quarta-feira, 15 de abril de 2020

BOLSONARO-2022, A CANETA E O FI-LO PORQUE QUI-LO



Diz um velho ditado que “de médico e de louco todos nós temos um pouco”. A Bolsonaro, sobra-lhe de louco o que lhe falta de médico — embora ele não rasgue dinheiro nem coma merda, como se espera de qualquer napoleão de hospício que se preze.

Como chefe do Executivo (legítima e democraticamente eleito, como adorava salientar a militância petista durante o impeachment de Dilma), Bolsonaro é “o dono da caneta”, como ele próprio se refere ao poder de nomear e demitir quem bem entender, sem ter de dar satisfações a ninguém. Mas esse poder é relativo, até porque todo mundo responde a alguém.

O presidente da República, na condição de servidor público — do mais alto escalão, é verdade, mas ainda assim um servidor público —, deve servir ao povo (e não se servir do povo, mas isso é outra conversa) e ao povo dar satisfações de seus atos. Mas Bolsonaro acha que governar é jogar para a plateia, manter a peteca no ar até que chegue a hora de se reeleger. Por isso, em vez de governar para o povo e pelo povo, busca agradar os bolsomínions, ou por outra, manter sua tribo mobilizada, em pé-de-guerra. 

Observação: Para quem chegou de Marte no último voo, chamamos bolsomínions aos apoiadores fanáticos do “Mito”, que agem como a militância petista, mas com a polaridade invertida. Uma caterva de desmiolados que aspiram cada peido de seu ídolo e juram pela pastora Damares e pelo Bispo Macedo que o aroma é de Chanel nº 5. Um de bando de olavistas terraplanistas e criacionistas que bate palmas para maluco dançar — e o maluco beleza dança conforme a música tocada nas redes sociais por essa súcia, e nessa súcia aposta sua reeleição.  

A despeito do risco de virar clichê, ouso repetir a arenga mais uma vez: Bolsonaro deve sua vitória não só a suas macacas de auditório, mas também aos milhões de brasileiros que teriam votado em Lúcifer em pessoa para impedir a volta do PT, travestido num patético bonifrate controlado desde Curitiba por um condenado.

A poderosa Bic presidencial escreve só para os bolsomínions — aliás, usar uma esferográfica de R$ 2 é de um populismo de dar inveja ao histriônico Jânio Quadros, que aparecia nos comícios descabelado, com a barba por fazer, o paletó amarfanhado e cheio de caspa, mordendo sanduíches de mortadela que tirava do bolso (o perfeito "homem do povo" na visão de um populista). Como não tinha um programa, Jânio impressionava a audiência com discursos vazados em linguagem pernóstica, escandindo as sílabas para realçar o português castiço — que formava frases quase tão desconexas quanto as de Dilma, a insuperável. E a plebe ignara aplaudia, já que não entendia patavina.

Não estou sugerindo que, a exemplo de JânioBolsonaro vá renunciar. Isso é tão provável quanto eu ser eleito Papa. Por outro lado, é impossível não traçar um paralelo entre o comportamento instável no nosso atual mandatário e os desvarios do finado homem da vassoura (símbolo usado por Jânio para enfatizar sua promessa de varrer a corrupção). Em termos de insanidade, porém, respeitadas as diferenças temporais, enquanto Jânio ia com a farinha, Bolsonaro volta com o fubá.

O capitão é mestre em escolher o pior momento para dizer ou fazer a coisa errada e doutor em tomar a decisão menos adequada. A antepenúltima foi a quase demissão de Mandetta — no momento em que a Covid-19 avança a passos de gigante. As penúltimas (porque certamente outras virão), aconteceram na quinta-feira, 9, e no sábado, 11.

Na primeira, o presidente resolveu comer um sonho numa padaria (e aproveitou o embalo para abraçar e tirar fotos com funcionários). O filho e deputado Eduardo Bolsonaro e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, notório puxa-saco do capitão, o acompanharam nessa aventura. Nos vídeos que circularam nas redes sociais dava para ouvir vizinhos da padaria gritando: “Vai pra casa”.

Na segunda, numa escapada até a cidade goiana de Águas Lindas (a meia hora de Brasília), Bolsonaro visitou as obras de um hospital de campanha que oferecerá 200 leitos para pacientes com a Covid-19, e tirou sua máscara (a de pano, naturalmente) para saudar com beijos e apertos de mão um grupelho de 50 apoiadores que chamava de traidor o governador do estado (vale lembrar que Ronaldo Caiado rompeu com o presidente no mês passado, quando o chefe do Executivo Federal incentivou as pessoas a voltarem "à normalidade". O general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e (ele de novo) Tarcísio de Freitas acompanharam o capitão, mas nem Mandetta nem Caiado se aproximaram dos populares. Questionado pela imprensa sobre a atitude do presidente, o ministro reforçou: “as recomendações valem para todos os brasileiros”.

O distanciamento social é um dos principais pontos de divergência entre o presidente e Mandetta, a exemplo do uso da hidroxicloroquina para o tratamento do coronavírus, defendido por Bolsonaro mesmo sem pesquisas conclusivas sobre sua eficácia e possíveis efeitos colaterais. Como diz o ditado, "quem pode mais chora menos". O prego mais saliente é o que leva a martelada.

Sem ter como elevar sua estatura, o presidente rebaixa o teto de seu gabinete. Sem luz própria, tenta apagar as que iluminam seu caminho. O (justificado) receio de que o agravamento da pandemia seja catastrófico para sua tão sonhada reeleição leva-o a cobrar do ministro medidas para amenizar os impactos da crise sanitária na economia. Um pedido (ou ordem, como queiram) compreensível, mas quase impossível de ser atendido.

Se realmente demitir Mandetta, o capitão deveria recrutar São Judas Tadeu, tido como o santo das causas impossíveis, para substituí-lo, e Santo Expedito, o santo das causas urgentes, para assessorá-lo. Também ajudaria se deixasse de lado de lado suas estúpidas disputas ideológicas e governasse o país, pois foi para isso que o elegemos (bom, não exatamente, mas era parte do pacote).

Dependendo do que ocorrer até meados de 2022, nada mais justo que Bolsonaro dispute a reeleição (como fizeram FHC — em cuja primeira gestão essa possibilidade vergonhosa foi incluída na constituição através de uma PEC — e os petralhas Lula e Dilma). Para viabilizá-la, porém, ele precisa deixar de ser o estorvo de seu governo e enfrentar as adversidades sem se deixar governar por elas. Se não abdicar do posto de líder da oposição, seu governo não chegará a 2022.

Se isso lhe for do todo impossível, melhor faria se pedisse o boné e se recolhesse a sua mediocridade. Como já dizia o saudoso maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim — brasileiro até no nome — o Brasil não é para principiantes.

Volto amanhã para falar mais um pouco sobre Jânio, sua renúncia e outras questões correlatas.