Quando Luiz Inácio da Silva diz, como disse dia desses, que não quer conversa com os militares e com eles só falará na condição de “chefe” quando (acrescente-se, e se) for eleito, não está sendo impertinente. Está sendo realista, pois quem não quer conversa com ele agora são os militares.
Pelo visto, o ex-presidente recebeu algum tipo de recado
nesse sentido, pois até duas semanas atrás as Forças Armadas estavam na lista
dos petistas como um obstáculo difícil, mas não de todo intransponível.
Do mesmo rol de resistências a serem vencidas constam — e a
esses setores Lula não emitiu sinal algum de desistência — os
evangélicos, boa parte do empresariado, o alto escalão dos negócios do campo e,
claro, os adversários políticos; tanto os tradicionais quanto aqueles a serem
resgatados da aliança firmada com Jair Bolsonaro em 2018.
As pesquisas de intenção de votos para 2022 mostram o
petista com vantagens cujo retrato é de vitória antecipada. Nelas, Lula
tem praticamente o dobro dos índices de Bolsonaro, chegando, em algumas,
a obter dianteira suficiente para vencer no primeiro turno.
Isso se a eleição fosse hoje. Ocorre, porém, que não é. Além
de faltar pouco mais de um ano para a data da disputa que não se ganha de
véspera, as aparências são travessas e às vezes dificultam a percepção e a
compreensão objetiva dos fatos.
Nessa armadilha da ilusão não caem os articuladores mais
experientes da campanha, sendo Lula o primeiro a saber que a estrada é
longa e o caminho repleto de percalços. Então, que não se tome como real o
triunfalismo aparente. No bastidor, a palavra de ordem é trabalho duro aliado a
uma dose oceânica de torcida.
No campo da esperança, a nação petista direciona sua energia
para dois desejos: que a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição não
venha a derreter a ponto de fazê-lo desistir de concorrer e que não vinguem as
candidaturas ditas de centro. Hoje elas são alvo de descrédito, frequentam o
limbo e a expectativa no PT é que assim permaneçam.
Inesquecível uma frase que ouvi de um ex-ministro do
partido, sob o compromisso do anonimato, nos primeiros meses do atual governo:
“A nossa sorte é que foi Bolsonaro o eleito”. Ou seja, o presidente é desde
o início visto como o contraponto ideal. Mal comparando, uma espécie de bode na
sala, cuja presença torna menores os demais males.
A veemência com que integrantes do alto comando petista
propagam a inviabilidade do surgimento de outras candidaturas que possam atrair
o eleitorado não leva em conta a volatilidade do ambiente político e, assim, dá
a medida do temor de que isso aconteça.
“Não tem volta, o quadro está consolidado”, diz um
dos principais encarregados de firmar alianças para Lula no Rio de Janeiro.
Sustenta a afirmação nos dados das pesquisas. Pois bem, se isso realmente
bastasse, se fosse tido como projeção real para 2022, seria de se esperar que
os rios da política estivessem correndo para desaguar no mar do PT. Não
é o que se vê.
O ex-presidente tem percorrido o país em conversas políticas
num esforço condizente com quem pretende “adensar o entorno”, mas até agora
colecionou mais fotografias que apoios. Esteve com Cid Gomes (PDT),
Tasso Jereissati (PSDB), Rodrigo Maia (sem partido),
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Gilberto Kassab (PSD) e
o prefeito do Recife, João Campos (PSB).
Nenhum deles tomou a iniciativa, todos os encontros
aconteceram a convite de Lula. Isso para evidenciar de onde partiu o
interesse. Não obstante a cordialidade das fotos, os interlocutores por ora
encontram-se quase todos comprometidos com outros projetos. Os tucanos
envolvidos nas prévias do partido, um deles (Tasso) postulante à
candidatura; Maia já integrado à equipe do governador João Doria,
candidatíssimo; o cearense Cid na campanha do irmão Ciro, e Kassab
empenhado na busca de tornar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um
pretendente viável.
Tudo isso pode mudar ao longo do processo? Sem dúvida
alguma. Bolsonaro pode se fortalecer eleitoralmente ou se enfraquecer
ainda mais, a chamada terceira via pode deslanchar ou mesmo não sair de onde
está, permitindo a Lula se consolidar, voltar à Presidência e cumprir o
vaticínio de falar aos militares na condição de “chefe”.
Só não se pode é dar como carta marcada uma situação que
independe de vontades. Antes, está sujeita à evolução do espírito do tempo e
suas circunstâncias.
Texto de Dora Kramer publicado em Veja de 1'º de setembro de 2021, edição nº 2753