As manifestações convocadas por apoiadores do presidente Bolsonaro para o próximo dia 7 podem resultar em tentativas de agressão e ataques às instituições democráticas. Atos de oposição ao governo também foram marcados para o mesmo dia, o que torna o cenário ainda mais preocupante. Sobretudo porque a retórica bolsonarista se deslocou das Forças Armadas para as corporações militares estaduais.
O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) disse na última quinta-feira que de 5.000 a 10.000 policiais militares, da ativa e da reserva, devem participar de atos a favor do governo na avenida Paulista, em São Paulo, e militares do interior e de outros Estados organizam caravanas rumo à cidade, algumas com apoio de empresários e setores do agronegócio.
Bolsonaro pretende fazer uma demonstração de força
nas ruas, assim como tentou — e fracassou — com o
desfile de blindados por Brasília, no começo do mês de agosto. Seus paus-mandados vêm mobilizando apoiadores num momento de fragilidade do "mito", que tem feito investidas contra ministros do STF —
como o estapafúrdio pedido de impeachment em desfavor do ministro Alexandre
de Moraes, rejeitado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
dada sua "manifesta
ausência de tipicidade e de justa causa".
Cada vez mais dependente do Centrão, que ocupa cada vez mais espaços no governo, o presidente que não governa tenta engajar setores mais fiéis a seu projeto, num dia de grande valor simbólico para esses grupos. O que se pretende é apontar o Judiciário e o Legislativo como principais inimigos do governo e culpá-los pela inação do Messias que não miracula, quando o verdadeiro responsável pelo problema é o próprio presidente, dada sua incapacidade de exercer o cargo para o qual foi eleito por se ter tornado a única alternativa à volta do lulopetismo corrupto.
O ministro do STF e atual presidente do TSE, Luís
Roberto Barroso — que o mandatário de fancaria alçou à condição de desafeto por divergir de suas opiniões acerca das urnas eletrônicas e da ressureição do
voto impresso — diz não
ver condições para golpe no País, mas que o tema já o preocupa. E não é para menos.
Na segunda-feira, 23, o governador João Dória determinou
afastamento do coronel Aleksander Lacerda, chefe do Comando de
Policiamento do Interior-7 da Polícia Militar de São Paulo, depois que o
Estadão revelou postagens do oficial chamando Rodrigo
Pacheco de "covarde" e Doria de "cepa
indiana", e acusando Rodrigo Maia (recém-nomeado secretário de Projetos
e Ações Estratégicas de São Paulo) de ser "beneficiário de esquema mafioso".
"No Estado de São Paulo nós não teremos manifestações de policiais militares na ativa de ordem política", afirmou o governador tucano, que determinou à Secretaria de Segurança Pública que vetasse a realização de protestos contra Bolsonaro no dia 7, tanto na capital quanto em outras cidades paulistas.
Já o Ministério Público Militar do Ceará recomendou aos comandantes-gerais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado a adoção de medidas para "prevenir, perquirir e, se for o caso, fazer cessar, inclusive por meio da força" atos promovidos ou integrados por militares estaduais no feriado da Independência.
Bolsonaro continua afirmando que os atos pró-governo serão "extremamente
pacíficos", e que são os protestos da esquerda que depredam
patrimônio. "Estão
dizendo que quero dar golpe. São idiotas, já sou presidente",
declarou, na última sexta-feira, a apoiadores que se aglomeravam (sem máscara) defronte ao Alvorada. Mas não só reafirmou que marcará presença nas manifestações na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na
Avenida Paulista, em São Paulo, como chamou de "idiota"quem afirma que é preciso comprar feijão em vez de fuzil.
Os atos vão mostrar para o mundo "que
o Brasil está sofrendo", disse o presidente. "O que está em risco é o futuro
de vocês e a minha vida física. Tem uma van ali para evitar o sniper
[atirador]. É o tempo todo essa preocupação do que pode acontecer", perorou o mandatário. Mesmo assim, o deputado-réu que que preside a Câmara graças ao apoio do capitão assevera que "não
haverá nada no 7 de setembro", e que "é
o presidente quem pauta o País, inclusive em relação a movimentos e
manifestações previstos para o dia da comemoração da independência do Brasil.
