Como anotou Josias de Souza em sua coluna no UOL, Mamãe Falei trocou uma zona de guerra por outra. Na Ucrânia, ele atacou a dignidade humana dizendo que as mulheres daquele país são "fáceis" por serem pobres. De volta a São Paulo, comparou-se ao colega Fernando Cury, que foi flagrado apalpando os seios da deputada Isa Penna em plenário, mas amargou apenas uma suspensão. "Eu vou ser cassado por um áudio?", perguntou em entrevista à Folha. "Eu errei. Agora, é claro que parte dessa consequência política de cassação é por eu ser quem eu sou."
Se a Alesp não cassar o fala-merda, o velho espírito de corpo dará lugar ao espírito de porco. Por outro lado, não custa lembrar que a pastora evangélica Flordelis, apontada como mandante da morte do marido, Anderson do Carmo, se escudou na imunidade parlamentar por quase dois anos e seguiu firme na vidinha de deputada federal, religiosa e cantora, com fé na expectativa de que a providência divina a livraria da cadeia (mas, por via das dúvidas, alinhava no plano terreno alianças políticas para se salvar na Câmara e, ao mesmo tempo, evitar a derrocada de sua igreja), até finalmente ser cassada, em agosto do ano passado.
Num país onde um criminoso condenado (em três instâncias) a mais de 20 anos deixa a prisão após míseros 580 dias, é convertido em ex-corrupto pela ala "cumpanhêra" do judiciário e periga ser eleito (pela terceira vez) presidente desta merda, dizer o quê? Viva o povo brasileiro, que tem o governo que merece e merece os governantes que tem. E por falar nisso...
Algumas pessoas estão em constante evolução. Lula, por
exemplo, se autoproclamou “uma
metamorfose ambulante”. Faz sentido: em pouco mais de meio século o
egun mal despachado passou de retirante nordestino a engraxate, vendedor de
laranjas, office boy, metalúrgico, líder sindical, fundador de partido
político, presidente da República, presidiário e “ex-corrupto”. Uma trajetória
e tanto.
Bolsonaro é outra “metamorfose ambulante”: em pouco
mais de três décadas, passou de mau militar a parlamentar medíocre e, graças a
uma trágica conjunção de fatores, tornou-se presidente do Brasil. Essa usina de
crises não entrou para a seleta confraria de impichados — ou não foi internado
num manicômio — não porque faltem leis nesta banânia, mas porque falta vergonha
na cara aos brasileiros.
Enquanto a Bahia amargava um final de ano com chuvas
torrenciais, o sultão do bananistão comemorava o Natal no litoral paulista e o
réveillon em Santa Catarina. Sobre a vacinação de crianças contra a Covid,
disse esperar que “não houvesse interferência do judiciário” — e assegurou
que sua filha (de 11 anos) não seria imunizada. Na praia, foi filmando passeando
de Jet-Ski, cantando e dançando funk com apoiadores e tripudiando dos
idiotas que o elegeram para governar. Dias atrás, quando tudo indicava que a
Rússia invadiria a Ucrânia a qualquer momento, insistiu em fazer mais uma turnê
internacional a custa dos contribuintes.
No ano passado, quando esteve em Nova Iorque, sua alteza e os
bobos da corte que o acompanhavam jantaram pizza em pé, na calçada, feito um bando de
indigentes. Na Europa... enfim, foi patético. No leste europeu, depois que
obteve a foto que foi buscar ao lado de Putin (para mostrar a seus seguidores
que ele não é um pária global) e de participar de uma homenagem a soldados
comunistas, o monarca sugeriu que sua visita poderia ter algo a ver com o anúncio de
retirada de tropas pela Rússia. Para completar, numa despropositada
vista à Hungria, chamou
o premiê de “irmão”.
Observação: Quando o ex-ministro Ricardo Salles
bombou memes sugerindo que o “mito” levaria paz ao leste europeu, parte da
extrema direita tomou mais essa balela por verdade absoluta (mais ou como os
petistas acreditaram, anos atrás, que Lula seria laureado com o Nobel
da Paz — e o pior é que essa escumalha vota).
Se, como presidente, o “mito” dos despirocados é incapaz de tirar
água de dentro de uma bota que venha com as instruções impressas no calcanhar,
que dirá intermediar a paz entre nações? Mas o que mais espanta é desvarios como
esse serem tomados por verdade pelos descerebrados que apoiam sua reeleição. Parece
impossível haver gente que acredita nisso, mas há. E o pior é que essa gente
vota — como votam os lunáticos que acreditam que Lula foi inocentado e
que é a “alma viva mais honesta do Brasil”.
Em julho de 2019, um levantamento do Datafolha
apontou que 7% dos brasileiros acreditam que a Terra é plana. Se quase 15
milhões de almas acreditam que o planeta assombrado por elas é mais parecido
com uma pizza do que de uma bola de futebol, o fato de muita gente acreditar
que Bolsonaro é uma espécie de Messias não deveria causar espécie. Mas causa.
Não é uma questão de exploração da população com menos
acesso à informação, explica Diogo Mainardi, mas de manipulação do naco
da sociedade que deseja consumir somente aquilo em que já acredita. Ou seja: esses
anormais querem elementos que comprovem a infalibilidade de seu líder — se o “mito”
estiver errado, eles também estarão.
Falta amor no mundo, mas também falta interpretação de
texto. E vai sobrar muito chinelo velho para pé cansado daqui até outubro.