"A eleição de Jair Bolsonaro marca a
ascensão ao poder de uma direita liberal na economia e conservadora nos
costumes, num fenômeno que tem potencial para mudar profundamente o rumo
político e social do Brasil pelas próximas décadas", comemorou
a Gazeta do Povo em 31 de outubro de 2018.
Já o G1 publicou
o seguinte: "Candidato
do PSL derrotou o petista Fernando Haddad no segundo turno, com 55% dos
votos, e foi eleito o 38º presidente do Brasil. Capitão reformado do Exército e
deputado federal desde 1991, Bolsonaro se elegeu com promessas de
reformas liberais na economia e um discurso conservador, contrário à corrupção,
ao PT e ao próprio sistema político."
Soando menos empolgado, o Estado de Minas assim
se pronunciou: "As declarações controversas do deputado Jair
Bolsonaro aos poucos se transformaram de piadas compartilhadas nas redes
sociais em ideias defendidas por milhões de apoiadores. Em momento de grave
crise política que o país atravessa, o capitão reformado do Exército se tornou
porta-voz das insatisfações de grande parte da população."
Na mesma matéria, o especialista em marketing político Gaudêncio
Torquato anotou: "Durante a
campanha, Bolsonaro e sua equipe fizeram várias ações que deixam claro
que ele não tem a intenção de unificar o país. Seu filho falou em fechar o Supremo,
e ele falou sobre expurgar adversários políticos. [...] São falas preocupantes,
mas Bolsonaro apostou nesse tipo de declaração ao longo de sua carreira
política. A população brasileira continuará dividida a partir de 2019. E isso
trará dificuldades ao governo de Bolsonaro. Seu maior desafio será
conjugar uma política dura de contenção de gastos com o discurso populista de
campanha. [...] Como militar, ele defende o nacionalismo e um Estado forte e
intervencionista. Mas seu guru econômico, Paulo Guedes, é liberal e quer
privatizar as estatais. Até onde poderá ir? Eletrobras? Petrobras? Bolsonaro
também garante que reduzirá os ministérios, mas terá que enfrentar a
realpolitik, em que os partidos querem abocanhar espaço em troca da
governabilidade. Ele promete que não fará uma gestão compartilhada. Como será
sua relação com o Congresso? Ou seja, pairam muitas dúvidas sobre nosso futuro."
Já este humilde escriba assim se manifestou (o texto a seguir
condensa o conteúdo de três postagens que publiquei entre o final de outubro e
o começo de novembro de 2018; para conferi-las na íntegra, selecione o ano e o mês em questão no campo "Arquivos do Blog"):
Passadas apenas 30 horas da confirmação da vitória do
candidato do PSL, seria no mínimo leviano conjecturar como será seu governo e
como ele enfrentará os desafios que lhe serão impostos, sobretudo após eleição
mais imprevisível, polarizada e conturbada desde a redemocratização. Mas é
possível fazer algumas considerações. Isto posto, vamos a elas.
Depois que os militares voltaram para os quartéis e José
Sarney assumiu a presidência — devido à morte de Tancredo
Neves —, elegemos pelo voto direto Fernando Collor de
Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da
Silva, Dilma Vana Rousseff e Jair Messias
Bolsonaro.
O pseudo caçador de marajás foi impichado e substituído pelo
vice, Itamar Franco; o tucano FHC e os
petistas Lula e Dilma se reelegeram, mas gerentona
de araque foi impichada em 2016, quando então Michel Temer foi
promovido a titular e encarregado de concluir o governo de transição cujas
luzes se apagarão (melancolicamente) daqui a dois meses.
Num primeiro momento, o emedebista obteve relativo sucesso
na missão, mas foi abatido em seu voo de galinha pela delação de Joesley
Batista. Após fazer o diabo para se esquivar de duas denúncias por atos
nada republicanos, aquele que almejava entrar para a história como "o
cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento" será lembrado
como o primeiro presidente denunciado no exercício do cargo pela prática de
crimes comuns.
