quinta-feira, 12 de maio de 2022

A FESTA DA DEMOCRACIA (FINAL)


Os pré-candidatos à Presidência ainda não estão oficialmente em campanha, mas Bolsonaro jamais despiu a fantasia de candidato à reeleição e Lula subiu palanque tão logo deixou sua cela VIP em Curitiba. Quando as campanhas realmente começarem, a coisa vai esquentar. A julgar pelo que já aflorou desse esgoto a céu aberto, teremos neste ano a disputa mais suja — e quiçá sangrenta — desde a redemocratização nesta republiqueta de bananas. 


A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o segundo turno será disputado por dois mestres em populismo e pós-doutores em demagogia, e o esclarecidíssimo eleitorado escolherá entre um ex-presidiário que deixou a cadeia graças a uma decisão teratológica da justiça “cumpanhêra” e um lunático que, se houvesse Justiça como manda o figurino em terra brasilis, já teria sido apeado da Presidência (e possivelmente acabaria na cadeia). 


Por essas e outras, desconfie de tudo que você lê e ouve e só acredite em metade do que vê com os próprios olhos, pois as coisas nem sempre são o que parecem. Para não ser feito de bobo, confira a veracidade das notícias em sites de jornais e revistas de grande circulação ou recorra ao G1 Fato ou Fake, à Agência Lupa e ao Projeto Comprova, entre outros serviços que se propõem a separar o joio do trigo.


Ricardo Noblat é petista de carteirinha, mas não há como discordar quando ele pondera que eleger um presidente no primeiro turno não é lhe passar um cheque em branco. Afinal, não foi em 1994 nem em 1998, quando FHC foi eleito e reeleito, ambas as vezes derrotando Lula no primeiro turno, (por 54% a 27% e 53% a 31% dos votos válidos, respectivamente). Mas a eleição deste ano não será uma eleição normal, até porque o presidente que aspira a um novo mandato não é um presidente normal. 


Nenhum outro mandatário desta banânia conspirou tanto contra a democracia restabelecida no país depois de 21 anos de ditadura militar quanto Bolsonaro. O discurso do ódio e da destruição do que o capetão chama de “sistema” está na boca de quem? Qual foi o presidente que mais tencionou o país de 1985 para cá? Qual foi o único que recomendou às pessoas que se armassem? Qual foi o que menos demonstrou empatia pelos que sofrem? Qual foi o que mais desvalorizou a vida alheia?


Os preparativos do golpe avançam e podem ser vistos por quem tem olhos para ver. Serão maiores as chances de o golpista dar com os burros nágua se qualquer outro candidato for eleito no primeiro turno com uma maioria confortável de votos. Quanto mais expressiva for essa vitória, menor será o risco de golpe. 


Curiosamente, o ex-capitão parece fazer questão de tornar as coisas mais fáceis para o ex-presidiário. Tão fáceis que bastou o líder nas pesquisas anunciar que sua prioridade é restaurar a democracia e reconstruir tudo o que o postulante à reeleição destruiu — saúde, educação, ciência, meio ambiente cultura... — para que a mistura de lula com chuchu fosse vendida como manjar. 


Impossível discordar da prioridade atribuída à democracia e à reconstrução da administração pública. Mas o desafio é bem maior do que misturar lula com chuchu numa chapa ou numa receita de risoto replicada nas redes sociais. Será necessário administrar diferenças internas para apresentar um cardápio econômico mais denso e palatável. Para ficar nos exemplos superficiais, o petista defende mudanças na política de preços da Petrobras e abomina as privatizações. 


O ex-tucano e outros conservadores que o pajé do PT deseja atrair para sua caravana querem a paridade internacional dos preços dos combustíveis e a desestatização de empresas como a Eletrobrás, e aprovam a venda de subsidiárias da Petrobras.


A despeito dos ataques ao sistema eleitoral e das ameaças às instituições, Bolsonaro avançou nas pesquisas eleitorais. O crescimento empurra Lula para um discurso do tudo-ou-nada democrático. Quanto maior for o número de aliados, mais aguado tende a ficar o programa de governo. 


Para atrair eleitores não convertidos, a pregação torna-se evasiva.

Sumiram do pronunciamento lido por Lula no sábado referências à reforma trabalhista, por exemplo. Nem revogação nem revisão. Nada! Aprisionado dentro das quatro linhas do discurso escrito, o molusco indigesto preferiu equiparar a defesa dos direitos trabalhistas a uma pregação anódina em favor da retomada do crescimento econômico.


Num ambiente assim, diz Josias de Souza, é preciso cuidar para não produzir uma decepção pós-eleitoral. Supondo que Lula prevaleça, Bolsonaro vai para casa. Nem por isso a inflação acabará, os empregos ressurgirão e o endividamento dos brasileiros desaparecerá. É preciso informar quais são os planos para melhorar a mistura.


Pode-se anunciar boa comida da boca pra fora. Mas é da boca pra dentro que se descobre a qualidade do prato. O risco à democracia não pode ser confundido com cheque em branco. Convém adicionar tempero à receita. Sob pena de encurtar o intervalo entre a eventual consagração e a desilusão.


Noblat diz que não pede votos para Lula (fica a critério de cada um acreditar ou não), mas apenas recomenda que se eleja um presidente no primeiro turno, qualquer um, menos Bolsonaro. O problema (e isso sou eu quem diz) é que a maldita polarização favorece os extremistas extremados, e a conspirata capitaneada por Bivar et caterva tirou Moro do páreo.


Resta saber quem disputará o Planalto contra nhô-ruim e nhô-pior. Eu votaria em Doria, em Tebet, até em Ciro, mas jamais em Bolsonaro ou em Lula.