quinta-feira, 16 de julho de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — SÉTIMO CAPÍTULO


Jânio Quadros sucedeu a Juscelino Kubitschek de Oliveira e governou o Brasil durante 6 meses e 25 dias. Sua eleição, posse e renúncia foram alvo das postagens de 15 e 16 de abril e voltarão a sê-lo nos capítulos finais daquela sequência. Considerando a importância que sua renúncia teve para a história tupiniquim, sobretudo por pavimentar o caminho para o golpe de 1964 e os 21 anos de ditadura militar que o sucederam, o pé-de-cana matogrossense merece mais algumas linhas — após as quais trataremos dos demais inquilinos dos palácios do Itamaraty, do Catete e do Planalto cujos contratos de locação tiveram suas rescisões antecipadas.

Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande (MS), mudou-se ainda criança para Curitiba (PR) e de lá para São Paulo (SP), onde cursou Direito e lecionou Geografia, Português e Direito Processual Penal até ingressar na vida pública em 1947, como suplente de vereador. Na sequência, exerceu mandatos de deputado estadual (de 1951 a 1953), prefeito de São Paulo (de 1953 a 1955), governador do estado (de 1955 a 1959) e deputado estadual pelo Paraná (de 1959 a 1961), até se eleger presidente da República em 3 de outubro de 1960 e tomar posse em 31 de janeiro de 1961, tornando-se o primeiro chefe do Executivo tupiniquim a ocupar o Palácio do Planalto (no então recém-inaugurado Distrito Federal).

Observação: A primeira capital do Brasil foi a cidade de Salvador, na Bahia, que sediou o governo federal por 214 anos. Em 1753, a sede do governo federal foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro, no estado da Guanabara (hoje Rio de Janeiro), e de lá para Brasília que foi construída no meio do planalto central pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.

A gestão de Jânio foi breve, mas conturbada. Para além de sua maneira heterodoxa de governar —  substituindo por folclóricos bilhetinhos manuscritos os protocolares ofícios — e da manifesta obsessão por questiúnculas polêmicas, mas midiáticas — ele proibiu as rinhas de galo, o uso do lança-perfume no carnaval e do biquíni em praias e piscinas, além da exibição de comerciais nos intervalos das sessões de cinema e outras asnices de deixar Bolsonaro roxo de inveja. 

Na noite de 24 de agosto de 1960, Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, alardeou em rede nacional de TV um suposto autogolpe que Jânio estaria tramando para fechar o Congresso. No dia seguinte, depois de ser duramente repreendido pelos ministros militares durante as comemorações do Dia do Soldado, o presidente datilografou sua carta renúncia (cuja integra transcrevo a seguir) e viajou para São Paulo, levando consigo a faixa presidencial que, por óbvio, já não lhe pertencia, mas que, também por óbvio, sinalizava sua esperança de ser reconduzido ao cargo por aclamação popular. Só que não foi bem isso que aconteceu.

"Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
"Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.
"Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
"Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
"Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
"Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria."
Brasília, 25 de agosto de 1961.

Continua no próximo capítulo.