Os pedidos de propina que resultaram na demissão do ministro-pastor Milton Ribeiro passaram de manchete a nota de rodapé depois que o presidente disfuncional criou a penúltima crise institucional para tentar disfarçar sua inaptidão para o cargo que ele jamais pensou em ocupar, mas que agora não quer deixar. Tanto a sucessão de crises quanto a intransigência do mandatário, que se recusa a reconhecer sua incompetência para presidir seja o que for, vêm ficando cansativas. Sobretudo porque desviam a atenção dos verdadeiros problemas que o país enfrenta (isso não significa que a permanência de Bolsonaro no cargo não seja um problema).
Ivan Lessa acertou em cheio quando disse que a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos. Se estivesse vivo, ele certamente teria encurtado esse prazo — como fez a BandNews com o bordão “em 20 minutos tudo pode mudar”, que passou a ser “em um segundo tudo pode mudar”. Prova disso é que o pleito plebiscitário de 2018 foi um dos piores da história recente desta republiqueta, e a récua de muares que atende por “eleitorado” vem se empenhando em tornar o próximo ainda pior.
Mais importante que apontar os culpados é resolver os problemas, mas há casos em se faz necessário identificar (e eliminar) e depois tratar das consequências, até porque, eliminando-se a causa, as consequências tendem a desaparecer. E de nada adianta mudar a roda da carroça se o problema é o burro. Governantes ímprobos e parlamentares desonestos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram votados. Prorrogar o mandato do capetão por mais quatro anos é tão inconcebível (mas não impossível) quanto a alternativa (mais provável) que se nos apresenta. Mas convenhamos: se as opções do cardápio se resumem a merda à parmegiana ou suflê de bosta, o mais sensato é procurar outro restaurante.
Tão absurdo quanto alguém com o currículo de Bolsonaro ser guindado à Presidência é a inação da caterva eleita para a Casa do Povo, que não só defende o mandato de um troglodita travestido de deputado, que foi condenado a 9 anos de prisão pelo STF, como indicá-lo para cinco comissões da Câmara. Ao afirmarem que cassar mandatos de congressistas é uma atribuição exclusiva do Legislativo, os presidentes das duas Casas, temendo um possível “efeito Orloff” de decisões desse tipo, isolaram o STF na Praça dos Três Poderes.
O que mais Bolsonaro fez nos últimos tempos, para além de gozar férias paradisíacas no litoral paulista e em cidades turísticas da costa catarinense, promover motociatas e fazer campanha pela reeleição (prática que o TSE não move uma palha para coibir), foi atacar a corte suprema e seus integrantes. Mas a anulação da pena imposta ao brucutu bolsonarista no dia seguinte à condenação, sem sequer esperar pela publicação do acórdão, foi um passo além. Talvez o tenha feito para estimular a escumalha de apoiadores mais radicais, ou (também) com propósitos eminentemente eleitoreiros (o que dá no mesmo).
Se vivêssemos numa democracia como manda o figurino, Bolsonaro teria sido apeado do cargo muito antes dos discursos golpistas de setembro do ano passado. Nesta republiqueta de bananas, porém, onde um ex-presidiário é convertido em ex-corrupto por conveniência da alta cúpula do Judiciário, não espanta que um pedido de desculpas mal ajambrado, rabiscado à pressas pelo vampiro do Jaburu, bastasse para que todos acreditassem que o sociopata estava sinceramente arrependido. Acorda, cambada!
Longe de mim pactuar com a volta de Lula (à cena do crime, como disse o atual candidato a vice-presidente na chapa encabeçada pelo ex-presidiário). Faço eco às palavras de Diogo Mainardi. Jamais votaria em Lula ou em Bolsonaro. E tampouco na “terceira via” — não depois do que a terceira via fez com a própria terceira via. A diferença é que Diogo mora em Veneza. Um oceano inteiro o separa do voto. Ainda segundo ele, quem se recusa a votar é chamado a se afastar completamente do processo eleitoral. É um erro abster-se e, ao mesmo tempo, tentar convencer os outros a fazer o mesmo. O abandono tem de ser absoluto, irrevogável, intransferível.
Em 2018, 36,3% dos eleitores acima de sessenta anos se abstiveram. Em 2020, a taxa foi ainda maior: 41,9%. É mais do que o eleitorado total de Lula ou de Bolsonaro. É provável que esse número seja superado em 2022, até porque há outra parcela do eleitorado que, de alguma maneira, poderia integrar a conta dos desistentes. Ela é formada pelos brasileiros que votaram num candidato a presidente e, em menos de quatro anos, conseguiram esquecer seu nome.
Em 2018, esse contingente desmemoriado representou 13,6% do total. Trata-se, porém, de uma gente dotada de uma superioridade moral que nunca serei capaz de atingir. É o desprezo supremo. Por mais que eu me empenhe, esse estágio sublime de imperturbabilidade está muito acima de minha capacidade, porque requer um grau de sabedoria digna de um Diógenes, o Cão.
O Brasil que se estrepe sozinho, sem a minha cumplicidade.