios da família somavam mais de R$ 200 milhões em passivos. 

Por anos, Leopoldo Collor trabalhou como diretor comercial da Rede Globo, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Em 2013, ele morreu de câncer na garganta. Por determinação do irmão caçula, sua morte não foi noticiada pelo jornal da família. Não foi feito inventário porque não havia bens a dividir. Seus filhos passaram a andar de ônibus, comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar e atrasar o pagamento de contas básicas, como de água e luz.

Dos cinco filhos de Arnon e Dona LedaFernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente, tentando um caminho de futuro. O ex-presidente tem cinco filhos de três relacionamentos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, não falam com o pai, mas são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo

Sobre as acusações de ter escondido o patrimônio familiar, os advogados de Fernando Collor se manifestaram através de nota: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente questões das empresas”.

Como se vê, as desculpas e a postura arrogante também se repetem.