A dicotomia político-ideológica instalada pelo ex-presidiário
de Curitiba no tempo em que sua agremiação criminosa disputava a Presidência
com os tucanos foi estrumada pelos bolsomínions e transformou Lula, Bolsonaro
e a polarização (não necessariamente nessa ordem de apresentação) nos
maiores problemas da nação.
Saramago dizia que a cegueira é um problema
particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram. Mas sempre há quem se
esforce para quebrar todos os recordes. Os sectários do "mito" de
festim conseguem ser mais estúpidos que os mortadelas e, por mal de nossos
pecados, essa caterva vota.
A incompetência chapada de um eleitorado composto majoritariamente
por apedeutas, desinformados e cretinos de quatro costados resultou na ascensão
de uma súcia de políticos que não deveriam presidir sequer assembleia em
condomínio de periferia. Não espanta, portanto, terem sido guindados para o
segundo turno do pleito de 2018 o então presidiário e a reencarnação de Caronte
— que fomos obrigados a engolir para evitar a volta da cleptocracia petista.
O Barqueiro de Hades, que vem destruindo dia após
dia, tijolo por tijolo, o pouco que restou do Brasil após 13 anos, 4 meses e 12
dias de lulopetismo corrupto, ainda vê motivos para comemorar sua calamitosa passagem
pela Presidência. E mais: no discurso que porferiu em Boa Vista (RR), o despirocado
falou em "mil
anos de gestão". Tudo bem que desgraça pouca é bobagem, mas é
preciso ir devagar com o andor que o santo é de barro.
Enquanto Bolsonaro comemorava sabe-se lá o que, a CPI
do Genocídio perdia parte dos pontos que havia conquistado no dia anterior
com a oitiva de Bruna Morato.
A advogada cravou mais
um prego no caixão dos gestores da Prevent Senior, mas resta saber se,
ao bater no ventilador, esse monumental caminhão de merda não atingirá atingir
também os 540 mil conveniados do plano.
Inquirir Luciano Hang foi um erro estratégico
primário da CPI, sobretudo porque o relator estava claramente
despreparado para extrair do interrogado informações que demonstrassem de forma
cabal sua ligação com o gabinete
paralelo e o financiamento
da disseminação de fake news. Pior: Renan patrocinou, ainda que
involuntariamente, um comício de 6 horas em prol da candidatura do depoente ao Senado.
Hang chegou acompanhado de uma “tropa de choque” de
senadores governistas e se negou a firmar o compromisso de dizer a verdade
durante a sessão. De plano, contestou
todas as acusações. Escorregadio como um bagre ensaboado e matreiro como uma raposa,
usou
a Comissão como veículo para promover suas lojas e desfiou um caudaloso
rosário de narrativas que os vídeos exibidos durante a inquirição demonstram
claramente ser um amontoado de mentiras. Até aí, nenhuma novidade.
Em uma das gravações, o curandeiro barriga-verde era visto
apresentando um “protocolo” composto por hidroxicloroquina e ivermectina
e indicava inclusive a dosagem a ser administrada às vítimas. Hang disse
que "mal conhecia" Ricardo Barros, mas tomou com ele o
desjejum na manhã do depoimento. Também minimizou suas relações com
Bolsonaro, embora seja visto de braço dado com o capitão numa reunião em
Brasília e na garupa da moto do dito-cujo em motociatas promovidas em Santa
Catarina.
O Velho da Havan — que ecoa seu presidente na defesa
de remédios comprovadamente ineficazes contra o coronavírus — disse ter
autorizado os médicos da Prevent a adotar terapias ineficazes no
tratamento de sua mãe, morta
em 4 de fevereiro, e que só tomou conhecimento de que a Covid
não constava no atestado de óbito de Luciana Hang pela
CPI, embora soubesse disso desde abril.
Segundo O Antagonista, fez o jogo virar a
favor dos bolsonaristas e contra a CPI no Twitter — cerca de 465
mil tuítes foram publicados com protagonismo do engajamento à direita. O nome
do depoente e a hashtag #Cpidocirco dominaram os trending topics. É
a mesma escória do 7 de Setembro, uma minoria barulhenta — e doente — que foi
às ruas pisotear 600 mil cadáveres. Hang representa os pequenos
comerciantes que queriam manter as lojinhas abertas durante a epidemia, a
despeito dos mortos. A cloroquina é isso: um truque para ludibriar os coitados
dos brasileiros. O Twitter repercute o bumbo obscurantista, mas afunda
ainda mais Bolsonaro e seus comparsas.
Com o nítido objetivo de tumultuar
a sessão, Hang exibiu cartazes (que o Omar Aziz mandou
recolher), tentou ditar o andamento dos trabalhos e irritou parlamentares
independentes e de oposição ao fazer a propaganda da própria empresa. Durante a
audiência, dada a persistência da senadora maranhense Eliziane Gama, acabou
confirmando que arrecadou dinheiro para a compra e distribuição do chamado “kit
Covid”. Ele também admitiu manter
contas no exterior e empresas offshore, mas não reconheceu
que as utilizou para financiar a propagação de fake news sobre a pandemia.
Talvez o resultado fosse outro se o relator se preocupasse menos em tripudiar
do depoente e se concentrasse em inquiri-lo.
