— Não
renunciarei. repito: não
renunciarei. Se quiserem, me derrubem! — rosnou Michel Temer, o dedo
em riste demonstrando que o que lhe importava era se manter no cargo a qualquer custo. “Renunciar seria uma
confissão de culpa”, asseverou o nosferatu tupiniquim, como se àquela
altura suas justificativas estapafúrdias tivessem alguma credibilidade.
Na verdade, (quase) todo mundo queria ver Temer pelas
constas, só que ninguém queria fazer o trabalho sujo. Assim, o governo ruiu,
mas o mandatário continuou lá, aprovando coisas um tanto sem sentido, apenas
para sinalizar que tudo estava na mais perfeita ordem, na mais santa paz (nada
muito diferente do que acontece com o atual governo, onde Bolsonaro
finge que preside enquanto o Centrão dá as ordens).
Quando a delação de Joesley Batista veio à tona, Temer perdeu a segunda grande chance de renunciar (a
primeira foi por ocasião da deposição de Dilma). Comentou-se que ele
chegou a pensar seriamente em fazê-lo, mas foi demovido da ideia por Eliseu
Padilha, Moreira
Franco, Carlos
Marun, Romero
Jucá e outros assessores puxa-sacos, igualmente investigados ou
suspeitos de práticas nada republicanas, que perderiam os cargos e o foro
privilegiado se o presidente renunciasse.
Em seu primeiro pronunciamento à nação
depois que Lauro Jardim revelou a conversa de alcova de Temer e o moedor de carne bilionário, o presidente disse que o inquérito no STF seria
“o território onde surgiram as explicações e restaria provada sua inocência”.
E o que fez a partir de então? Mentiu descaradamente para justificar o
injustificável, atacou seus acusadores e moveu mundos e fundos (especialmente
fundos) para obstruir a denúncia.
Descartada a renúncia e afastado o impeachment, não só porque Rodrigo Maia decidira empurrar a coisa com a barriga enquanto pudesse, mas também porque o processo demoraria demais e o país sofreria as consequências de outra deposição presidencial, via Congresso, em menos de 18 meses, só restou o inquérito no STF e o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE — ação proposta pelo PSDB a pretexto de “encher o saco do PT”, conforme revelou o candidato derrotado Aécio Neves numa conversa gravada por (ele de novo!) Joesley Batista, que vinha se arrastando havia anos.
Por (mais) uma ironia do destino, o partido que se tornou o maior aliado do governo com o impeachment transformou-se em seu algoz. Mas os tucanos mantiveram um pé no poleiro e os olhos no TSE, prontos para bater asas e voar assim que a cassação da presidanta lhes parecesse inevitável.
A procrastinação do julgamento complicou ainda mais a situação de Temer, pois ensejou a inclusão de outros elementos contra ele. Assim, se não havia evidências de que o vice não recebeu dinheiro de caixa 2 para sua campanha, não falavam provas de que a chapa recebeu, e ele se beneficiou dos mesmos recursos que garantiram a reeleição da presidanta.
Depois de dizer que “os
juízes não são de Marte” — dando a entender que seria impossível
ignorar o cenário político e as consequências da cassação de (mais) um
presidente — Gilmar Mendes adiantou para a imprensa que o
julgamento seria “jurídico e judicial”, que o Tribunal não era “joguete
de ninguém”, e que não cabia à Corte “resolver crise política”.
Antes do vazamento da delação dos donos da JBS, dava-se
de barato que o TSE livraria a pele de Temer. A
última coisa que se desejava naquele momento era mais uma troca de comando,
mesmo porque o governo vinha tocando as reformas e a economia, dando sinais de
recuperação. Mas seria difícil justificar a manutenção de um presidente
altamente impopular e, ainda por cima, investigado por corrupção passiva,
organização criminosa e obstrução da Justiça.
O ministro-relator Hermann Benjamin — que
produziu um calhamaço
de mais 1.000 páginas
— defendia eleições
diretas para a escolha do próximo presidente. Em sua avaliação, se a
eleição de 2014 sagrou vencedora uma chapa que comprovadamente fraudara o
pleito, a vontade popular fora desrespeitada e a eleição deveria ser anulada, dispensando
o cumprimento do art. 81 da Constituição (que estabelece a realização de
eleições indiretas
no caso de vacância
a partir de dois anos do mandato). Acabou que Gilmar Mendes entrou em
ação e a
chapa foi absolvida por 4 votos a 3 — “por excesso de provas”,
como observou posteriormente o relator.
“Enquanto houver bambu, vai ter flecha”, avisou o PGR Rodrigo Janot, que simpatizava com Dilma, mas não suportava Temer. Respaldado nos depoimentos de Joesley Batista e Lúcio Funaro (o homem da mala do presidente), Janot apresentou duas denúncias contra o vampiro do Jaburu, mas ambas foram barradas pela Câmara. Temer não foi apeado do cargo porque:
1) Faltou consenso em torno do seu eventual sucessor (os parlamentares não estavam dispostos a abrir mão das eleições indiretas nem de escolher um de seus pares para o mandato-tampão);
2) Não houve vontade política dos nobres congressistas;
3) Não faltam, entre os 513 deputados federais, quem se disponha a votar contra
ou a favor de qualquer coisa, desde que haja a "devida reciprocidade".
Continua...