quinta-feira, 28 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA SEGUNDA PARTE



Em 2003, quando Lula assumiu a presidência, a inflação havia baixado para 12,53% ao ano — donde a folclórica "herança maldita" que o PT canta em verso e prosa até hoje nunca passou de conversa mole para boi dormir. Em 2014quando FHC criticou Lula pelo baixo nível da campanha de Dilma, o molusco abjeto respondeu: “Vi o ex-presidente falar com a maior desfaçatez: ‘É preciso acabar com a corrupção’. Ele devia dizer quem é que estabeleceu a maior promiscuidade entre Executivo e Congresso quando ele começou a comprar voto para ser aprovada a reeleição”.

Observação: Lula reclamar de corrupção em governo alheio é o mesmo que Marcola, chefe do PCC, imputar crimes à facção arquirrival Comando Vermelho, mas enfim...  

Vinte e três anos após a aprovação da PEC, o sultão do Tucanistão, do alto de seus 89 anos, escreveu no Estadão que a mudança foi um erro: "Cabe aqui um ‘mea culpa’. Permiti, e por fim aceitei, o instituto da reeleição […]. Sabia, e continuo pensando assim, que um mandato de 4 anos é pouco para ‘fazer algo’. Tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos. Visto hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade”.

Há algumas imprecisões nessa cantilena. O fato de FHC sofismar, citando um fato verdadeiro para negar outro, não excludente e igualmente verídico, não apaga a miríade de provas documentais da compra de votos. Segundo ele "de nada vale desmentir que a maioria da população e do Congresso era favorável à minha reeleição: temiam a vitória… do Lula”. Mas isso nos leva à seguinte pergunta: se o Congresso era a favor, por que seria necessário comprar votos?

É fato que em 1997 o Plano Real estava no seu momento mais positivo e que havia ampla oposição ao petralha. Só que a praxe no Congresso era (e continua sendo) trocar votos por verbas e cargos no governo. No caso em tela, não faltam provas de que uma parte dos deputados foi realmente comprada com dinheiro vivo.

Em gravações (e não se trata de grampos telefônicos, mas de gravações presenciais), os deputados federais Ronivon Santiago e João Maia, ambos do Acre e à época filiados ao PFL, hoje DEM, relatavam ter recebido R$ 200 mil em dinheiro para votar a favor da reeleição. Outros 3 deputados eram citados de maneira explícita e dezenas de congressistas também participaram do esquema. Nenhum deles foi investigado e muito menos punido pelo Congresso.

Apesar disso, o então engavetador-geral da República, Geraldo Brindeiro, rejeitou os pedidos para que uma denúncia contra FHC fosse apresentada ao STF, e uma CPI foi abafada pelo Planalto através da... distribuição de cargos para partidos alinhados com o governo.

Em 2016, no 2º volume de seus “Diários da Presidência”, FHC voltou ao tema: "As compras de votos, se houve — e pode ter havido —, não foram feitas pelo governo, pelo PSDB e muito menos por mim". Quatro anos depois, ele negou taxativamente o episódio em artigo publicado em O Estado.

Os deputados gravados citavam 3 nomes: o ministro das Comunicações à época, Sérgio Motta (que era amigo pessoal de FHC e seu principal articulador político), e os então governadores do Amazonas, Amazonino Mendes, e do Acre, Orleir Cameli, que eram aliados do Palácio do Planalto. "Serjão" morreu em 1998 e Orleir, em 2013. Amazonino tem 80 anos e continua sendo influente no Amazonas. Nenhum deles jamais foi investigado e todos seguem negando qualquer envolvimento na compra de votos a favor da emenda da reeleição.

Em maio de 1997, 8 dias depois de o caso ter sido publicado pela Folha, os dois deputados gravados renunciaram ao mandato. Ambos enviaram ofícios idênticos ao então presidente da Câmara, alegando "motivos de foro íntimo". Em comentário irônico à época, o então deputado federal Delfim Netto disse: "Nunca vi ganhar um boi para entrar e uma boiada para sair". Dias depois, tomaram posse como ministros Eliseu Padilha (Transportes) e Iris Rezende (Justiça). Ambos eram do PMDB — partido que mais contribuiu para a impedir a instalação da CPI sobre a compra de votos. Pouco antes de o caso eclodir, FHC se negava peremptoriamente a indicar os nomes do PMDB para a Esplanada dos Ministérios.

Em 27 de junho de 1997, Geraldo Brindeiro foi reconduzido à PGR, que comandou durante 8 anos, de julho de 1995 a junho de 2003, indicado todas as vezes por FHC. E viva o povo brasileiro.

Continua...