Vimos ao longo desta sequência como as leis são feitas no
Brasil e que os políticos, como as fraldas (e pelos mesmos motivos), devem ser trocados regularmente. Infelizmente, a novela da prisão em segunda instância não tem
data para terminar — e nem para prosseguir, já que as PECs e
as propostas de alteração no CPP empacaram no Congresso.
Alegam os parlamentares que a culpa é da pandemia, mas o verdadeiro motivo é o
espírito de corpo da classe política.
Em agosto do ano passado, a revista Veja revelou que pelo menos 173 pessoas (11 senadores, 38 deputados, governadores, ministros e prefeitos, 1 desembargador, conselheiros de Tribunais de Contas estaduais, 2 ex-candidatos à Presidência da República e mais uma penca de servidores públicos de alto escalão) eram investigados pela Receita Federal.
Integra a confraria da probidade o senador alagoano Renan Calheiros — que começou a ser investigado em 2019 e viu seu processo fiscal ganhar fôlego no ano seguinte, após ter sido derrotado na disputa pela presidência do Senado. Alvo de mais de uma dezena de inquéritos por acusações como desvio de recursos públicos e corrupção, esse obelisco da política coronelista nordestina afirma desconhecer os motivos pelos quais é investigado. Por outro lado, considerando que Lula diz ser a alma viva mais honesta do universo e Bolsonaro, que acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo, essas coisas não chegam a surpreender, embora insultem nossa inteligência.
Conterrâneo de Renan, o réu
que preside a Câmara e serve de cão-de-guarda dos 142 pedidos de impeachment em desfavor daquele que elegemos para evitar que uma marionete a serviço de um presidiário governasse o país também desfila no Bloco dos Sujos (embora Lira tenha sido absolvido da maioria das acusações
criminais feitas pelo Ministério Público, os processos tributários contra
ele continuam ativos).
Uma segunda lista mostra que foram abertos 211 procedimentos de fiscalização contra autoridades nos últimos cinco anos, entre as quais próceres da imaculada política alagoana: o atual ministro da Casa
Civil, Ciro Nogueira, e o senador "rei-sol" Fernando
Collor, além de parlamentares governistas que integraram a CPI do
Genocídio, do líder do governo na Câmara, do ex-candidato à
Presidência e atual secretário de Fazenda de São Paulo, e do deputado Aécio
Neves (que começou a ser monitorado em 2019, quando estreou o atual
mandato de deputado). Para surpresa de ninguém, todos negam irregularidades e
afirmam que acreditam na Justiça.
Calcula-se que o Brasil perca por ano cerca de R$ 400 bilhões de arrecadação federal apenas por sonegação — o equivalente a 27% de tudo o que a Receita recolhe em tributos. No início do atual governo, a possibilidade de incluir no chamado pacote anticrime penas de prisão para sonegadores chegou a ser cogitada, mas a ideia foi logo abandonada pelos parlamentares.
Como dito anteriormente, dos 594 membros do Congresso Nacional, 238
eram investigados ou respondiam a processos no STF em 2017, e nada leva a crer que a coisa tenha melhorado desde então. Até porque são as raposas
que tomam conta do galinheiro e elas próprias que investigam o sumiço das galinhas.
A corrupção é um problema endêmico, mas o fato de sermos obrigados a conviver com essa dura realidade não significa que tenhamos de aceitá-la passivamente. Lula não aceitava, tanto que fundou o PT para implementar “uma maneira diferente de fazer política”. Mas faltou combinar com a quadrilha do Mensalão.
Quando a roubalheira petista veio à
público, o guerrilheiro de araque José Dirceu, então braço direito
do picareta dos picaretas, disse em entrevista ao Roda-Viva: “Este
é um governo que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção“. Não sei se é para rir ou para chorar.
É irônico que a Lava-Jato tenha começado no governo Lula, avançado na gestão de Dilma e sido enterrada pelo presidente que respaldou sua campanha no combate à corrupção e à “velha política do toma-lá-dá-cá”, embora tenha passado por nove partidos nas últimas três décadas (todos de aluguel) e sido adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos.
Seis meses depois que Moro desembarcou do governo, Bolsonaro alardeou ter acabado com a Lava-Jato porque não tinha mais corrupção no governo; dias depois desse disparate, o vice-líder do governo no Senado foi pego com dinheiro na cueca.
