quinta-feira, 24 de março de 2022

NO MATO SEM CACHORRO. NEM GATO


Bolsonaro viajou à Rússia para “prestar solidariedade” ao carniceiro de Moscou. Na oportunidade, o bolsonarista emérito e ex-ministro da Destruição do Meio Ambiente, Ricardo Salles, publicou duas montagens vergonhosamente fraudulentas: uma com uma manchete da CNN informando que o capitão “evitou a 3ª Guerra Mundial” e outra com a capa da revista americana Time noticiando o Prêmio Nobel da Paz para nosso ilustre mandatário.

Em sua coluna na revista Veja, Ricardo Rangel comentou que o bolsonarismo, que sempre foi admirável no quesito mistificação, conseguiu se superar de maneira verdadeiramente assombrosa. 

Com efeito. A impressão que se tem é que há uma competição entre o bolsonarismo, que tenta criar fake news cada vez mais inacreditáveis, e os bolsonaristas, que tentam provar que são capazes de acreditar em rigorosamente qualquer coisa. Aparentemente, os bolsonaristas estão vencendo de lavada.

Para uma parcela (cada vez menor, infelizmente) dos brasileiros, não são necessárias novas amostras de simpatia com governos autoritários, nem de Jair Messias Bolsonaro, nem de Lula e seu espúrio partido. Até porque sabemos muito bem com quem estamos lidando.

A diplomacia praticada durante as gestões petistas, elaborada principalmente pelo ex-ministro Celso Amorim, centrada na aproximação com ditaduras que navegavam na contramão de toda a tradição brasileira de alinhamento com os valores expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Direito Internacional Público, deixou manchas indeléveis em nossa reputação internacional.

Hoje, ambos os pré-candidatos mais bem posicionados nas pesquisas parecem crer que fazer concessões à narrativa oficial de Moscou é o caminho contrário àquele que garante manutenção da paz e respeito às legítimas soberanias nacionais. 

Estamos diante de um retrocesso na relação entre as nações, retornando às agressões expansionistas que vigoraram até a 2ª Guerra Mundial, com evidente desprezo pelos esforços diplomáticos para solução de conflitos.

O PT, que possui quadros orgânicos na diplomacia brasileira, sabe muito bem o que está envolvido nesse jogo. Na encruzilhada civilizacional em que o mundo se encontra, esse grupo político escolheu um lado e assumiu posição clara. Ao relativizar um ato de guerra que já resulta em milhares de vítimas, promovido por um governo marcado pela arbitrariedade, os petistas mostram novamente ao público a que tipo de ordem global se filiam.

Lamentavelmente, a menos de 7 meses do primeiro turno, o mundo gira, a Lusitana roda e a terceira via continua no mesmo lugar — ou em lugar nenhum, para ser mais exato. Simone Tebet (que declarou que sua candidatura estava “se tornando irreversível”) e João Doria (famoso por não desistir nunca) cogitam abrir mão de suas candidaturas em prol de um candidato único, a ser lançado por uma federação entre MDB, PSDB e União Brasil. Que candidatura seria essa, ninguém sabe.

O que se sabe é que o cacique do PSDGilberto Kassab, vai acabar apoiando Lula, mas, por enquanto, tenta encontrar alguém para esquentar a cadeira e aumentar o valor de seu passe. Seu plano A é Rodrigo Pacheco, que não decolou e já anunciou que não disputará a presidência em outubro) e o plano B é Eduardo Leite, que teria de ganhar a final depois de perder a semifinal. 

Lula espera que os os que fogem do risco Bolsonaro caiam em seu colo por gravidade, e  estratégia parece fazer sentido: dias atrás, algumas importantes personalidades publicaram manifesto em que afirmam que foram e ainda são críticos ao petralha, mas que nada justifica adiar a decisão final para o segundo turno. E conclamaram “todos os democratas” à adesão imediata e incondicional ao ex-presidente.

Um segundo turno com Bolsonaro é mesmo preocupante, já que existe a possibilidade de ele se reeleger. Sem falar que é temerário lhe dar um mês para organizar um golpe de Estado. O raciocínio dos oportunistas de plantão tem lógica, mas, se é para aderir incondicionalmente, qual a pressa? Se a terceira via está moribunda, por que matá-la agora? Anunciar agora o apoio incondicional a Lula seria desmotivá-lo a se comprometer com pautas moderadas (não que ele vá, mas enfim...).

Defensores da adesão imediata enxergam sinais de moderação e conciliação na movimentação de Lula e não veem motivo para temer que seu governo seja irresponsável (a cegueira é um questão entre as pessoas e os olhos com que nasceram). É o que se chama em inglês de wishful thinking: essa escumalha crê porque quer crer, porque precisa crer para justificar seu apoio prematuro. Mas a realidade é um pouco diferente.

Lula sabe que precisa de uma ampla aliança, tanto para vencer no primeiro turno quanto para governar, e está conversando com todo mundo, mas com o que de fato ele se comprometeu? Entre platitudes sentimentalistas e entrevistas "chapa-branca", continua a ameaçar revogar o teto de gastos e a reforma trabalhista, interferir no preço do petróleo, botar a culpa das mazelas brasileiras na “subserviência do Brasil aos interesses estrangeiros”. Mudou o tom sobre a regulação da mídia, é verdade, mas não se declarou contra, preferindo dizer que a questão deve ser tratada “pelo Congresso” — o qual pretende controlar.

Seus supostos parceiros — PSB em particular  reclamam que a atitude do PT é altiva e hegemônica, que Lula recusa qualquer autocrítica, descarta uma nova “carta aos brasileiros” e segue se queixando de ter sido perseguido, o que sugere que pode querer uma revanche. 

Tão ruim quanto a volta da ORCRIM petista seriam mais quatro anos de cleptocracia "centrista", com Ciro Nogueira na Casa Civil e Arthur Lira no comando da Câmara. Se a "terceira via" não se consolidar, não haverá para onde correr, e depois não adianta chorar.