Não que essa novela das prévias tucanas já não tenha enchido as medidas. Longe disso. Encheu e muito. Mas ainda vai dar pano pra manga. Ademais, mais nauseante é a "falta de absolutamente" do mandatário burlesco cujos acólitos (Lira, na presidência da Câmara, e Aras, na PGR) continuam blindando contra a merecida defenestração (já passou da hora), dada a miríade de ignomínias... enfim, deixa pra lá.
Na manhã desta terça-feira, o tucano Arthur Virgílio
(que disputa as prévias do partido com João Doria e Eduardo Leite),
em entrevista a José Luiz Datena no Manhã Bandeirantes, não só criticou o governador gaúcho, como reiterou sua opinião sobre Aécio
Neves, a quem chamou de "maçã podre" e otras cositas más (vale
a pena ouvir um trecho da entrevista).
Antes de conversar com Virgílio, o dublê de
apresentador e provável
candidato ao Senado entrevistou Eduardo Leite (clique aqui para conferir), que questionou
a liderança partido sobre os (já folclóricos) problemas no aplicativo de
votação e voltou a cobrar respostas sobre a integridade do processo, aventando, inclusive, um possível ataque hacker ao sistema que falhou.
Não sei muito sobre Eduardo Leite, mas sempre tive
boa impressão do moço. Claro que disputas eleitorais despertam paixões e não
raro descambam para xingamentos e ofensas pessoais, sobretudo quando envolvem políticos
de "altíssimo gabarito" — como é o caso dos nossos, a começar pela
mais alta cúpula do governo. Mas é interessante mencionar que o aplicativo responsável
pela celeuma foi desenvolvido pela Fundação de Apoio da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul na gestão de Eduardo Leite.
Entre outubro de 2020 e outubro de 2021, a fundação em tela
recebeu R$ 5,96 milhões de reais do Banco do Estado do Rio Grande do Sul
(Banrisul), cujo maior acionista é o governo gaúcho, para “prestação de
serviços de análise, arquitetura, programação e testes de software de produtos
e aplicativos e serviços especialistas em novas tecnologias”. O contrato
foi assinado por Cláudio Coutinho Mendes, presidente do Banrisul
indicado ao cargo por Leite.
A votação das prévias do PSDB havia sido iniciada e
interrompida no domingo, 21, diante de problemas no tal aplicativo. O partido afirmou que aguardaria até a manhã da terça-feira (ontem, portanto) por “garantias
concretas” da Faurgs acerca da “viabilidade e robustez” do sistema. O
prazo se esgotou e agora o partido caminha para adotar “tecnologia privada para
concluir o processo de prévias”.
Apesar das falhas, a campanha de Leite resistiu em
aceitar o descarte do aplicativo como ferramenta de votação das prévias. Para
membros da campanha de Doria, a única razão para a resistência, a esta
altura, é tentar postergar a decisão — algo que, inclusive, já teria sido
proposto há alguns dias pela campanha do gaúcho.
No romance Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Machado de Assis apresenta a tese do filósofo Joaquim Borba dos Santos,
nomeada Humanitismo da história, pela boca de Quincas Borba, o protagonista da história, que a sintetiza na seguinte frase: “Ao vencedor as batatas!”
Referindo-se ao furdunço tucano, Josias de Souza comenta que o vitorioso "levará as cinzas". Com efeito. Transcorridos mais de dois dias desde o fiasco em que se converteu a eleição interna que deveria escolher um presidenciável tucano, o partido ainda não conseguiu marcar a data para o encerramento tardio de suas prévias. Mas a situação evolui rapidamente. O vexame de domingo potencializou a divisão do tucanato, e desde então o partido que já se considerou protótipo da modernidade vive um processo de autocombustão.
Enquanto rala para resolver a pane no aplicativo de votação,
o PSDB convive com uma guerra fratricida que faz ferver o seu sistema
operacional. Leite passou a questionar a legitimidade das prévias;
contestou uma nota oficial em que o presidente do partido, Bruno Araújo,
esticou até domingo (28) o prazo para a conclusão da disputa; e acusou seu principal
concorrente, Doria, de comprar votos.
Doria endossou a nota de Araújo e seus operadores tratam Leite como "mau perdedor. Virgílio, que participa das prévias no papel de azarão, arrancou das sombras Aécio Neves, um dos protagonistas do incêndio tucano, a quem chamou de "maçã podre", acusou de tramar contra as prévias e de querer transformar o PSDB num "partido do tipo centrão", a serviço da reeleição de Bolsonaro. Em resposta, Aécio, que apoia Leite, tachou Virgílio de "laranja do Doria".
A plateia vinha observando o PSDB à espera do fato
que justificaria o uso do ponto de exclamação que se escuta quando as pessoas
dizem "não é possível!" Todos os sinais já foram dados. A
autocombustão iniciada com as prévias ficará gravada no enredo da tragicomédia
da chamada terceira via, um aglomerado com muitas cabeças e poucos miolos, como
marco da derrocada dos tucanos.
De agora em diante, tudo é epílogo para o PSDB na
sucessão de 2022. O vencedor das prévias vai levar não um partido, mas um
punhado de cinzas.