sábado, 21 de maio de 2022

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Sobre a decisão do que converteu o primogênito do capitão no mais recente “inocente entre aspas”, Josias de Souza escreveu em sua coluna que existe o inocente e existe o “inocente”. Existe a condição penal que decorre de uma sentença absolutória e existe tudo o que está implícito quando se associa a qualidade de “inocente” a um réu beneficiado por manobras judiciais — como em “ficou demonstrado que Flávio Bolsonaro é inocente” ou em “os procuradores perseguiram Flávio, um político inocente, para atingir a Presidência do pai dele”. 

 

Beneficiado pelo arquivamento da denúncia sobre o escândalo das rachadinhas, o primogênito do capitão é o mais novo “inocente entre aspas” da praça. Ele sempre se declarou “inocente”, “muito inocente”, “inocentíssimo”, mas um inocente convencional faria questão de ser julgado rapidamente, ao passo que Flávio, um “inocente sui generis”, conspira a favor da lentidão do sistema judiciário desde que passou a ser investigado pelos crimes graúdos abrigados sob o diminutivo da rachadinha. 

 

Eleito senador, o ex-deputado pediu que o caso subisse para o STF. O então ministro Marco Aurélio indeferiu. O réu insistiu, e os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes concederam a trava por mais de um ano. 

 

Zero Um exigiu ser julgado em foro privilegiado de âmbito estadual. Conseguiu transferir o processo das mãos de um juiz singular de primeira instância para um colegiado do TJ-RJ, com 25 desembargadores. Requisitou a anulação das provas produzidas sob a jurisdição do juiz Flávio Itabaiana e foi atendido pelo STJ, que providenciou o enterro de provas vivas. E o STF acomodou uma lápide em cima do túmulo. 

 

Diante do assassinato do processo, o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, pediu o arquivamento da denúncia que o Ministério Público apresentara contra Flávio há dois anos. Foi atendido na última segunda-feira, 16 pelo Tribunal de Justiça do estado. O procurador sustenta que o Ministério Público pode retomar o processo do estágio inicial, pois restaram algumas provas. A defesa de Flávio dá o caso por encerrado. 

 

De fato, o jogo parece jogado. A eventual reabertura do inquérito será sucedida de novas chicanas protelatórias, que desaguarão na prescrição dos crimes e na impunidade. Flávio continuará desfilando pela conjuntura como se nada tivesse sido descoberto sobre ele, embora abundem evidências que permitam manter a “inocência” do filho do pai escoltada por um par de aspas.

 

Continuam sobre a mesa, por exemplo, o primeiro relatório do Coaf, atestando a movimentação bancárias atípica de Fabrício Queiroz, a confissão em que o operador das rachadinhas admitiu que se apropriava de nacos dos salários dos servidores do gabinete do chefe, e a delação premiada em que a ex-servidora Luísa Souza Paes reconheceu que devolvia 80% do salário a Queiroz.

 

Se Lula e Bolsonaro já tivessem acertado suas participações nos debates presidenciais, haveria uma perspectiva de a plateia ser brindada com uma boa discussão sobre a “inocência” de Flávio e a ausência de explicações do presidente da República a respeito dos R$ 89 mil que Queiroz borrifou na conta de Michelle Bolsonaro. 

 

O tema teria que ser puxado por um terceiro debatedor, pois Lula também percorre a cena eleitoral como um “inocente entre aspas”. No seu caso, as sentenças de Curitiba foram anuladas pelo STF no pressuposto de que seriam julgadas novamente pela Justiça Federal do Distrito Federal, mas a prescrição chegou antes dos novos julgamentos.


Continua...