Os vampiros, como se sabe, não têm a imagem refletida em
espelhos, e talvez por isso... bem, vamos por partes. Em dezembro de 2015,
o então vice decorativo de Dilma enviou
uma carta à chefa (que vazou por obra e graça do próprio
missivista e foi largamente reproduzida na mídia) dizendo que “a
palavra voa, mas o escrito fica” — daí ele preferir manifestar por escrito
o "desabafo que devia ter feito muito antes" — e que
sempre teve ciência da absoluta desconfiança da presidanta e do PT em
relação a ele e ao PMDB.
A nefelibata da mandioca disse que “não via motivos para
desconfiar um milímetro de seu vice, que sempre teve um comportamento bastante
correto”, mas não demorou a perceber que estava enganada. Depois que a
Câmara votou a admissibilidade do impeachment, Temer enviou
uma mensagem de voz a parlamentares peemedebistas em que falava como se
estivesse prestes a assumir o governo.
O áudio dava a impressão de ser um “comunicado"
sobre como ele pretendia conduzir o país. Sua assessoria informou que a mensagem
havia sido enviada por engano a um grupo de deputados do partido, mas a
desculpa não colou. No dia seguinte, Dilma declarou que "havia
um golpe em curso que tinha chefe e vice-chefe"
(referindo-se a Temer e a Eduardo Cunha, então
presidente da Câmara). Sábias palavras, majestade.
Quando foi promovido a titular, Temer relutou
em deixar o Jaburu e se instalar no Alvorada, mas cedeu à
pressão de aliados — segundo os quais a mudança “atribuiria legitimidade a
seu mandato como presidente”. Só que não chegou a esquentar lugar: a
despeito dos mais R$ 20 mil que foram gastos com a adaptação
do palácio às necessidades de Michelzinho, o vampiro voltou
de mala e cuia para o Jaburu. Segundo ele revelou entrevista à revista
Veja, o Alvorada era
assombrado. Vampiro com medo de fantasma era só o que nos faltava!
Num primeiro momento, a troca de comando foi como uma lufada
de ar fresco numa catacumba. Após 13 anos e fumaça ouvindo os garranchos
verbais de um semianalfabeto e as frases desconexas de uma destrambelhada que
não era capaz sequer de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse
sentido, um presidente que não só sabia falar como até usava mesóclises era um refrigério.
Não seria de esperar que os problemas do país fossem solucionados da noite para
o dia, mas o fato é que Temer conseguiu reduzir a inflação (que
rodava pelos 10% quando ele assumiu) e baixar a Selic e aprovar
a PEC do Teto dos Gastos e a Reforma Trabalhista,
entre outros “prodígios”. No entanto, o ministério de notáveis que
ele prometeu se revelou uma notável agremiação de corruptos — que foram
caindo à razão de um por mês.
O primeiro a cair foi Romero Jucá, o “Caju”,
colega de partido e amigo de longa data de Temer. Em conversa com o ex-presidente da
Transpetro Sérgio Machado — gravada sem o conhecimento do interlocutor —,
ouve-se Jucá dizer defendendo um
pacto para “estancar a sangria” (referindo-se à Lava-Jato).
Mesmo sem o status de ministro, o político pernambucano continuou no governo, ocupando
uma secretaria criada especialmente para preservar seu direito ao foro
privilegiado.
Uma semana depois que o caju caiu do pé foi a vez do ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, que caiu devido a uma conversa — também gravada à sorrelfa por Machado — em que ele criticava a Lava-Jato e orientava Renan Calheiros sobre como se comportar em relação à PGR. Junho levou embora o ministro do Turismo — que, segundo a delação premiada de Machado, teria recebido R$ 1,55 milhão em propina entre 2008 e 2014.
Julho passou batido, mas
agosto pegou no contrapé o então Advogado-Geral da União, que foi demitido por
conta de uma discussão com o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil (o
amigão de Temer em cujo apartamento a PF encontrou R$ 51
milhões em caixas de papelão). O imbróglio resultou também na demissão do
ministro da Cultura — que alegou ter sido pressionado para aprovar o projeto
imobiliário La Vue Ladeira
da Barra, onde o chefe da Casa Civil tinha um apartamento. O desgaste
decorrente do episódio levou à queda do próprio Geddel, que “se
demitiu” uma semana mais tarde. Temer se empenhou em preservar Eliseu
Padilha, o “Primo”, e Wellington Moreira Franco, o “Angorá”,
que o ajudavam a comandar, nas
palavras de Joesley Batista, “a quadrilha mais perigosa do
Brasil”. Tutti buona gente!
Michel Temer, que aspirava a entrar para
a história como “o cara que recolocou o Brasil nos eixos”, tornou-se o
primeiro presidente no exercício do mandato a ser denunciado por crime comum.
Mesmo assim, a nauseabunda tropa de choque do Planalto — capitaneada pelo
abjeto Carlos
Marun — recrutou um coro de 251 marafonas da Câmara para entoar a
marcha fúnebre enquanto a segunda denúncia contra o presidente era sepultada, malgrado
a caudalosa torrente de indícios de que ele havia mijado fora do penico.
A honestidade e a lisura no trato da coisa pública — virtudes esperadas de presidentes, ministros, parlamentares, governadores e políticos em geral — há muito fizeram as malas e partiram do Brasil. Para onde? Ninguém sabe, ninguém viu. Prova disso é a sucessão de escândalos-nossos-de-cada-dia, de fazer corar santo de pedra, mas que a população transforma em anedota porque lágrimas não pagam dívidas e a vida precisa continuar.
Continua...