Bolsonaro buscou se distanciar do senador-cueca, com quem ele próprio afirmou ter uma “união quase estável”, e relativizou o episódio dizendo que seu vice-líder "não tem nada a ver com o governo". "O meu governo são ministros, estatais e bancos oficiais", ensinou nosso morubixaba.
Observação: A organização Transparência Internacional divulgou no último dia 25 o novo levantamento do ranking mundial da corrupção. E a notícia não é boa para o Brasil: o país caiu duas posições e agora ocupa a 96ª colocação no Índice de Percepção da Corrupção, o terceiro pior resultado em sua série histórica.
Se o bombardeio do PT e de dezenas de
outros partidos contra a Lava-Jato tivesse
produzido resultados mais consistentes, o ex-presidiário de Curitiba poderia
incluir em seu rol de falácias rocambolescas a negação de toda a corrupção endêmica
de seu partido, o desastre protagonizado pelo “poste” que lhe sucedeu na
Presidência, e por aí vai. Talvez as acusações contra ele não tivessem seguido
adiante e a Odebrecht e o OAS continuassem
financiando suas campanhas via caixa 2.
Sem a Lava-Jato, o Congresso não
teria tido força política para impichar Dilma, a inolvidável, que teria
concluído o segundo mandato pilotando uma economia moribunda, com um índice de
aprovação baixíssimo. Consequentemente, o vampiro do Jaburu continuaria vice-presidente
decorativo até o mais amargo fim, e a série de eventos resultantes da gravação
feita por Joesley Batista não teria existido.
Antonio Palocci, que estava afundado até o pescoço em
falcatruas desde antes da Lava-Jato, seria candidato a uma vaga na
Câmara, e o guerrilheiro de festim José Dirceu teria
cumprido sua pena pelos crimes do mensalão e voltado a encarnar o papel
de guerreiro do povo brasileiro. Eduardo Cunha, solto e com
acesso a dezenas de contas milionárias no Brasil e no exterior, continuaria achacando
empresas e empresários, seria o deputado federal mais votado do Rio, voltaria a
presidir a Câmara e a financiar uma bancada gorda, com mais de 100
parlamentares.
Sérgio Cabral, livre, leve e solto, seria candidato
a vice na chapa de Lula e agregaria ao perfil do governador pop do
Rio o tempo de TV e o fundo partidário do MDB à campanha
petista. Nas folgas dos compromissos de palanque, o dono da pena mais longeva
decretada pela Justiça tupiniquim (mais de 400 anos, e contando...) e a
serelepe Adriana Anselmo fruiriam da mansão de Mangaratiba,
cercados de quadros de Romero Brito e garrafas de vinho
de US$ 2 mil a unidade.
Aécio Neves, a exemplo de Temer, não
teria sido flagrado chafurdando nos cofres da JBS. Talvez até fosse
o presidente desta birosca — embalado pelo enorme recall de 2014, o
mineirinho safo teria chances consideráveis de ir para o segundo turno em 2014
e se reeleger em 2018.
Marcelo Odebrecht, que não teria passado dois anos na
cadeia sem nada para fazer senão ginástica, manteria o Departamento de
Operações Estruturadas da empreiteira, que continuaria a jorrar
dinheiro desviado dos cofres públicos para campanhas privadas. Todos os outros
empreiteiros também iriam muito bem, obrigado. Léo Pinheiro já
teria feito novas reformas e ajustes no tríplex de Lula no Guarujá;
a Petrobras jamais recuperaria os R$ 2,5 bilhões — antes
pelo contrário, a sangria continuaria em curso —, nem tampouco seria conhecida
a medida monetária em que um [Pedro] Barusco equivale a R$ 100
milhões.
Alberto Youssef, com o dólar a R$ 5 e lá
vai fumaça, estaria nadando de braçada, e todos os tesoureiros e ex-tesoureiros
do PT estariam felizes como pintos no lixo (nenhum teria sido
preso nem devolvido parte do dinheiro roubado). Os marqueteiros João
Santana e Mônica Moura estariam cuidando da campanha
de Lula, e Duda Mendonça continuaria
no mercado (se não tivesse morrido em agosto passado).
Bolsonaro continuaria fazendo no baixo clero da Câmara o que disse ter feito em relação à CPI, e o Palácio do Planalto teria um cagão a menos a conspurcar suas dependências. Alguns dos maiores criminalistas do Brasil teriam dezenas de milhões de reais a menos em suas contas, e Zanin... Que Zanin?
Ninguém conheceria Cristiano Zanin.
Continua...