Ainda que aos trancos e barrancos — haja vista o mensalão,
o petrolão e outros escândalos de rapinagem revelados pela
operação Lava-Jato —, sobrevivemos a uma década e meia de
lulopetismo. O retirante nordestino que passou de metalúrgico a líder sindical
e, 22 anos após fundar o PT, a presidente da República, não só fez
oposição sistemática a FHC, mas também lhe atribuiu uma fantasiosa "herança
maldita" — na verdade, o caminho para o sucesso da primeira gestão do
petralha foi pavimentado pelo governo do tucano, que, de quebra, lhe assegurou
popularidade suficiente para eleger o "poste" que manteria aquecida a
poltrona presidencial entre 2010 e 2014, quando poderia voltar a ocupá-la.
Hoje, até as emas do Alvorada sabem que os verdadeiros
responsáveis pela derrocada brasileira, sobretudo no âmbito da economia,
foram Lula, sua incompetente sucessora e a organização criminosa
travestida em partido político e conhecida como PT. Mas o momento é
de baixar a bola e resgatar a capacidade de lidar com os contrários.
A despeito da cizânia fomentada por Lula e
seu "nós contra eles" assumir proporções gigantescas, notadamente
depois que os seguidores de Bolsonaro passaram a retribuir a
gentileza, não há, no Brasil, nem 50 milhões de "fascistas", nem 47
milhões de "comunistas". A rigor, nem os votos recebidos
pelos candidatos no último domingo são todos deles. Muitos eleitores que
votaram no capitão não eram bolsomínions, simpatizantes nem admiradores de suas
propostas, mas gente que não queria (e continua não querendo) ver o Brasil
governado por um presidiário. Mutatis mutandis, esse raciocínio
se aplica ao candidato derrotado, já que uma parcela significativa dos votos
que ele recebeu veio de eleitores preocupados com a possibilidade de a vitória
do deputado-capitão servir de "passaporte para a volta da ditadura
militar". Sem mencionar que a rejeição a ambos atingiu patamares
estratosféricos.
Nada disso teria sido necessário se, no primeiro turno, o "esclarecidíssimo"
eleitorado tupiniquim tivesse apostado num candidato mais "de centro".
Entre aquela trupe de show de horrores havia candidatos como João Amoedo,
Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin — aliás, o picolé de
chuchu seria uma escolha natural, visto que PSDB e PT disputaram
todas as finais dos campeonatos presidenciais de 1994 a 2014.
Mas agora é tarde, Inês é morta. Felizmente, no duelo épico
entre "o bem e o mal" do último dia 28 (o que um e outro candidato
representava dependia dos olhos de quem os visse) venceu o melhor — ou o "menos
pior": Haddad na presidência seria Lula no
poder e José Dirceu no caixa.
A vitória de Jair Messias Bolsonaro é
um fait accompli, em que pesem as cinco ações em que o presidente
eleito e o candidato derrotado se acusam mutuamente de abuso de poder econômico
na campanha e pedem um a inelegibilidade do outro.
A ministra Rosa Weber, atual
presidente do TSE, disse que as investigações têm um
período de "instrução probatória" e o corregedor irá perceber
necessidade de provas que definirão maior ou menor necessidade de tempo. Em
outras palavras, a Corte pode chegar a uma decisão nos próximos dias ou nos
próximos anos — basta lembrar que a ação movida pelos tucanos contra a
chapa Dilma-Temer, depois da derrota de Aécio em
2014, só foi julgada em junho do ano passado.
Bolsonaro é réu no STF (decisão
da 1ª Turma por 4 votos a 1, vencido o ministro Marco
Aurélio) pelos crimes de injuria e apologia ao estupro. A ação,
que foi aberta em 2016 e está em fase final, investiga o episódio no qual, em 2014
o deputado afirmou (na Câmara e em entrevista ao jornal Zero Hora)
que a colega petista Maria do Rosário "não merecia ser
estuprada porque era muito feia e não fazia seu ‘tipo’".
