quinta-feira, 19 de agosto de 2021

RECORDAR É VIVER

 

"A eleição de Jair Bolsonaro marca a ascensão ao poder de uma direita liberal na economia e conservadora nos costumes, num fenômeno que tem potencial para mudar profundamente o rumo político e social do Brasil pelas próximas décadas", comemorou a Gazeta do Povo em 31 de outubro de 2018.

Já o G1 publicou o seguinte:  "Candidato do PSL derrotou o petista Fernando Haddad no segundo turno, com 55% dos votos, e foi eleito o 38º presidente do Brasil. Capitão reformado do Exército e deputado federal desde 1991, Bolsonaro se elegeu com promessas de reformas liberais na economia e um discurso conservador, contrário à corrupção, ao PT e ao próprio sistema político."

Soando menos empolgado, o Estado de Minas assim se pronunciou: "As declarações controversas do deputado Jair Bolsonaro aos poucos se transformaram de piadas compartilhadas nas redes sociais em ideias defendidas por milhões de apoiadores. Em momento de grave crise política que o país atravessa, o capitão reformado do Exército se tornou porta-voz das insatisfações de grande parte da população."

Na mesma matéria, o especialista em marketing político Gaudêncio Torquato anotou: "Durante a campanha, Bolsonaro e sua equipe fizeram várias ações que deixam claro que ele não tem a intenção de unificar o país. Seu filho falou em fechar o Supremo, e ele falou sobre expurgar adversários políticos. [...] São falas preocupantes, mas Bolsonaro apostou nesse tipo de declaração ao longo de sua carreira política. A população brasileira continuará dividida a partir de 2019. E isso trará dificuldades ao governo de Bolsonaro. Seu maior desafio será conjugar uma política dura de contenção de gastos com o discurso populista de campanha. [...] Como militar, ele defende o nacionalismo e um Estado forte e intervencionista. Mas seu guru econômico, Paulo Guedes, é liberal e quer privatizar as estatais. Até onde poderá ir? Eletrobras? Petrobras? Bolsonaro também garante que reduzirá os ministérios, mas terá que enfrentar a realpolitik, em que os partidos querem abocanhar espaço em troca da governabilidade. Ele promete que não fará uma gestão compartilhada. Como será sua relação com o Congresso? Ou seja, pairam muitas dúvidas sobre nosso futuro."

Já este humilde escriba assim se manifestou (o texto a seguir condensa o conteúdo de três postagens que publiquei entre o final de outubro e o começo de novembro de 2018; para conferi-las na íntegra, selecione o ano e o  mês em questão no campo "Arquivos do Blog"):

Passadas apenas 30 horas da confirmação da vitória do candidato do PSL, seria no mínimo leviano conjecturar como será seu governo e como ele enfrentará os desafios que lhe serão impostos, sobretudo após eleição mais imprevisível, polarizada e conturbada desde a redemocratização. Mas é possível fazer algumas considerações. Isto posto, vamos a elas.

Depois que os militares voltaram para os quartéis e José Sarney assumiu a presidência — devido à morte de Tancredo Neves —, elegemos pelo voto direto Fernando Collor de MelloFernando Henrique CardosoLuiz Inácio Lula da SilvaDilma Vana Rousseff e Jair Messias Bolsonaro.

O pseudo caçador de marajás foi impichado e substituído pelo vice, Itamar Franco; o tucano FHC e os petistas Lula e Dilma se reelegeram, mas gerentona de araque foi impichada em 2016, quando então Michel Temer foi promovido a titular e encarregado de concluir o governo de transição cujas luzes se apagarão (melancolicamente) daqui a dois meses.

Num primeiro momento, o emedebista obteve relativo sucesso na missão, mas foi abatido em seu voo de galinha pela delação de Joesley Batista. Após fazer o diabo para se esquivar de duas denúncias por atos nada republicanos, aquele que almejava entrar para a história como "o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento" será lembrado como o primeiro presidente denunciado no exercício do cargo pela prática de crimes comuns.

Ainda que aos trancos e barrancos — haja vista o mensalão, o petrolão e outros escândalos de rapinagem revelados pela operação Lava-Jato —, sobrevivemos a uma década e meia de lulopetismo. O retirante nordestino que passou de metalúrgico a líder sindical e, 22 anos após fundar o PT, a presidente da República, não só fez oposição sistemática a FHC, mas também lhe atribuiu uma fantasiosa "herança maldita" — na verdade, o caminho para o sucesso da primeira gestão do petralha foi pavimentado pelo governo do tucano, que, de quebra, lhe assegurou popularidade suficiente para eleger o "poste" que manteria aquecida a poltrona presidencial entre 2010 e 2014, quando poderia voltar a ocupá-la.

Hoje, até as emas do Alvorada sabem que os verdadeiros responsáveis pela derrocada brasileira, sobretudo no âmbito da economia, foram Lula, sua incompetente sucessora e a organização criminosa travestida em partido político e conhecida como PT. Mas o momento é de baixar a bola e resgatar a capacidade de lidar com os contrários.

A despeito da cizânia fomentada por Lula e seu "nós contra eles" assumir proporções gigantescas, notadamente depois que os seguidores de Bolsonaro passaram a retribuir a gentileza, não há, no Brasil, nem 50 milhões de "fascistas", nem 47 milhões de "comunistas".  A rigor, nem os votos recebidos pelos candidatos no último domingo são todos deles. Muitos eleitores que votaram no capitão não eram bolsomínions, simpatizantes nem admiradores de suas propostas, mas gente que não queria (e continua não querendo) ver o Brasil governado por um presidiário. Mutatis mutandis, esse raciocínio se aplica ao candidato derrotado, já que uma parcela significativa dos votos que ele recebeu veio de eleitores preocupados com a possibilidade de a vitória do deputado-capitão servir de "passaporte para a volta da ditadura militar". Sem mencionar que a rejeição a ambos atingiu patamares estratosféricos.

