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terça-feira, 31 de agosto de 2021

A HISTÓRIA NÃO SE REPETE; É O PASSADO QUE SE HARMONIZA

 

Karl Marx escreveu que a história sempre se repete como tragédia ou farsa. No Brasil de hoje, está difícil saber o que é tragédia e o que é farsa, mas há casos em que história reproduz fielmente o passado. Para o bem ou para o mal.

No final de 2017, a despeito de a economia ter melhorado significativamente após a substituição da gerentona de araque pelo vampiro do Jaburu, apenas 3% dos brasileiros — noves fora a esposa Marcela e o filho Michelzinho — pareciam ter alguma simpatia Michel Temer. Segundo o instituto Paraná Pesquisas, 87,4% dos entrevistados disseram que ele não representava o país; só 9,2% responderam positivamente e 3,5% não souberam ou não quiseram opinar.

Ao estrondoso repúdio a Temer contrapunham-se as intenções de voto amealhadas por Lula, que aparecia como líder absoluto em qualquer cenário. Mesmo sendo heptarréu e tendo sido condenado a 9 anos e meio de prisão, o egun mal despachado prometia chegar a outubro de 2018 com 120% da preferência do eleitorado — composto majoritariamente por muares descerebrados, que associavam o nome do petralha à bonança reinante nos primeiros anos de sua gestão, pouco lhes importando o escândalo do mensalão, do qual o petralha foi, indubitavelmente, o maior beneficiário.

Mesmo depois que a autodeclarada "alma viva mais honesta do Brasil" acabou na cadeia (vale a pena ler o que eu escrevi a propósito nesta postagem) e sua candidatura foi impugnada pelo TSE, os sectários do lulopetismo corrupto, travestidos de únicos intérpretes da vontade popular, argumentavam que o sumo pontífice da seita do inferno tinha o direito de disputar a Presidência porque “era isso o que o povo queria”. Por esse viés distorcido, nem seria preciso realizar eleições, porque Lula já estava eleito, restando apenas entregar-lhe a faixa. Nessa narrativa, sua prisão por corrupção e lavagem de dinheiro era apenas uma tentativa desesperada das “zelites” de impedir o Brasil de ser “feliz de novo”.

A despeito de sua cassação, o chefão continuava a ser apresentado pela propaganda petista como postulante à Presidência, em desafio aberto à decisão do tribunal. Bastaria um funcionário de balcão da repartição pública onde se registram candidaturas para pôr termo a essa palhaçada, mas o Brasil da elite pensante, dos partidos e tribunais de Justiça, da mídia, das redes sociais, etc. etc., aceitou ceder à sabotagem do complexo Lula-PT e o que lhe vinha a reboque — liberais esquerdistas, intelectuais orgânicos, empreiteiros de obras públicas gananciosos e mais o resto que se sabe —, de modo que o imbróglio chegou ao STF.

Observação: A divisão do espectro político-ideológico em "esquerda e direita" nasceu após a Revolução Francesa, a depender de que lado do Parlamento sentavam os deputados. Mais adiante, a esquerda passou a ser vista como a defensora de um Estado maior "para corrigir desigualdades" e a direita, de um Estado menor, já que a livre-iniciativa era capaz de, sozinha, corrigir todas as distorções. Melhor seria se partidos de esquerda e de direita praticassem o patriotismo de fato (não aquele que é arrotado por extremistas demagogos) e criassem uma pauta comum. O Taliban e o Estado Islâmico também poderiam transformar o Afeganistão numa democracia, mas as chances de isso acontecer são as mesmas que o povo brasileiro tem de aprender a votar.

O escritor norte-americano Stephen King escreveu em "NOVEMBRO DE 1963" — romance que este humilde escriba considera a melhor obra do Mestre do Terror — que "as respostas mais simples da vida costumam ser as mais difíceis de enxergar", e que "a história não se repete, mas se harmoniza, e o que costuma fazer é a música do diabo".

