As eleições indiretas convocadas pelo AI-1 alçaram à
Presidência o marechal Humberto
de Alencar Castelo Branco, que foi sucedido por Costa e Silva.
Na sequência, ocuparam o Palácio do Planalto os generais Emílio
Garrastazu Médici, Ernesto Beckmann Geisel
e João Baptista
de Oliveira Figueiredo.
Médici manteve a postura “linha-dura” iniciada em
1968; Geisel, que assumiu em 1974 e governou até 1979, deu início a um
processo de abertura (lenta,
gradual e segura) que culminou na Lei de Anistia.
"Se é vontade do povo brasileiro, eu promoverei a abertura política no
Brasil. Mas chegará um tempo em que o povo sentirá saudade do regime militar,
pois muitos desses que lideram o fim do regime não estão pensando no bem do
povo, mas, sim, em seus próprios interesses", disse o "Alemão", que, pelo visto, sabia das coisas.
João Figueiredo — o "João do Povo",
como os marqueteiros chapa-branca de então tentaram, sem êxito, alcunhar o
militar casca-grossa — foi incumbido de concluir a transição política. "Estou
fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem:
no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel", disse o
presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, e que,
perguntado por uma criança o que ele faria se fosse criança e
seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu candidamente: “daria um
tiro no coco.”
Entre 1983 e 1984, milhões de brasileiros saíram às ruas em prol das “Diretas Já” — para presidente da República; os governadores, que eram ”biônicos” (nomeados pelos militares) desde o golpe de 1964, voltaram a ser eleitos pelo voto popular em 1982. No apagar das luzes da gestão de Figueiredo, depois que a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada pelo Congresso, um colégio eleitoral composto por senadores, deputados federais e delegados da assembleias legislativas dos Estados guindou à Presidência Tancredo de Almeida Neves, que foi hospitalizado 12 horas antes da cerimônia de posse e declarado morto 38 dias e sete cirurgias depois, torando-se uma espécie de Viúva Porcina — aquela que foi sem nunca ter sido.
Tancredo é tido e havido por muitos como o melhor presidente que o Brasil já teve, embora não seja possível dizer com certeza como o país estaria se ele, e não o oligarca José Sarney — a quem Figueiredo se recusou a transferir a faixa presidencial: "Faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor" — tivesse assumido a Presidência. E a gestão do poeta e acadêmico maranhense, autor de Marimbondos de Fogo e um sem-número de contos, crônicas, ensaios e romances, foi bem menos profícua que sua obra literária.
Observação: Vale destacar que o primeiro presidente eleito pelo voto popular desde a Jânio, em 1960, foi o pseudo caçador de marajás Fernando Collor de Mello, que também entrou para história como o primeiro chefe do Executivo Federal condenado num processo de impeachment.
A gestão de Sarney ― um maiores expoentes da política de cabresto nordestina ― serviu de palco para a promulgação da Constituição de 1988. O então presidente da Câmara, deputado Ulysses Guimarães (que dorme com os peixes desde 12 de outubro de 1992, quando o helicóptero em que ele viajava com a mulher, dona Mora, explodiu misteriosamente), reconheceu, durante o discurso de promulgação da "Constituição Cidadã", que ela não era perfeita, o que ela própria confessava ao admitir reformas."
O também nada perfeito mandatário de fancaria (o "mito"
que desafia a Lei da Gravidade todas as manhãs, quando desperta nos aposentos
presidenciais do Palácio do Alvorada) se refere sim outro também às "quatro linhas da Constituição", talvez por jamais ter lido a
Carta que jurou obedecer e defender em 2019, que é composta por 245
artigos e mais de 1,6 mil dispositivos.
Voltando à longa noite de 21 anos da ditadura, o AI-2,
baixado em 1965 e, combinado com os
dois atos institucionais subsequentes, todos decretados durante a
gestão de Castelo Branco, estabeleceu eleições indiretas para presidente
e artificializou as ações do Congresso. Sucederam-se muitas campanhas de
lideranças políticas civis contra o regime (por conta, sobretudo, da demora em
se realizar um novo pleito eleitoral democrático), como a de Carlos Lacerda,
que apoiou o golpe em seu início. Ainda assim, o regime não perdeu força; pelo
contrário: houve aquilo que os historiadores chamam de “Golpe dentro do
Golpe” — um endurecimento um endurecimento ainda maior do regime, imposto pelo
famigerado AI-5,
baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do "linha dura" Costa
e Silva.
Observação: O AI-5 — cuja reedição os sectários
do bolsonarismo boçal defendem em suas manifestações — cassou liberdades
individuais e respaldou práticas eminentemente ditatoriais. Historiadores
afiram que a “ditadura escancarada” resultante desse ato institucional
deveu-se a pressões de ações armadas revolucionárias que estavam em curso no
país, como a Ação Popular, responsável pelo atentado
à bomba no Aeroporto de Guararapes em 1966.
Retomando a narrativa do ponto em que Sarney assumiu
a presidência, o processo de reabertura política que, segundo o plano da Aliança
Democrática, deveria acontecer sem traumas, iniciou-se com o trauma
da doença e a sombra do desastre. O grande desafio do político maranhense
(que sempre puxou o saco dos militares) foi resgatar as esperanças dos
brasileiros. Foi durante sua gestão que os militares voltaram para os quartéis,
os partidos políticos de esquerda saíram da clandestinidade, a imprensa
recuperou a liberdade e os sindicados, o direito a greves e manifestações. Foi
também durante sua gestão que a tal "Constituição
Cidadã" foi gestada e parida — para
o bem e para o mal.
Sarney herdou dos governos militares uma inflação desenfreada e uma recessão econômica difícil de mitigar. Visando pôr termo à escalada inflacionária, ele lançou o malsinado Plano Cruzado — no qual as medidas de maior destaque foram o congelamento de preços e salários, a adoção do "gatilho salarial" (reajuste automático dos salários sempre que os índices inflacionários ultrapassassem a marca dos 20% ao mês) e a concessão de um abono salarial de 12% aos assalariados. Inicialmente, houve uma explosão de consumo. Os próprios cidadãos, travestidos de "Fiscais do Sarney", passaram a controlar os preços e denunciar remarcações. O ministro da Fazenda, Dilson Funaro, tornou-se uma das figuras mais populares do país.
Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: o congelamento de preços e a distorção nas margens de lucro das empresas levaram à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação, que levou ao... Plano Cruzado II...
... que fica para o próximo capítulo.