Chega uma hora em que é preciso chamar as coisas pelo seu
nome: os atos convocados pelo presidente são um ensaio para um golpe de Estado. A ideia do capitão é reunir 2 ou 3 ou até 5 milhões de pessoas visando provar que o povo está do seu lado para fazer valer a sua vontade
sobre a Justiça, o Congresso e quem mais se puser no caminho. Guardadas as
devidas proporções, o que ele pretende é recriar uma versão tropical da marcha sobre Roma de
Benito Mussolini reciclada com o
autogolpe de 1992 de Alberto Fujimori, sob o pretexto de que o Legislativo
e Judiciário não o deixam governar.
De acordo com o jornalista e consultor Thomas Traumann — autor
de "O
Pior Emprego do Mundo", sobre o trabalho dos ministros da Fazenda —,
monitoramentos nas redes sociais na última semana dão conta de que é alta a
possibilidade de as manifestações reunirem milhões, notadamente pelo intenso
trabalho dos pastores das igrejas pentecostais. Nas Marchas por Jesus
realizadas todos os anos, essas igrejas facilmente batem nos 4 milhões de fiéis
nas capitais, mas com Bolsonaro o discurso é apocalíptico.
Nas correntes de WhatsApp evangélicas, prossegue Traumann,
são os valores da família que estão em jogo, não Bolsonaro. O 7 de
Setembro está sendo apresentado como dia decisivo para a defesa do
cristianismo sobre a corrupção, o comunismo e leis que desvirtuariam a família.
“Supremo é o País cujo Deus é o Senhor”, terminam as mensagens. Desde as
eleições de 2018 não se via uma mobilização digital tão forte dentro das
igrejas evangélicas.
A linha do discurso nas redes sociais classifica como “ataque à liberdade de expressão e à democracia” as ordens do ministro Alexandre de Moraes de prender bolsonaristas por defenderem o golpe militar. Por esse raciocínio, o magistrado estaria abusando dos seus poderes por ser, ao mesmo tempo, vítima, investigador e juiz do processo sobre ataques ao STF.
Por uma
leitura enviesada da Constituição pelos bolsonaristas, caberia às Forças
Armadas o papel de Poder Moderador, intervindo a favor do
presidente. O irônico é que, sempre que Bolsonaro força a linha da
democracia e o Supremo reage, melhor para o discurso bolsonarista. Cada
ação do STF ou do Senado para conter o capitão apenas confirma o
que ele está dizendo — e serve para incitar a massa.
Os atos de 7 de Setembro não implicam que o autogolpe
vá ocorrer nas próximas semanas, mas, sim, que o presidente está reunindo a
tropa e preparando a opção. Por mais que digam que não acreditam em pesquisas, as
hostes bolsonaristas já têm consciência de a reeleição do mito subiu no telhado. E reunir
milhões poderia reanimar a turba para uma campanha eleitoral com base na
intimidação e na ameaça de golpe antes de partir, de fato, para a quartelada.
O problema do monstro é que chega um momento em que não se consegue mais controlá-lo. No ato "Salve a América", dois dias após a cidade de Cullman decretar estado de emergência devido ao aumento no número de mortes por Covid, o ex-presidente Donald Trump foi vaiado em um comício no estado do Alabama ao defender a vacinação contra a Covid. Ele chegou a fazer um sinal de “não” com a mão, em direção a quem o estava vaiando, mas na sequência disse: “Não, ok, ok. Vocês têm suas liberdades, eu acredito. O que você tem de fazer você tem que fazer. Mas eu recomendo: tomem a vacina! Eu tomei e é boa. Tomem a vacina”, disse. Na sequência Trump provocou risadas em parte da plateia ao dizer: “Se não funcionar, vocês vão ser os primeiros a saber, ok?”.
Bolsonaro está alimentando um ódio que pode
facilmente descambar para a violência no dia 7 de Setembro. Isso se ele
próprio não insuflar as tropas militares a atacar o STF ou o Congresso.