Tudo que vai, volta, dizem. Embora eu nunca soube quem seriam esses misteriosos sábios que tudo diziam, sei que, na maioria das vezes, o que eles disseram faz sentido. Repare o leitor que, da mesma forma como em 2018, o populista extremista de esquerda e seu alter ego de extrema direita estão em plena campanha eleitoral, malgrado a legislação permitir a propaganda somente a partir de 15 de agosto do ano da eleição e prever multa de R$ 5 mil a R$ 25 mil para quem violar a restrição. O que nos leva a outra máxima — esta atribuída a Getúlio Vargas: "aos amigos, tudo; aos cidadãos de bem, todo o rigor da lei"

O Picareta dos Picaretas foi ajudado pela gentileza extrema da Polícia Federal e demais autoridades encarregadas de cumprir a ordem judicial, que lhe deram todo o tempo do mundo para preparar uma apresentação às autoridades que tivesse um pouco mais de compostura. Foi tratado com uma paciência que jamais esteve à disposição de nenhum outro brasileiro. Teve o privilégio de uma “negociação” sem pé nem cabeça para se entregar, como se o cumprimento da ordem dependesse da sua concordância. Mas acabou, apenas, estragando tudo. Conseguiu tornar a sua biografia, que já estava para lá de ruim, ainda pior.

Como não existe nada tão ruim que não possa piorar — já dizia o engenheiro aeroespacial Edward Aloysius Murphy —, o pseudo Redentor dos Miseráveis passou míseros 580 numa cela VIP em Curitiba, que transformou em escritório político e sede do comitê de campanha de seu preposto, Fernando Haddad (então o único petista de alto coturno que se sujeitou ao papel de patético bonifrate, e acabou derrotado pelo capitão-calamidade).

Observação: Sabia-se àquela altura que a vida pregressa do dublê de mau militar e parlamentar medíocre não o qualificava sequer para presidir uma prosaica reunião de condomínio de periferia. Mas o dedo podre e à cabeça oca do esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim nos obrigou a apoiar o bolsonarismo boçal para evitar a volta do lulopetismo corrupto. E viva o povo brasileiro!

O populismo desbragado do Parteiro do Brasil Maravilha produziu o endividamento de milhões de miseráveis falsamente promovidos à “classe média”, que foram posteriormente devolvidos ao status quo ante pela intragável gerentona de festim — que não poupou esforços para manter o Titanic verde-amarelo em rota de colisão com o iceberg que o poria a pique, e só não conseguiu porque foi providencialmente expelida do cargo

Do atual governo (ou desgoverno, conforme o ponto de vista de cada um), melhor nem falar. Até porque a situação do país e a podridão que a CPI do Genocídio tem trazido à tona a cada sessão falam por si, dispensando maiores considerações. Mas causa espécie (para dizer o mínimo) o fato de alguém que ficou preso por 580 dias, após duas dezenas de juízes terem visto evidências de culpabilidade suficientes para condená-lo ou manter sua condenação e ordem de prisão, conforme o caso, ter a ficha lavada da noite para o dia e, na estapafúrdia condição de "ex-corrupto", disputar a presidência (mais uma vez). Vade retro, Satanás!

A história está repleta de políticos que cresceram com a própria prisão, ou, alçados à presidência de seus países, entraram para a seleta confraria dos "estadistas". Nem Lula nem o Brasil se enquadram nessas molduras. Aqui, o passado se harmoniza e a história se repete em toda sua mediocridade. No país do futuro que tem um longo passado pela frente, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, teremos de pagar (mais uma vez) por uma das farsas mais velhacas já aplicadas na política desta banânia.

O tempo é uma esteira rolante sobre a qual todos temos de viajar, e quem não aprende com os erros do passado está fadado a repeti-los ad aeternum. Em havendo eleições daqui a 14 meses (isso vai depender do que acontecerá no próximo dia 7), tudo indica que teremos uma reedição revista e piorada da disputa entre o "nhô-ruim" e o "nhô-pior" — a dupla que mais contribuiu, nos últimos anos, para transformar notícias de política em casos de polícia

A julgar pelas pesquisas de intenções de voto, o eterno Pai dos Pobres e Mãe dos Miseráveis fará picadinho do ex-capitão que "não nasceu para ser presidente, e sim para ser militar", mas que, após ter a carreira abortada por indisciplina e insubordinação, ingressou na vida pública como vereador, elegeu-se deputado e, em 28 anos no baixo clero da Câmara Federal, aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais

Bolsonaro foi alçado à Presidência por uma esdrúxula conjunção de fatores — entres os quais a facada que levou durante um ato de campanha em setembro de 2018 — e entrou (antecipadamente) para a história desta republiqueta de bananas como o pior chefe do Executivo desde a redemocratização. Supondo que consiga sobrevier aos 19 meses remanescentes, nosso indômito capitão será o único presidente da "Nova República" que concluiu seu mandato, mas não conseguiu se reeleger.

