segunda-feira, 20 de junho de 2022

PEC DO EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES

 

Durante a cerimônia de promulgação da nossa Carta Magna, Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara Federal, assim se pronunciou: “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma.” 

 

O fato de a Constituição ter sido gestada em meio à ressaca de 21 anos de ditadura militar talvez explique por que a palavra “direito” foi mencionada 76 vezes, “dever”, em quatro oportunidades, e “produtividade” e “eficiência”, duas e uma vez, respectivamente. Talvez explique também por que a competência para decidir sobre a abertura de um processo de impeachment foi atribuída ao presidente da Câmara dos Deputados, e a de processar o mandatário por crimes comuns, ao Procurador Geral da República. 


O que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real. Nada justifica distribuir direitos a rodo sem apontar a origem dos recursos que devem bancá-los. Ou não haver prazo para o presidente da Câmara e o PGR analisarem as denúncias contra o chefe do Executivo e submetê-las a seus pares ou ao STF, conforme o caso. 

 

Os políticos que elegemos para exercer o poder em nosso nome fazem o que querem, como querem e quando querem, sem prestar contas a ninguém. Não raro, legislam em benefício próprio, seja para aumentar a burocracia que os mantém, para angariar votos para a próxima eleição ou para proteger seus pares. Em tese, cabe ao eleitor decidir o destino de políticos que mijam fora do penico, mas um título de eleitor nas mãos de um descerebrado é tão perigoso quanto uma caixa de fósforos nas mãos de um chimpanzé num paiol de pólvora.

 

Nossas leis são criadas por uma caterva que se elege para roubar e rouba para se reeleger. Quando um desses "representantes do povo" quebra o decoro ou comete algum ato reprovável, seus pares se apressam a mudar a lei para “transformar o errado em certo”. Mas reclamar com quem, se demos à chave do galinheiro à raposas que encarregam outras raposas de investigar o sumiço das galinhas?

 

Não há país que cresça quando a quase totalidade do Orçamento é consumida pela folha de pagamento do funcionalismo e benefícios e vinculações de toda sorte, e as crises fiscais são contornadas via aumento da carga tributária ou por remédios institucionais cada vez menos eficazes. O atual sistema representativo está falido, com partidos políticos que representam seus membros e mecanismos que favorecem o fisiologismo, o paternalismo e o patrimonialismo, mas nada dizem aos eleitores. O poder econômico quase sempre prevalece sobre o interesse dos cidadãos em geral, atrelando perigosamente a corrupção ao sistema político.

 

Os dias atuais não guardam a menor semelhança com o futuro imaginado pelos constituintes de 1988, que pretenderam assegurar o bem-estar e o desenvolvimento da nação por força de cláusulas pétreas que exaurem o Estado a pretexto de garantir direitos sociais. Direitos de quem, cara pálida? Só se for daqueles que “são mais iguais perante a lei que os outros”.

 

Os ministros do STF são indicados pelo chefe do Executivo. A sabatina no Senado não passa de mera formalidade. Nenhum nome foi rejeitado desde a redemocratização, a despeito da enxurrada de currículos duvidosos. Dias Toffoli, por exemplo, foi reprovado em dois concursos para juiz de primeira instância em São Paulo, mas recebeu a suprema toga de Lula em retribuição aos serviços prestados ao então presidente e a seu espúrio partido.


Para a vaga do ex-decano Celso de Mello, o atual mandatário indicou um desembargador piauiense “com quem tomou muita tubaína”, e para a de Marco Aurélio, um pastor “terrivelmente evangélico”, apadrinhado pela primeira-dama, que comemorou sua posse com pulinhos e gritinhos.

 

Não há limite para a recondução do Procurador-Geral ao cargo, nem tampouco a obrigatoriedade de escolher o chefe do Ministério Público Federal entre a partir da lista tríplice elaborada pelo próprio órgão, que Bolsonaro ignorou quando indicou Augusto Aras em 2019 e quando o reconduziu ao cargo em 2021. 

 

Tramitam na Câmara propostas de emenda à Constituição que mudam esses critérios (PEC 259/16 e apensados). Uma delas (PEC 225/19) prevê que os poderes Legislativo e Judiciário também indiquem ministros (em sistema de rodízio), e que o indicado seja juiz de segunda instância ou advogado com pelo menos 10 anos de prática, com mestrado na área jurídica. Além disso, o mandato dos togados, que se estende até a aposentadoria compulsória, aos 75 anos de vida, passaria a durar 12 anos.

 

Sobre a instável relação entre os Poderes, a penúltima piada pronta teve como protagonista o deputado bolsonarista Domingos Sávio. Apoiado pela liderança do governo na Câmara, ele vem colhendo assinaturas em prol de uma PEC que permitiria ao Legislativo sustar decisões do STF e combater o “ativismo judicial”. 


“É uma proposta que nós estamos chamando de ‘PEC do Equilíbrio entre os Poderes’. Quando o Supremo toma uma decisão inconstitucional a quem você vai recorrer? Só se for a Deus”, afirmou o autor do projeto.

  

A suspensão ocorreria por meio de um decreto legislativo apresentado pela maioria dos deputados e senadores e votado por 3/5 dos congressistas. Ou seja: o Congresso poderia, sem ter unanimidade, derrubar uma decisão não unânime do STF. Trata-se de uma evidente retaliação, mais um capítulo do embate entre os Poderes sustentado por bolsonaristas. 


Líder do Centrão e presidente da Câmara, Arthur Lyra diz não ter nenhuma relação com a proposta e que os deputados têm autonomia para propor mudanças na legislação. Outro líder do Centrão, Marcos Pereira, também negou participação na iniciativa.

 

Vamos acreditar.