Atribui-se a Otto Von Bismarck a máxima segundo a qual “os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis", e a Augusto Nunes a de que "o Brasil é um país com muitas leis e pouca vergonha na cara". Tem até lei que serve de pé-de-cabra para abrir celas de criminosos de alta periculosidade, como se viu no episódio de demência em que um ministro do STF soltou André do Rap, outro cancelou a soltura e, quando o plenário avalizou a decisão do segundo, o chefão do PCC já havia sumido do mapa — o ministro se aposentou meses depois, e ninguém falou mais no assunto.
Leis deveriam ser feitas para melhorar a vida das pessoas, mas vivemos num estado de anarquia legal criado pelos deputados e senadores, de um lado, e turbinado pelo Sistema Judiciário, de outro. Daí a espantosa quantidade de leis em vigor piorarem tudo. Segundo J.R. Guzzo, o país chegou até onde poderia ir com as regras do jogo que estão valendo hoje; melhor que isso aí não fica, pois o Judiciário e o Legislativo não deixam e o Executivo está fechado com os dois porque precisa deles para sobreviver.
Nossos parlamentares criam leis como os açougueiros de Bismarck produziam salsichas, e o Judiciário decide o que vale e o que não vale, conforme o acusado e o magistrado a que julga o processo, numa luta pela sobrevivência do Brasil velho, corrupto, subdesenvolvido e desigual, paraíso dos parasitas da máquina pública, da venda de favores e dos privilégios para quem tem força, inimigo do trabalho, do talento e do mérito individual. Suas altezas togadas afirmam candidamente que suas sentenças estão de acordo com a legislação, quando na verdade decidem o que as normas jurídicas querem dizer.
Não existe em lugar nenhum do mundo uma democracia em que a última instância do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as leis brasileiras obrigam os magistrados — como eles próprios asseguram sempre que soltam um ladrão de dinheiro público — a transformar o direito de defesa em impunidade, todo o sistema de justiça está em colapso, e o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras.
A esta altura, a questão deixou de ser o que os corruptos fizeram ou foram acusados de fazer, mas o que os julgadores estão fazendo ao abrir as celas de quem roubou o erário. Pelo que escrevem em suas sentenças, nossos conspícuos julgadores decidiram, na prática, que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção.
É possível existir democracia num país onde a alta cúpula do Judiciário, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decide o que é permitido e o que é proibido para 219 milhões de pessoas?
Triste Brasil.