Vade retro, Satanás!  

terça-feira, 21 de setembro de 2021

COISAS DO BRASIL (PARTE II)

 

Albert Einstein dizia que o universo e a estupidez humana são infinitos (mas, no tocante ao universo, ele não estava 100% convencido) e Karl Marx, que a história sempre se repete como tragédia ou farsa. Diante de tanta estupidez, fica mais difícil a cada dia distinguir tragédia de farsa num país em que o passado se harmoniza em toda a sua mediocridade.

Se há um elemento que não se pode subestimar, atualmente, é o limite da estupidez humana. Vivesse no Brasil de hoje e não na França do século XVII, Descartes teria dito “penso, logo desisto” em vez de “penso, logo existo”. Como não há nada mais frustrante do que tentar ver a realidade sob o prisma da lógica, o pensamento cartesiano foi descartado. 

Nas manifestações do último dia sete (e em outros protestos antidemocráticos que aconteceram antes delas), bolsonaristas boçais pugnavam pela volta dos "anos de chumbo" — um passado que a maioria deles jamais conheceu e, portanto, não sabe (ou sabe apenas pelos livros de história) o que foi a ditadura militar implementada pelo golpe de Estado de 1964. Em atenção a essa récua, relembro que a renúncia de Jânio Quadros (em 25 de agosto de 1961) deu azo à malsucedida experiência parlamentarista que resultou na deposição do vice de Jânio,  João Goulart e guindou ao Planalto o marechal Humberto de Alencar Castello Branco

Ao longo dos 21 anos seguintes, outros quatro estrelados presidiram esta banânia — Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Beckmann Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo, nessa ordem. Em 1974, porém, Geisel deu início a um lento processo de reabertura que propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves (em 1995). Mas o fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” do "alemão" e de seu sucessor, nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso.

Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a Presidência pelo PMDB, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo um programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pelo dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro presidente civil da "Nova República". Mas o que deveria ser uma festa da democracia transformou-se em luto nacional: Tancredo foi internado na véspera da cerimônia e faleceu 38 dias e 7 cirurgias depois — em 21 de abril, que, ironicamente, homenageia Tiradentes, o "Mártir da Independência".  

Depois de algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara Federal (Ulysses Guimarães) assumir o posto, foi acertado que José Sarney — vice na chapa de Tancredo — seria empossado. E foi o que aconteceu, conforme eu também já comentei em outras oportunidades.

O Brasil polarizado pelo execrável discurso lulista do "nós contra eles" vem reproduzindo uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras: “Na época dos militares era melhor”, dizem os que sequer tinham nascido e, portanto, ignoram a repressão e a filtragem de notícias negativas à ditadura.

Por alguma razão que escapa ao meu limitado entendimento, jovens apoiadores da tragédia em forma de gente que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto parecem acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador — ideia que seu "mito" alimenta tecendo elogios aos anos de chumbo. Entre os argumentos mais utilizados por essa ospália está a conquista do "milagre econômico", que teria ocorrido entre 1968 e 1973.

De fato, naquela época o Brasil conseguiu crescer exponencialmente — cerca de 10% ao ano — e atingir, em 1973, uma marca recorde do PIB, que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado de uma forte queda de inflação — a taxa medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP) caiu de 25,5% para 15,6% no período.

O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para banqueiros e empresários, mas ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares mudaram a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, levando a perdas reais para a população em geral.

A melhora na atividade econômica se explica pela conjuntura mundial mais favorável, que oferecia crédito externo farto e barato e favorecia a criação de novos postos de emprego no mercado formal e a expansão do consumo interno. Mas o "milagre" se deveu principalmente ao dinheiro proveniente de multinacionais — que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares — e de empréstimos advindos de fundos internacionais.

Por outro lado, a concentração de renda também aumentou muito naquele período, fazendo com que a desigualdade social conhecesse atingisse patamares nunca antes alcançados, e os altos índices de crescimento do PIB não produziram uma melhora nos indicadores sociais — o índice Gini quase quadruplicou entre 1964 e 1977. E o investimento maciço dos governos militares na industrialização resultou no êxodo rural — segundo o IBGE, apenas 16% da população morava no interior do país em 2010).

Para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos, a gestão de Castello Branco adotou um ambicioso programa de reformas (Plano de Ação Econômica do Governo) que criou diversos mecanismos de incentivo às exportações, mas foi no governo Médici, com Antonio Delfim Netto à frente do ministério da Fazenda, que o projeto econômico mirou o crescimento rápido, com destaque para indústria automobilística e grandes obras de infraestrutura, como a construção da Ponte Rio-Niterói (que começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada Rodovia Transamazônica.