Mais recentemente, outra denúncia contra Bolsonaro (desta
vez por crime de racismo)
foi submetida ao STF, mas o julgamento de seu recebimento foi
suspenso pelo pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes,
depois que os ministros Marco Aurélio e Luiz Fux votaram
pela rejeição e Luís Roberto Barroso e Rosa Weber,
pela aceitação.
Segundo a Constituição, "o Presidente da República,
na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao
exercício de suas funções". Isso significa que processos anteriores à
posse terão sua tramitação suspensa até que o réu deixe o cargo de presidente.
Caso fosse condenado e a decisão transitasse em julgado
antes da posse (o que é absolutamente improvável), há duas correntes de
entendimento: na primeira, Bolsonaro teria os direitos
políticos suspensos, o que impediria a posse; na segunda, crimes definidos em
lei como de menor poder ofensivo (injúria, difamação, apologia ao crime etc.)
não se enquadram no disposto pela Lei da Ficha-Limpa e,
portanto, não acarretariam inelegibilidade. Mas parece ser unânime o
entendimento de que "pelo bem da estabilidade política, o presidente
eleito não deverá ser condenado antes da posse", e depois que ele
assumir, o processo será suspenso.
Declarações polêmicas são a marca registrada de Bolsonaro,
que, a exemplo de Ciro Gomes, não tem papas na língua e diz o que
pensa antes de pensar no que vai dizer. Diz um ditado que "peixe morre
pela boca", mas foi justamente essa postura, digamos, intempestiva,
que conquistou dezenas de milhões de votos.
Já o PT usa a estratégia da vitimização.
Ultimamente, isso tem funcionado apenas com a patuleia, que dada sua fidelidade
canina a Lula e ao partido, não precisa ser convencida de nada.
Picuinhas à parte, a vitória de Bolsonaro reacendeu
nossa esperança. Há uma luz no fim do túnel que, pela primeira vez em anos,
parece não vir do farol da locomotiva. Claro que o presidente eleito terá um
trabalho monstruoso pela frente, e será cobrado "por ter cachorro e por
não ter". Um prenúncio dessa oposição ferrenha é a repercussão do
convite feito a Sérgio Moro para a "superpasta da
Justiça". Como se sabe, a facção esquerdopata pode não prestar como
governo, mas é habilíssima como oposição, e certamente criticará tudo que Bolsonaro fizer,
e pintará com as cores da aleivosia cada frase que ele disser.
Tudo somado e subtraído, importa, agora, resgatar a
capacidade de lidar com os contrários, pois bolsonaristas, petistas,
direitistas e esquerdistas são todos brasileiros. E cabe ao presidente eleito governar
para todos os brasileiros.
Torçamos, pois, pelo melhor, e façamos votos de que Bolsonaro
esteja à altura do desafio — que inclui uma economia em frangalhos, uma
recessão cruel e um nível de desemprego em patamares indecentes (problemas que
o PT e seus satélites atribuem candidamente a Michel
Temer, mas que foram gestados e paridos no governo Dilma, de
quem Temer foi vice de 1º de janeiro de 2011 até o momento em
que a titular foi penabundada e ele assumiu o posto).
***
Faltam 14 meses para as próximas eleições gerais. Lamentavelmente, a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, teremos um repeteco da situação tenebrosa que nos foi imposta, nas eleições passadas, pela polarização, pela cizânia, pelo negacionismo e pela mais absoluta falta de bom senso Se o pleito presidencial de 2018 foi um "plebiscito" (no qual o povo repudiou o lulopetismo corrupto), o de 2022 tem tudo para ser um “dilema atroz”.
A menos que surja alguém capaz de unir os “nem-nem” (nem Lula, nem Bolsonaro), assistiremos impotentes a outro embate entre o lulopetismo corrupto e o bolsonarismo boçal — e sairemos perdendo, independentemente de quem vencer a eleição.
É fundamental (e urgente) refletir sobre tudo isso. Quem não mira o futuro está fadado a viver eternamente a repetição do seu passado.