É fato que Hang doou 200 cilindros de oxigênio para Manaus em
janeiro de 2021 — em 27 de janeiro, ele publicou numa rede social o anúncio da doação; no dia
seguinte, fez outro post mostrando os primeiros 50 cilindros
já na cidade. Por outro lado, é falsa a informação de que os atos
antidemocráticos do último dia 7 foram a "maior manifestação da
história do Brasil".
Embora não tenha sido feito um balanço nacional, imagens
registradas no feriado da Independência indicam que a adesão popular perdeu
longe para a dos protestos contra Dilma em 2016. De acordo com um levantamento
feito pelo g1, apenas sete estados fizeram uma estimativa de público,
com menos de 400
mil manifestantes contabilizados. Em contrapartida, dados da PM
dão conta de que a Avenida Paulista foi tomada por cerca de 125 mil palhaços;
em 1984, no famoso
comício pelas Diretas Já, havia cerca 1,5 milhão de pessoas no Vale do
Anhangabaú.
Observação: Levando em conta os dados públicos
disponíveis, o maior ato político já registrado nesta banânia ocorreu
em março
de 2016, quando 3,6 milhões de manifestantes foram às ruas em mais de
300 cidades para pedir o impeachment de Dilma (os organizadores falaram
em 6,8 milhões).
Ao contrário do que Hang declarou à CPI, seus
funcionários foram coagidos a votar em Bolsonaro. Atendendo a um pedido
do Ministério
Público do Trabalho — que recebeu 47 notícias de fato na Procuradoria
do Trabalho com relatos de coação dos trabalhadores da Havan a votar
no candidato do empresário —, a 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis proibiu
qualquer tipo de pressão para que os colaboradores votassem em determinado
candidato.
O TSE também
condenou Hang por propaganda irregular em favor de Bolsonaro em
2018. A ação foi ajuizada pela coligação Para Unir o Brasil, do então candidato
tucano Geraldo Alckmin, que alegou "propaganda em bem de uso
comum" pela publicação de um vídeo, gravado dentro de uma unidade da Havan
em Santa Catarina. No vídeo, o Velho da Havan criticou os partidos de
esquerda e não só afirmou que talvez não abrisse mais lojas caso seu candidato fosse
derrotado como ameaçou fechar as portas e demitir 15 mil funcionários.
Tampouco procede a informação de que "Brusque é a
cidade com menor letalidade [por Covid] no país”. Dados tabulados pela Universidade Federal de Viçosa
com base nas informações oficiais de cada município mostram que há mais de
550 cidades brasileiras com letalidade menor. Em um outro momento do
depoimento, Hang fez a mesma afirmação ponderando que "Brusque
era líder no ranking das cidades com mais de 100 mil habitantes", mas Santana
(AP), Parauapebas (PA) e São Félix do Xingu (PA), por exemplo,
têm índices menores. A taxa de letalidade de Brusque, de 1,05%, é menor
que a média nacional (2,41%), mas tal cálculo não é o ideal para medir a
mortandade, já que a subnotificação e a falta de testagem podem subdimensionar
o resultado.
Resumo da ópera: Depois de fornecer a estrutura — apartamento
funcional, transporte, psicólogo e todos aqueles assessores — para os senadores
se prepararem da melhor maneira, de bancar o aluguel do palco, a iluminação, o
som e a TV Senado, a plateia (leia-se nós) assistiu, na última quarta-feira, a
mais um espetáculo circense de quinta categoria. Eram favas contadas que o empresário
faria as palhaçadas habituais, mas o mínimo que se esperava dos membros da CPI
era uma boa frase, um insulto mais sofisticado, uma ironia refinada, uma bala
de prata qualquer que compensasse o custo. Na prática, Hang ganhou de
presente um comercial hipertrofiado da Havan, com direito à exibição de
um vídeo institucional da sua rede de lojas. Tudo financiado pelo déficit
público, com reprodução gratuita na GloboNews e na CNN.
Antes de chegar à sala de audiência, Hang chamou Renan
Calheiros de corrupto nas redes sociais. Mordendo a isca, o relator
insinuou que o
depoente é o bobo da corte. Chefe da milícia parlamentar que ofereceu
serviço de guarda-costas ao escalvado, o senador das rachadinhas reagiu: "Cinismo".
No final, a CPI não conseguiu senão provar que Luciano é mesmo o Hang
que todos imaginavam — um sujeito que se veste como papagaio, vive no ombro de Bolsonaro,
acha que o isolamento social prejudica os negócios, anuncia em sites de
notícias falsas, autoriza a Prevent Senior a enfiar cloroquina na goela
da mãe com Covid e dá de ombros para a omissão da doença na certidão de
óbito.
Alguns membros da Comissão farejaram a fiasco e tentaram
desconvocar o Velho da Havan, mas o relator bateu o pé. Renan não
é um adversário de pouca expressão. Trata-se de um peso pesado, ex-presidente
do Senado e réu ou investigado em pelo menos 17 ações em trâmite eterno no supremo
cemitério de processos. Mas o senador demora a perceber que foi convertido em
coadjuvante no picadeiro de um palhaço de ego mais articulado.
O brasileiro adora um picadeiro, mas não suporta fazer papel
de palhaço.
Com Fato ou
Fake e Josias de Souza