No início dos anos 1970, a crise do petróleo, resultante de conflitos entre países membros Opep, elevou o preço do barril de US$ 3 para US$ 11,60, castigando drasticamente países importadores, como era o caso do Brasil, e quebrando o modelo econômico baseado no alto endividamento externo. Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas chapa-branca decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, ainda que se endividando cada vez mais.

Foi nesse cenário que o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), mais ousado que o primeiro, investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobrás, por exemplo, ganhou subsidiárias, e a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, visando tornar o país independente da importação de energia, gerar renda através da produção própria e se valer de parte dessa renda para quitar a dívida externa.

Como o imprevisível costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, a crise se prolongou além do previsto e a conta do crescimento baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Quando os fardados voltaram para a caserna, em 1984, a dívida externa tupiniquim representava 54% do PIB — vinte anos antes, por ocasião do golpe militar, esse percentual correspondia a 15,7% do PIB. Como não poderia deixar de ser, a inflação disparou, chegando a 223% em 1985 e a 1782% durante o malfadado governo Sarney.

Outro falácia tão escabrosa quanto a de ter acabado com a Lava-Jato porque não existe mais corrupção no governo é a de que não havia corrupção durante a gestão dos militares. No mundo real atual, o sem-número de fatos que estão apurados por investigações que miram Bolsonaro e quatro de seus cinco filhos, as relações promíscuas do clã-presidencial com milicianos e toda sorte de cambalachos descobertos pela CPI do Genocídio falam por si. 

No mundo real dos tempos de antanho, foi durante a ditadura militar que as relações espúrias entre órgãos públicos e interesses privados mais floresceram, tanto porque não havia investigação quanto porque os censores chapa-branca não permitiam a publicação de notícias desfavoráveis ao governo. 

Mas isso é conversa para a próxima postagem. 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PARTE

 

Uma espécie de "Maldição Kennedy" tropicalizada parece perseguir o hoje senador Fernando Collor e sua família. Seja na vida pública, seja na (vida) privada, as histórias se repetem (ou o passado se harmoniza, melhor dizendo). Na carreira política, escândalos; no âmbito familiar, um roteiro de transtornos e desavenças com sólido histórico de traições. 

Em 1992, o pseudo caçador de marajás renunciou à Presidência para escapar do impeachment que teve como estopim as denúncias do irmão Pedro Collor (1952-1994) à revista VEJA. Décadas depois, o ex-presidente caiu na rede da Lava-Jato; hoje, ele responde a pelo menos seis inquéritos. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; agora, uma nova e ruidosa confusão aporrinha o “Rei Sol”, que é acusado por cinco sobrinhos — dois filhos do irmão Pedro e três de Leopoldo (1941-2013) — de se apropriar do patrimônio da família sem promover uma divisão correta.

Representantes da clássica oligarquia nordestina, os Collor de Mello fruem a rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió. Estima-se que o conjunto chegue a 250 milhões de reais (valores de 2019). E essa é apenas a parte mais visível do império. Há outros bens, de caráter reluzente, que também têm sido alvo de disputa.

O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. Como se diz hoje em dia, eles não tinham nada de novos-ricos. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30, antes de voltar-se contra a administração e ser exilado. Arnon foi senador e governador de Alagoas.

O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar. O clima de competição ganhava estímulo dentro de casa. “Arnon, de forma descarada, demonstrava mais amor pelo tio Fernando; via nele a vocação política”, diz um parente. Dona Leda também distribuía carinho de forma desigual. 

Leopoldo era o favorito na infância, mas na vida adulta ela transferiu o posto de queridinho para Pedro — quando este alavancou as empresas da família, no começo dos anos 90. Feliz, ela tinha feito um testamento em que daria 50% de seu patrimônio a Pedro. O documento foi desfeito depois que o filho fez as denúncias a VEJADona Leda, então, decidiu testar metade da fortuna às duas filhas mulheres, Ana Luísa, morta em 2013, e Ledinha (ambas sem herdeiros).

Em 1998, outro abalo familiar. Leopoldo emprestou dinheiro ao irmão ex-presidente para a compra do Dossiê Cayman, um calhamaço de documentos falsos para prejudicar FHC. A mutreta foi descoberta, o tucano se reelegeu e Collor jamais quitou a dívida. Foi o ponto-final em uma relação de raiva, inveja e competição.

