sexta-feira, 27 de agosto de 2021

QUANDO A IGNORÂNCIA GRITA, A INTELIGÊNCIA CALA

 

Se o mês que caminha para seu final foi especialmente aziago para Jair Bolsonaro, o que se inicia dentro de quatro dias será decisivo para a relação entre os Poderes — que, se nunca foi plácida como as águas do Paranoá, tampouco foi tão turbulenta quanto tem sido durante esta inominável administração.

A última semana foi particularmente pródiga em reveses para o presidente. Na quarta-feira, o ministro Edson Fachin mandou para o arquivo a ação protocolada pela AGU questionando o art. 43 do regimento interno do STF. No mesmo dia, Rodrigo Pacheco rejeitou o pedido de impeachment apresentado pelo capitão em desfavor do ministro Alexandre de Moraes.  

Ambos os resultados eram favas contadas. Fachin, a quem coube por prevenção a relatoria da ação questionando o regimento interno da corte, deu ao pedido o mesmo destino que havia dado a outros de mesmo teor. Quanto ao impeachment de Moraes, os ex-togados Cesar Peluso e Ayres Brito foram unânimes em afirmar tratar-se de um bolsonarismo sem o menor cabimento (eles usaram outras palavras, naturalmente, mas o sentido foi exatamente o mesmo).

Em entrevista concedida ontem à Rádio Jornal, de Pernambuco, Bolsonaro lamentou a decisão do presidente do Senado: "Ele agiu de maneira diferente de como agiu no passado. E nós sabemos, vocês sabem, nessa briga eu estou praticamente sozinho nela” (sic). Pura chorumela. Enquanto a atitude do capitão foi eminentemente revanchista, a deliberação de Pacheco foi embasada na falta de justa causa e tipicidade apontada pela advocacia da Casa.

Ao longo dos últimos 31 meses, o pior presidente desde a redemocratização colecionou dezenas de epítetos — como mito, Bozonabo genocida, enviado de Deus, Verdugo do Planalto e capetão, para citar alguns dos publicáveis —, mas não me consta que tenha sido chamado de "ingênuo". Até porque ninguém sobrevive a sete mandatos no baixo clero da Câmara se não é capaz de enfiar linha na agulha em trevas totais, e calçando luvas de beisebol.

Admitindo-se (apenas por amor à argumentação) que Bolsonaro estivesse preocupado em preservar "direitos fundamentais" — como a liberdade de expressão —, sua insurgência contra o artigo do regimento que permitiu a abertura do inquérito das fake news à revelia da PGR chegou com dois anos e meio de atraso. Segundo Josias de Souza, essa demora se deveu ao "efeito rachadinha".

Em março de 2019 — escreveu o jornalista em sua coluna — quando Dias Toffoli abriu de ofício o inquérito das fake news e entregou a relatoria ao ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro não deu um pio, mas gorjeou de satisfação dali a alguns meses, quando o mesmo magistrado, atendendo a um pedido da de Flávio Rachadinha Bolsonaro, suspendeu por mais de seis meses todos os processos judiciais em tramitação no país que incluíssem dados fornecidos pelo Coaf.

Sob o impacto da gratidão de Bolsonaro a Toffoli, a AGU manifestou-se sobre a encrenca duas vezes. Em ambas considerou regular o inquérito que agora enxerga como ameaça aos "direitos fundamentais dos acusados", submetidos ao que a ação do Planalto passou a chamar de "procedimentos inquisitórios."

Bolsonaro revela-se um presidente com princípios que flutuam ou submergem conforme a conveniência. Eles foram ao fundo na fase em que o capitão contava com Toffoli para blindar seu primogênito, e agora flutuam na ação protocolada no STF porque o presidente em pessoa virou alvo de um par de investigações na Corte em razão das mentiras que conta sobre as urnas eletrônicas.

Bolsonaro não deu um pio quando Raquel Dodge, então procuradora-geral, tentou arquivar o inquérito sigiloso de Toffoli. Sustentou que havia vício de origem e de forma.Que a investigação não poderia ter nascido no Judiciário sem a participação da PGR. Que o STF não pode acumular os papeis de vítima, investigador e julgador. Moraes reagiu assim: "Pode espernear à vontade, pode criticar à vontade. Quem interpreta o regimento do Supremo é o Supremo. O presidente abriu, o regimento autoriza, o regimento foi recepcionado com força de lei e nós vamos prosseguir." 

Posteriormente, o inquérito de Toffoli foi chancelado pelo plenário da Corte, com o aval luxuoso da PGR, já então sob a pena imparcial de Augusto Aras, o eterno. Mas Bolsonaro só começou a se incomodar quando a investigação invadiu os bolsões virtuais onde os milicianos digitais do bolsonarismo destilam ódio e disseminam mentiras. Agora, o desconforto presidencial atinge o ápice porque o próprio Bolsonaro se tornou alvo das investigações. 

Bolsonaro é o tipo de pessoa que bate a cabeça na parede diuturnamente, achando que com isso acabará criando uma porta. Ele parece também não saber que, quando se está no fundo do buraco, o melhor a fazer é parar de cavar, pois troca a picareta pela pá e joga terra sobre si mesmo, fornecendo mais matéria prima para os investigadores. 

As ameaças à realização das eleições de 2022, a defesa do voto impresso e o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes foram os últimos capítulos que levaram à mais nova crise institucional — patrocinada por uma escalada golpista de Bolsonaro. O clima de ebulição em Brasília, instalado a partir de ataques do chefe do Executivo aos demais Poderes não é novo e tem sido algo recorrente no seu mandato. Desta vez, no entanto, a tensão envolve o pleito do ano que vem, investigações que miram o presidente e os protestos contra e a favor dele, marcados para o feriado de 7 de Setembro nas principais cidades do país.

Agosto ainda nem acabou e a usina de crises travestida de presidente da República já está aceitando encomendas para o mês que vem. Para que a estratégia de Bolsonaro dê certo, o Brasil precisa dar muito errado. Isso me faz lembrar de uma velha fábula:

No tempo em que os animais falavam, o Burro disse ao Tigre que a grama era azul, e o Tigre respondeu que não, que a grama era verde. Diante do impasse, eles se dirigiram à toca do Leão, a quem caberia a palavra final. 

Tão logo avistou o Rei da Selva, o burro se pôs a rinchar: "Vossa alteza, não é verdade que a grama é azul?" Antes que o Leão dissesse qualquer coisa, o Burro insistiu: "O Tigre discorda de mim, majestade, e isso me incomoda. Peço a vossa alteza que o castigue." 

Diante disso, o Leão sentenciou: "O Tigre será punido com 5 dias de silêncio". O Burro agradeceu e seguiu seu caminho feliz da vida, repetindo: "A grama é azul, a grama é azul...

O Tigre perguntou ao Leão: "Majestade, vossa alteza sabe que a grama é verde. Então, por que me castigou?". E o Leão respondeu: "Isso não tem nada a ver com a grama ser verde ou azul, mas com o fato de não ser admissível que alguém inteligente como você perca tempo discutindo com um burro e, ainda por cima, venha me incomodar com essa bobagem".

Moral da história: Quando a ignorância grita, a inteligência cala, pois a paz e a tranquilidade valem mais.