Nada disso teria sido necessário se, no primeiro turno, o "esclarecidíssimo" eleitorado tupiniquim tivesse apostado num candidato mais "de centro". Entre aquela trupe de show de horrores havia candidatos como João Amoedo, Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin — aliás, o picolé de chuchu seria uma escolha natural, visto que PSDB e PT disputaram todas as finais dos campeonatos presidenciais de 1994 a 2014.

Mas agora é tarde, Inês é morta. Felizmente, no duelo épico entre "o bem e o mal" do último dia 28 (o que um e outro candidato representava dependia dos olhos de quem os visse) venceu o melhor — ou o "menos pior": Haddad na presidência seria Lula no poder e José Dirceu no caixa.

A vitória de Jair Messias Bolsonaro é um fait accompli, em que pesem as cinco ações em que o presidente eleito e o candidato derrotado se acusam mutuamente de abuso de poder econômico na campanha e pedem um a inelegibilidade do outro.

A ministra Rosa Weber, atual presidente do TSE, disse que as investigações têm um período de "instrução probatória" e o corregedor irá perceber necessidade de provas que definirão maior ou menor necessidade de tempo. Em outras palavras, a Corte pode chegar a uma decisão nos próximos dias ou nos próximos anos — basta lembrar que a ação movida pelos tucanos contra a chapa Dilma-Temer, depois da derrota de Aécio em 2014, só foi julgada em junho do ano passado.

Bolsonaro é réu no STF (decisão da 1ª Turma por 4 votos a 1, vencido o ministro Marco Aurélio) pelos crimes de injuria e apologia ao estupro. A ação, que foi aberta em 2016 e está em fase final, investiga o episódio no qual, em 2014 o deputado afirmou (na Câmara e em entrevista ao jornal Zero Hora) que a colega petista Maria do Rosário "não merecia ser estuprada porque era muito feia e não fazia seu ‘tipo’". 

Mais recentemente, outra denúncia contra Bolsonaro (desta vez por crime de racismo) foi submetida ao STF, mas o julgamento de seu recebimento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, depois que os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux votaram pela rejeição e Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, pela aceitação.

Segundo a Constituição, "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Isso significa que processos anteriores à posse terão sua tramitação suspensa até que o réu deixe o cargo de presidente.

Caso fosse condenado e a decisão transitasse em julgado antes da posse (o que é absolutamente improvável), há duas correntes de entendimento: na primeira, Bolsonaro teria os direitos políticos suspensos, o que impediria a posse; na segunda, crimes definidos em lei como de menor poder ofensivo (injúria, difamação, apologia ao crime etc.) não se enquadram no disposto pela Lei da Ficha-Limpa e, portanto, não acarretariam inelegibilidade. Mas parece ser unânime o entendimento de que "pelo bem da estabilidade política, o presidente eleito não deverá ser condenado antes da posse", e depois que ele assumir, o processo será suspenso.

Declarações polêmicas são a marca registrada de Bolsonaro, que, a exemplo de Ciro Gomes, não tem papas na língua e diz o que pensa antes de pensar no que vai dizer. Diz um ditado que "peixe morre pela boca", mas foi justamente essa postura, digamos, intempestiva, que conquistou dezenas de milhões de votos.

Já o PT usa a estratégia da vitimização. Ultimamente, isso tem funcionado apenas com a patuleia, que dada sua fidelidade canina a Lula e ao partido, não precisa ser convencida de nada.

Picuinhas à parte, a vitória de Bolsonaro reacendeu nossa esperança. Há uma luz no fim do túnel que, pela primeira vez em anos, parece não vir do farol da locomotiva. Claro que o presidente eleito terá um trabalho monstruoso pela frente, e será cobrado "por ter cachorro e por não ter". Um prenúncio dessa oposição ferrenha é a repercussão do convite feito a Sérgio Moro para a "superpasta da Justiça". Como se sabe, a facção esquerdopata pode não prestar como governo, mas é habilíssima como oposição, e certamente criticará tudo que Bolsonaro fizer, e pintará com as cores da aleivosia cada frase que ele disser.

Tudo somado e subtraído, importa, agora, resgatar a capacidade de lidar com os contrários, pois bolsonaristas, petistas, direitistas e esquerdistas são todos brasileiros. E cabe ao presidente eleito governar para todos os brasileiros.

Torçamos, pois, pelo melhor, e façamos votos de que Bolsonaro esteja à altura do desafio — que inclui uma economia em frangalhos, uma recessão cruel e um nível de desemprego em patamares indecentes (problemas que o PT e seus satélites atribuem candidamente a Michel Temer, mas que foram gestados e paridos no governo Dilma, de quem Temer foi vice de 1º de janeiro de 2011 até o momento em que a titular foi penabundada e ele assumiu o posto).

***

Faltam 14 meses para as próximas eleições gerais. Lamentavelmente, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, teremos um repeteco da situação tenebrosa que nos foi imposta, nas eleições passadas, pela polarização, pela cizânia, pelo negacionismo e pela mais absoluta falta de bom senso  Se o pleito presidencial de 2018 foi um "plebiscito" (no qual o povo repudiou o lulopetismo corrupto), o de 2022 tem tudo para ser um “dilema atroz”. 

A menos que surja alguém capaz de unir os “nem-nem” (nem Lula, nem Bolsonaro), assistiremos impotentes a outro embate entre o lulopetismo corrupto e o bolsonarismo boçal — e sairemos perdendo, independentemente de quem vencer a eleição.

É fundamental (e urgente) refletir sobre tudo isso. Quem não mira o futuro está fadado a viver eternamente a repetição do seu passado.