O inventário da matriarca, Dona Leda (1916-1995), é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, como uma pulseira de 18 gramas de ouro e 21 esmeraldas e um colar de ouro de 18 quilates de 102 gramas com onze fios de pérolas e brilhantes, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e obras de arte, como uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Candido Portinari.

Embora as peças façam parte do testamento da matriarca, os herdeiros não sabem onde elas foram parar. Na intimidade, apontam o dedo para Fernando Collor e não se cansam de atrelar o sumiço ao comportamento do ex-presidente quando se trata de misturar o que não poderia ser misturado — o que é dele e o que é dos outros.

Filhos de Pedro e Thereza Collor, Fernando (nome dado em homenagem ao tio, que depois seria brigado de morte com o pai) e Victor têm juntos 15% do grupo, mas nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil desde a morte de Pedro. Leopoldo teve três filhos, mas eles não podem exigir parte do patrimônio da família porque o pai vendeu sua participação acionária ainda em vida.

Depois de ser escorraçado da política no pós-impeachment, Collor voltou-se para os negócios da família. Em meados dos anos 90, ele assumiu o controle do grupo, então em boa saúde financeira. Hoje, a Organização Arnon de Mello soma mais de 200 milhões de reais em passivos. De acordo com a PGR, ele usou as empresas da família para lavar R$ 50 milhões, como na compra de um Porsche Panamera, por R$ 550 mil, em nome da TV Gazeta.

Em abril de 2019, a PGR pediu ao STF a condenação do ex-caçador de marajás de araque a 22 anos e oito meses de prisão. As denúncias de irregularidades na distribuição de dinheiro entre os parentes e as acusações de lavagem de dinheiro, ambas ainda sob investigação, são o fio que puxa uma história de relações muito confusas, que não raro terminaram em rompimento. É triste, para dizer o mínimo, a saga da dinastia Collor.

Com recursos escassos, os filhos de Leopoldo começaram a andar de transporte público e a comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar. As contas de luz eram pagas com atraso frequentemente. Seu padrão de vida ruiu. Por anos, Leopoldo trabalhou como diretor comercial da Rede Globo no Brasil, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Morreu, em 2013, de câncer na garganta, em São Paulo. Não foi feito inventário por uma razão simples: não havia nada em seu nome. Collor impediu o jornal da família de noticiar a morte do irmão.

Dos cinco filhos de Arnon e Dona LedaFernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente, tentando um caminho de futuro. Fernando Collor tem cinco filhos de três relacionamentos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, quase não falam com o pai, mas são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo. “Temos de quebrar a maldição deixada por nossos avós”, diz um integrante. 

Procurado por VEJA, Collor enviou a seguinte nota, por meio de seus advogados, ao refutar as acusações de que esconde o patrimônio familiar: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente questões das empresas”.

Como se vê, as desculpas e a postura arrogante também se repetem.

Com Veja

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

A VITÓRIA DAS TATURANAS

 

O Brasil é realmente o país dos contrastes. Embora haja mais de 30 legendas aptas a disputar as próximas eleições, os "franco-favoritos", de acordo com as pesquisas, são os sumos pontífices do lulopetismo corrupto e do bolsonarismo boçal. 

Até o funesto pleito de 2018, os indecisos tucanos (que mijam no corredor caso haja mais de um banheiro no imóvel) eram os arquirrivais da petralhada. Os demais postulantes ao Palácio do Planalto eram obrigados a apoiar o nhô-ruim ou o nhô-pior no segundo turno, depois de serem expulsos de campo pelo esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim. E agora, a menos de um ano das próximas eleições gerais, a desgraça se repete. 

Einstein dizia que o universo e a estupidez humana são infinitos (no tocante ao universo, ele não estava 100% convencido) e Marx, que a história sempre se repete como tragédia ou farsa. Diante de tanta estupidez, fica difícil distinguir tragédia de farsa numa republiqueta de bananas, onde o passado se harmoniza em toda sua mediocridade.

Não há regime democrático que funcione com trinta e tantos partidos políticos. E não dá para entender como trinta em tantos partidos não há um desinfeliz capaz de pôr fim a essa maldita dicotomia. 

Um lado quer seguir adiante, mas dirige com os olhos fixos no retrovisor, talvez imaginando que uma (Deus nos livre) eventual vitória de Lula reproduza os resultados positivos do primeiro governo petista sem reeditar a roubalheira iniciada com o Mensalão e potencializada com o Petrolão. A outra facção, cega pelo fanatismo, olha adiante sem ver que uma (igualmente indesejável) reeleição de Bolsonaro postergará por mais quatro insuportáveis anos a desgraceira que seu desgoverno impôs a este arremedo de banânia.

