terça-feira, 23 de novembro de 2021

OS TUCANOS RUMO AO MATADOURO

De nada adianta trocar a carroça se o problema é o burro. E os tucanos são tão indecisos que mijam no corredor quando há mais de um banheiro na casa. Nas prévias do último domingo, quando se escolheria um candidato favorito ao fiasco na sucessão presidencial de 2022, o PSDB conseguiu o prodígio de derrotar a si mesmo numa gincana de picuinhas que resultou no aprofundamento da cisão interna.

Alega-se que o aplicativo de votação deu defeito. Se o problema fosse apenas esse, o vexame já seria enorme, mas o diagnóstico é muito mais duro. O sistema operacional do partido é que está corrompido: FHC tomou chá de sumiço; Serra sofre de Parkinson; Alckmin, empenhado em se vingar de Doria, prepara o desembarque; Aécio projeta transformar o PSDB num puxadinho do Centrão.

Num cenário como esse, de nada adianta reinstalar o sistema e reagendar a conclusão das prévias. O problema não está no software, mas na máquina do PSDB. Na melhor das hipóteses, o partido será descartado como alternativa da chamada terceira via; na pior, terá de ser refundado, sob pena de extinção.

ObservaçãoEspeculou-se que empresas de tecnologia contratadas atribuíram o problema do app de votação à falta de licenças suficientes para suportar o reconhecimento facial dos filiados. Segundo o site MetrópolesFundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que desenvolveu o aplicativo, comprou uma quantidade mínima dessas licenças da Microsoft para colocar o programa em funcionamento. Depois de muita confusão, ficou definido que a conclusão da votação se dará até o próximo domingo (dos 44.700 filiados inscritos, menos de 4 mil conseguiram escolher seu candidato), mesmo que seja preciso recorrer a outra empresa de tecnologia. Depois que a decisão foi tomada, Leite, apoiado por Aécio, defendeu o encerramento da votação nesta terça-feira, 23. Não pegou bem. Bruno Araújo rebateu o correligionário e garantiu que houve, sim, um acordo sobre a retomada das prévias até domingo. Na avaliação de Arthur Virgílio, o governador do RS age para “melar” a disputa ao dizer que quer uma eleição até terça, sabendo não ser possível fazer isso com segurança. “Antes ele falava em empurrar as prévias para fevereiro de 2022. Chega de pessoas pessimistas colocarem dificuldades e filigranaras que são menores que a democracia, o PSDB, nosso compromisso com os militantes e nosso projeto de luta legítima pelo poder”.

Eleições são sempre passionais, disse Bruno Araújo à revista Crusoé. É fato. Mas também é fato que o partido que rivalizava com o PT em nível nacional há muito deixou de atrair um grande eleitorado — noves fora em São Paulo, onde, graças ao antipetismo, os tucanos se perpetuam no governo estadual. 

O PSDB nasceu de uma costela MDB, teve seus 15 minutos de glória com Fernando Henrique presidente e se tornou o  maior partido de oposição aos governos lulopetistas. Mas criou fama e deitou na cama, como se costuma dizer, e perdeu a Presidência para Lula em 2002.

Embora tivessem condições de recuperar o protagonismo nas eleições em 2006 ou, na pior das hipóteses, em 2010, os tucanos acharam que brigar entre si era a melhor maneira de treinar para a luta contra os verdadeiros adversários. E assim a sigla se tornou tão inútil quanto tetas num touro.

Após a derrota de Aécio em 2014, o PSDB entrou em parafuso. A despeito de ter apoiado o impeachment de Dilma e a “pinguela” reformista de Michel Temer, o tucanato nada fez para influenciar ou direcionar o governo de transição — um governo de perfil “parlamentar”, mas com uma base pouco confiável, sem grandeza e sem projeto, que explodiu com as delações da JBS e se deixou impregnar pelos interesses escusos do Congresso e pela preocupação em esvaziar a Lava-Jato e recompor oligarquias e práticas clientelistas, trocando a grande política pela pequena política.

Os tucanos deram as costas para a opinião pública e deixaram passar a oportunidade de resgatar a imagem de alternativa lógica para quem não suportava mais corruptos como os do PT e do PMDB. Apoiar Temer foi mais um tijolo na obra de desconstrução da legenda. Ao PT, interessava manter o vampiro na Presidência, não só porque ambos queriam sepultar a Lava-Jato, mas também porque os petralhas achavam que o emedebista concluiria a nefasta obra de Dilma (ou seja, enterraria de vez a já combalida economia). Mas não foi o que aconteceu.

Embora o mandato-tampão não passasse e um "terceiro tempo" dos governos de Lula e Dilma, o mercado, sabiamente, precificou o mandatário: no dia seguinte ao sepultamento da segunda "flechada de Janot" — o procurador-geral que planejou matar Gilmar Mendes e dar cabo da própria vida, mas nem para isso prestou —, o Ibovespa abriu em alta e o dólar recuou.

O PSDB tornou-se uma federação de facções regionais. A ala paulista é comandada por Doria, a mineira, por Aécio, e as demais gravitam ora em torno de uma, ora da outra, a depender das vantagens que lhes são oferecidas. Alckmin, o eterno picolé de chuchu, ameaça disputar a vice-presidência na chapa de Lula e, juntamente Márcio França, tirar o governador de SP e seus aliados do jogo — de qualquer jogo.

Os tucanos dificilmente sairão unidos dessas conturbadas prévias. Caso Doria vença a disputa, haverá uma revoada de tucanos para outros ninhos, e Leite certamente apoiará Moro ou de Pacheco. Se o governador gaúcho sair vendedor, sua candidatura será torpedeada pelo colega paulista. Em meio a esse furdunço, cacique da facção mineiro fará de tudo para que o partido não tenha candidato próprio, independentemente de quem vencer as prévias — a Aécio e seus acólitos interessa ampliar suas bancadas para abocanhar um naco maior dos fundos partidário e eleitoral.

Observação: Se nem a escolha do candidato a ser derrotado no pleito presidencial de 2022 os tucanos conseguiram concluir no último domingo, como pretendem conquistar a confiança do eleitorado para governar 230 milhões de brasileiros? O partido que governou o Brasil por oito anos e deu cabo da hiperinflação ora fracassa numa consulta prévia a pouco mais de 44 mil filiados. Está perdido nas próprias divergências e contradições. Não é mais um ninho não mais de tucanos, mas, sim, de mafagafos que se engalfinham e não dialogam com a sociedade. Se o aplicativo de votação não funcionou nos cinco meses que separaram a decisão da realização das prévias, com esperar que venha a se mostrar à prova de desconfianças daqui a cinco dias? O resultado, qualquer que seja, certamente será contestado pelo grupo perdedor, o que significa que a unidade já ferida estará definitivamente comprometida.

A julgar pelo que se viu ao longo dos últimos 40 dias, disputa continuará marcada por uma intensa troca de farpas e algumas denúncias de armação. A inépcia impediu os tucanos de espantar os urubus que pousaram em seu ninho. Houve um tempo em que o partido achava que seus feitos eram dignos de estátua. Agora, seus membros se comportam como pombos de si mesmos, cagando na cabeça da estátua de bronze que imaginavam merecer.

A ver que bicho dá.