A campanha presidencial de 2018 durou pouco mais de sete semanas, mas foi abundante em episódios tão inusitados quanto surpreendentes — tais como o atentado contra a vida do líder das pesquisas e a insistência do PT em viabilizar a candidatura de um criminoso condenado e preso. Nunca antes na história deste país se viu uma disputa tão calcada na desinformação, mas isso não significa que a próxima não possa superá-la com um pé nas costas.
Em algum momento da trilha para o fracasso nas urnas, o presidiário
de Curitiba tentou promover uma espécie de evangelização de seus aliados e
correligionários comparando-se a Cristo: “Jesus foi
condenado à morte sem dizer uma palavra, recém-nascido. E, se
o José não corre, ele tinha sido morto. E olhe que não tinha
empreiteira naquele tempo, não tinha Lava-Jato”.
Em carta
divulgada às vésperas do segundo turno por sua equipe de
comunicação (nada mais surreal que um presidiário ter “equipe de comunicação”,
mas estamos no Brasil, onde nada mais espanta), Lula exortou os partidos
de centro-esquerda a se unirem numa “frente democrática” contra a “aventura
fascista”. Só que, noves fora a patuleia ignara, que é um caso perdido, pouco
gente acreditava nas narrativas em que o PT imputava (e
continua imputando) os próprios pecados a seus adversários.
Às vésperas de ir para a prisão, a autoproclamada “alma
viva mais honesta do Brasil” se autopromoveu à condição de “ideia”:
“Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias
de vocês. Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Vocês são
milhões de Lulas”. Curiosamente, a figura espurca que achou ter
ascendido à dimensão divina se tornou o maior cabo eleitoral do misólogo
despirocado que o derrotaria nas urnas dali a seis meses.
Não sei se o picareta dos picaretas achava mesmo que
disputaria o pleito ou se tudo não passou de estratégia para impulsionar a
transferência de votos para seu poste-bonifrate, mas o fato é que, ao
final de uma disputa sui generis — que começou com mais de 20
pré-candidatos e terminou com 13 postulantes — o mui esclarecido eleitorado
escalou para o segundo turno os dois extremistas mais extremados do espectro
político-ideológico e a patética marionete do ex-presidente presidiário foi
derrotada em 16 estados, em 23 das 26 capitais, e no Distrito Federal.
Pela primeira vez desde a redemocratização, um candidato
claramente de direita foi ungido presidente (com 57,5 milhões de votos, ou
seja, com uma vantagem de 10,8 milhões de votos em relação a seu adversário). Agora,
por uma ironia do destino, as posições se inverteram, e o intrujão psicopata,
que continua agarrado ao cargo como um náufrago a um tronco, é que contribui
diuturnamente para eleger o adversário que ele derrotou em 2018.
Vale relembrar que, quando os resultados do primeiro turno
foram divulgados, veículos normalmente divergentes entre si — como The
Guardian e The Economist — foram unânimes em
ressaltar “perigos severos à democracia”. A palavra “fascista” apareceu
em publicações como Der Spiegel, e mesmo o Financial Times,
que tem a melhor cobertura do Brasil na grande imprensa internacional, disse
ver na figura de Bolsonaro um “prenúncio de tempos duros”.
Infelizmente, o tempo demonstraria que eles estavam certos,
mas a questão é que não restou aos cidadãos de bem, no segundo turno, outra
opção que não votar no candidato que parecia “menos ruim”. Para piorar (e nada
nunca é tão ruim que não possa piorar), todas as pesquisas de intenção indicam
que os brasileiros não aprenderam a lição.
A exemplo de Bolsonaro, Lula e o PT são
como o escorpião
da fábula. O cinismo da campanha de Haddad exibiu as
vísceras de um partido que sempre agiu de forma antidemocrática e vocacionada
ao crime, e que, mesmo desmascarado, insistiu no erro e expôs ao
constrangimento sua militância e seus eleitores (os que ainda guardavam um
mínimo de dignidade). Já o dublê de mau
militar e parlamentar
medíocre nunca foi a solução para os problemas do Brasil.
Em 27 anos como deputado federal, Bolsonaro
apresentou 172 projetos, relatou 73, aprovou
dois e colecionou mais de trinta
ações criminais. No plenário, estava sempre sozinho ou na companhia do
filho. Nunca foi visto jantando no Piantella nem tomando uísque no Churchill
(onde os parlamentares mais enturmados costumam confraternizar), nunca passou
de um parlamentar do baixo-clero, adepto das práticas da mais baixa política, metido
com milicianos, mas sem uma turma para chamar de sua.
Em meados de 2014, então filiado ao fisiológico PP —
cuja bancada de 40 deputados era adestrada para apoiar qualquer um com chance
de vencer —, Bolsonaro se ofereceu para concorrer ao Planalto. Foi
solenemente ignorado. No convenção partidária, lançou o ultimato: “Ou
o PP sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato
(que Bolsonaro se encarregaria de sepultar dali a seis anos, alegando que
“o
governo não tem mais corrupção”), o PP afundou de vez.
Graças a sua pregação antipetista, o “mito” dos apalermados disputou a
reeleição e foi o deputado mais votado do Rio de Janeiro (saltando
de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014).
No fim de 2014, já no sétimo mandato consecutivo, Bolsonaro percorreu
o país, realizou carreatas, estampou camisetas e adesivos, posou para “selfies”
com eleitores e proferiu palestras. Ganhou um público jovem e ligado nas redes
sociais, que o apelidou de “mito” e distribuiu memes com frases do
político. Ao se dar conta do enorme potencial das redes, o oportunista
pavimentou o caminho para a popularidade com frases chocantes, inusitadas ou
abertamente provocativas. Cada discurso que embutia uma ideia polêmica ou
preconceituosa corria a internet, gerando milhares de comentários.
Situações desesperadoras requerem medidas desesperadas. Ainda
que as promessas de campanha do abantesma do PSL fedessem a estelionato
eleitoral, poucos imaginavam que elegê-lo seria como abrir a mitológica Caixa de Pandora
ou libertar um efrite
da garrafa.
Continua no próximo capítulo...