Se os demais partidos (ou pelo menos os principais) não fossem vítimas do próprio ego, teríamos na via de centro um candidato léguas à frente da parelha de aberrações que a ignorância do eleitorado... enfim, acho que já me fiz entender.

Termino este post com um texto de Mario Sabino e a promessa de retornar amanhã, com mais um capítulo da minha novela de época.

A Vitória das Taturanas é o que representará a aprovação da PEC da Vingança, com o reto e vertical Arthur Lira comandando o espetáculo na presidência da Câmara Federal. Ontem, escrevi que o Brasil é uma nação de gente estúpida, como comprova o fato de termos como presidente da Câmara um político que jamais deveria ter sido eleito deputado federal ou para qualquer outro cargo político. 

Em 2007, a Operação Taturana desbaratou um esquema criminoso que desviou mais de R$ 200 milhões da folha de pagamentos da na Assembleia Legislativa de Alagoas. Em 2008, Lira foi preso. A PF se referiu a ele como UM "político sem limites para usurpar dinheiro público". Tudo mentira, claro, porque o homem é de uma inocência imaculada (afinal, se Lula é a alma viva mais honesta do Brasil...). 

Dois anos depois, como somos uma nação de idiotas, o nobilíssimo parlamentar alagoano foi eleito deputado federal. Instalado em Brasília, o eminente parlamentar entrou na mira da PGR, acusado de participar — juntamente com seu pai, o hoje senador Bendito de Lira — do escândalo do Petrolão. Aliás, a família é a base da sociedade, como lembra o programa da União Brasil.

É esse sujeito reto e vertical que quer "colocar um freio" no Ministério Público — que acusa de não ter "código de ética" — através da infame PEC da Vingança, que o deputado Paulo Teixeira, pau mandado de Lula, teria tirado da cartola do ministro Gilmar Mendes — que, claro, não tem nada a ver com isso, muito pelo contrário, trata-se de um grande apoiador dos procuradores que cometem a ousadia de investigar gente poderosa e os amigos dos amigos dela.

Atualização: Em votação de primeiro turno, a Câmara rejeitou (por 297 votos a favor e 182 contrários) a versão do relator Paulo Magalhães da PEC em questão, que precisava de pelo menos 308 votos a favor para ser votada em segundo turno. Para líderes do Centrão, que se juntaram a petistas e bolsonaristas visando enfraquecer o Ministério Público, a tramitação da proposta de emenda "morreu". Após sua primeira grande derrota depois que assumiu a presidência da Câmara, Lira anunciou que votaria a proposta original, sem acordo, mas encerrou a sessão sem abrir o painel para votação, sem maiores explicações. O deputado-réu não descarta votar o texto original, ainda que isso seja um recurso regimental incomum. Segundo ele, "jogo só termina quando acaba". Entre os vencedores, porém, não há mais clima para votação neste ano.

Arthur Lira, o colosso da decência que ascendeu à Câmara empurrado pelo (igualmente ínclito) Eduardo Cunha (preso injustamente pela Lava-Jato), é uma unanimidade ideológica: esquerda, direita, Centrão e banco de reservas marcham a seu lado, visando amarrar mãos e pés dos procuradores com a corda da PEC que reescreve a Constituição. 

Esse poder composto por gente honesta, trabalhadora e proba, escolhida a dedo pela famosa récua de muares munida de título eleitoral. quer retirar a independência funcional dos procuradores e aparelhar politicamente o CNMP, inclusive indicando um corregedor de sua própria laia. E para que não restem dúvidas sobre o papel de Prometeu acorrentado, reservado ao MP, o CNMP aparelhado poderá revogar atos administrativos praticados por procuradores — ou seja, barrar investigações.

Em 2007, a Polícia Federal batizou de Taturana a operação contra a roubalheira em Alagoas, porque a lagarta passa a vida comendo folhas. A aprovação da PEC da Vingança, com Lira comandando o espetáculo, é a vitória das taturanas, que poderão comer até se fartarem as folhas dessa gente estúpida que as elege.

Triste Brasil.

Observação: Sabino informa que a Editora Topbooks acaba de lançar a versão impressa do livro Me Odeie pelos Motivos Certos (a quem interessar possa, basta clicar no link para adquirir seu exemplar). O autor agradece quem já comprou e antecipa seus agradecimentos aos que vierem a comprar.