Jair Bolsonaro começou a pavimentar o caminho que o levaria ao Palácio do Planalto em 2015, mas, a dois meses do pleito de 2018, todas as pesquisas de intenção de voto apontavam a vitória de Lula — o que causaria estranheza em qualquer democracia que se dê ao respeito, já que o “candidato” era ficha e estava cumprindo pena de prisão. Não obstante, quis o destino (ou alguém cujo nome permanece nas sombras) que um atentado a faca livrasse o candidato do PSL dos debates (nos quais ele teria sido trucidado por Ciro Gomes em rede nacional).
A menos de um mês do primeiro turno, o PT anunciou oficialmente que Fernando Haddad serviria de marionete para o presidiário de Curitiba. As empresas de pesquisa continuaram dando como certa a vitória do bonifrate e a eleição de Dilma para o Senado. Acabou que ambos foram fragorosamente derrotados. De acordo com os dados do TSE, Bolsonaro venceu Haddad por uma diferença de 10,8 milhões de votos válidos (houve 2,5 milhões de votos em branco e 8,6 milhões de votos nulos). E a ex-presidanta ficou a ver navios.
Depois de construir uma carreira parlamentar tão longa quanto inexpressiva, o ex-capitão deu uma prova cabal de que o Brasil não é um país sério. Para mostrar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada.
Para demonstrar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, percorreu 8 partidos — todos de aluguel —, sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada.
Para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.
Não podia mesmo dar certo.
Ao longo de sua desditosa gestão, Bolsonaro reafirmou ad nauseam sua autoridade com frases como “quem manda sou eu”, “minha caneta funciona” e “não sou um presidente banana”. Com a Com exoneração de Bento Albuquerque, no último dia 11, restaram no governo apenas três dos 22 ministros empossados em janeiro de 2019 (Paulo Guedes, Augusto Heleno e Wagner Rosário).
As “acusações” feitas por Sergio Moro ao desembarcar do Ministério da Justiça — sobre a ingerência política do presidente no comando da PF — foram claramente comprovadas na gravação da reunião ministerial de abril de 2020.
Observação: Entre outras coisas, o mandatário esbravejou: “Eu não vou esperar foder [sic] a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” Mesmo assim, a PF concluiu que não houve crime nesse caso (o inquérito ainda está em andamento, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes).
A CPI do Genocídio imputou a Bolsonaro nada menos que 9 crimes relacionados às políticas públicas de combate à pandemia. Para além das acusações relacionadas à compra da Covaxin e à suposta interferência na PF, o mandatário é investigado por disseminar desinformação sobre a eficácia da vacinação, promover ataques a ministros do STF, divulgar mentiras sobre a urna eletrônica e o TSE e vazar informações sigilosas em uma transmissão ao vivo na internet.
Durante a janela partidária, deputados bolsonaristas et caterva seguiram seu líder e migraram em massa para o PL, que passou a ter a maior bancada na Câmara. O PSL, que elegeu a maior bancada em 2018 na esteira de Bolsonaro & filhos, fundiu-se ao DEM para formar o União Brasil e foder a candidatura de Moro — que deveria ter ficado no Podemos ou, melhor ainda, na 13ª Vara Federal de Curitiba; talvez assim a Lava-Jato continuasse fazendo o bom trabalho que fez por mais de 6 anos, Lula estivesse cumprindo pena e nós não teríamos em outubro próximo uma reedição do pleito plebiscitário de 2018.
Por mal de nossos pecados, Bolsonaro tem chances reais de se reeleger. Não o conseguirá valendo-se da mesma estratégia que o levou ao Planalto em 2018, já que Gustavo Bebianno está morto e o napoleão de hospício Adélio Bispo, fora de circulação. Tampouco o fará pela via do antipetismo ou cascateando promessas vãs, como apoiar a Lava-Jato, acabar com a reeleição, enxugar a máquina pública, privatizar estatais, defender a liberdade de imprensa, reduzir a carga tributária, acabar com indicações políticas e não trocar cargos e verbas por apoio parlamentar, e tantas outras que ele enfiou onde o sol não bate depois que subiu a rampa.
Em 2018, uma parte do eleitorado que apoiou Bolsonaro por absoluta falta de opção não comemorou sua vitória, mas sim a derrota da marionete do presidiário. Agora, a menos que surja uma opção para além de reconduzir o “ex-corrupto” à Presidência ou reeleger um histrião que finca um pé no palanque e usa o outro para escoicear nossa frágil democracia, só resta aos eleitores cansados de votar em que não querem para evitar a vitória de alguém que querem menos ainda anular o voto ou simplesmente se abster.
A “porcínica” terceira via — aquela que foi sem nunca ter sido — era vista como a solução para furar a polarização, mas tornou-se parte do problema. Egos avantajados, falta de projetos e carência de apoio popular eliminaram um a um os postulantes. Restaram João Doria, que não empolga e não consegue unir o próprio partido, e Simone Tebet, que, pelo menos por enquanto, é uma ilustre desconhecida. Ciro Gomes está propenso a tentar outro voo solo, mas dificilmente aterrissará no Planalto — como não aterrissou em 1998, 2002 e 2018.
A não ser que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o embate final será mesmo entre a mistura do mal com o atraso e o sociopata com pitadas de psicopatia, que só existem como candidatos porque se retroalimentam.
E viva o povo brasileiro!