domingo, 22 de maio de 2022

O PENÚLTIMO GOLPE FINAL



Nova pesquisa Ipespe/XP sinaliza que a corrida presidencial está refém da disputa ideológica ‘direita versus esquerda’ — um ranço da Revolução Francesa que já deveria ter sido varrido do cenário político, mas enfim...

Sobre Lula, 65% o veem como alguém de esquerda, 6% como de centro-esquerda, 1% como de centro, 1% como de centro-direita e 7% como de direita; 20% não souberam ou não responderam. Em relação a Bolsonaro, 63% o consideram de direita, 4% de centro-direita, 3% de centro, 1% de centro-esquerda e 8% de esquerda; 21% não souberam ou não responderam.

Não sei se você acredita nessas pesquisas. Eu tenho cá minas reservas. Mas isso não muda o fato de que o Brasil caminha para as eleições mais figadais desde 1989, nem de que o clima eleitoral, que sempre foi marcado pela esperança da mudança ou da continuidade democrática, tornou-se um ambiente contaminado pelo temor de que o livre debate das ideias seja sufocado pela força.

Em 2018, a necessidade de impedir a volta do criminoso à cena do crime (parafraseando o atual candidato a vice na chapa do dito-cujo) levou-nos a eleger um sociopata que jamais disfarçou seu pendor golpista. Um mau militar que ingressou na política com votos de militares e passou 28 anos na Câmara como símbolo do extremismo de direita. Um parlamentar medíocre que, no terceiro mandato, pregou o fechamento do Congresso e o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique. Um subversivo que, questionado sobre o que faria se chegasse ao Planalto, respondeu de bate-pronto: “Daria golpe no mesmo dia”. Um despirocado que, na mesma entrevista, disse que o Brasil precisava de uma guerra civil, mesmo que isso provocasse a morte de inocentes, e, ato contínuo, escancarou seu desprezo pelas eleições: “Através do voto, você não vai mudar absolutamente nada neste país”.

A renovação promovida em 2018 foi, na maioria dos casos, desastrosa. Ao longo da campanha, Bolsonaro falou em fuzilar adversários políticos, disse que as minorias teriam que se curvar às maiorias, renovou ameaças ao Judiciário e à imprensa, prometeu “uma limpeza nunca vista”. Mas a rejeição ao lulopetismo corrupto falou mais alto, dando aso à vitória de um inimigo da democracia que se valeu dela para chegar ao poder. Numa trapaça história, o ex-capitão — que foi eleito com 57 milhões de votos e amplo apoio da elite econômica — pôs em marcha o plano anunciado em 1999 tão logo subiu a rampa. Não deu o golpe “no mesmo dia”, mas vem trabalhando diuturnamente para viabilizá-lo.

O ataque ao que foi chamado de velha política produziu uma onda extremista que adentrou às instituições moldadas pela Constituição de 1988 e envenenou o Estado Democrático de Direito, contra o qual os ataques passaram de exageros retóricos para a práticas antirrepublicanas, enquanto as sucessivas ameaças ao processo eleitoral põem em risco as eleições de outubro (algo que seria inimaginável cinco anos atrás). 

Depois de encenar mais um falso recuo, Bolsonaro fez um chamado à sublevação armada. Diante de uma possível derrota nas urnas, ele vê na ruptura institucional sua única alternativa para se manter no poder — e não hesitará em romper com a institucionalidade, como deixou claro nos discursos de Sete de Setembro e com o indulto a Daniel Silveira. Prova disso é ele elevar a cada dia o tom das ameaças. Nas últimas semanas, sua ofensiva ganhou apoio explícito de porta-vozes da caserna — o ministro da Defesa fez novas provocações ao TSE, e o comandante da Marinha endossou o discurso de questionamento das urnas. 

Ciro Gomes avisou está em curso um golpe contra a democracia. Se não forem tomadas providências já, chegaremos a um ponto sem retorno, advertiu o cearense de Pindamonhangaba. Nada muito diferente do que eu venho dizendo desde os primeiros arroubos autoritários do mandatário de fancaria. 

O golpe de Bolsonaro já começou. Se a democracia brasileira sucumbir, não será por falta de aviso.