quinta-feira, 25 de agosto de 2022

PREVENIR ACIDENTES É DEVER DE TODOS (OU: QUEM AVISA AMIGO É)

VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT.

Há quem diga que a sorte só bate à porta uma vez e quem diga que às vezes a vida nos dá uma segunda chance, mas se a aproveitamos ou não, aí é outra conversa.


Em tempos de polarização exacerbada e com as eleições se aproximando, é comum a gente falar ou escrever algo ditado pelo fígado, sem ouvir a voz da razão. Aliás, isso me lembra um filme no qual o protagonista se arrepende de postar uma carta (os detalhes não vêm ao caso) e se vê em em apuros quando tenta recuperá-la da caixa de correio. 

 

O correio tradicional foi superado pelo email, que foi superado por apps mensageiros, como o onipresente WhatsApp, onde digitamos a mensagem, tocamos na setinha verde e...  um abraço. O o Gmail oferece uma espécie de cláusula de arrependimento, mas é preciso ser rápido no gatilho para selecionar a opção "Desfazer", que fica disponível por poucos segundos.

 

Tudo seria diferente se pudéssemos simplesmente voltar no tempo e virar à esquerda na encruzilhada da vida em que optamos por dobrar à direita. Como eu mencionei na sequência publicada sob o título A Computação Quântica e a Viagem no Tempo (se você não leu, clique aqui para acessar o capítulo de abertura), viagens no tempo, recorrentes nos livros e filmes de ficção científica, são uma possibilidade que a Teoria da Relatividade de Einstein até admite, mas com ressalvas.

 

O deus grego Cronos devorava os próprios filhos, daí usarmos o termo “cronológico” para situar os eventos em nossa linha temporal. Digo "nossa" porque não sabemos ao certo se o tempo passa para nós, se nós passamos por ele, ou mesmo se o tempo é apenas um conceito criado para colocar alguma ordem no caos. Mas "vajamos" rumo ao futuro desde o instante em que nascemos e "visitamos" o passado quando olhamos as estrelas (o que vemos no céu é a luz que elas emitiram há dezenas, centenas, milhares, milhões, ou mesmo bilhões de anos). 

 

Até não muito tempo atrás, achava-se que a "seta termodinâmica do tempo" só apontava para o futuro, já que quando dois corpos ou sistemas com temperaturas diferentes são colocados em contato (como quando se adiciona gelo a uma bebida) o mais quente esfria e o mais frio esquenta, até o equilíbrio termodinâmico ser alcançado (esse fenômeno foi batizado de "seta do tempo", ou, tecnicamente, "seta termodinâmica do tempo", pelo astrônomo britânico Arthur Eddington). 


A Segunda Lei da Termodinâmica explica porque um vaso que cai e se parte em mil pedaços não volta intacto a seu pedestal, mas experimentos combinando teorias quânticas com termodinâmica levaram à termodinâmica quântica, à luz da qual é possível inverter a seta termodinâmica do tempo usando dois sistemas quanticamente correlacionados e com temperaturas distintas (fenômeno corriqueiro no microuniverso dos átomos e suas partículas, onde núcleos atômicos desempenham os papeis de "corpo quente" e "corpo frio"). Quando os dois sistemas interagem entre si, o mais frio esfria e mais quente esquenta, contrariando a seta termodinâmica do tempo e, por conseguinte, a Segunda Lei da Termodinâmica. Em tese, isso significa que o tempo pode, sim, andar para trás — pelo menos no diminuto universo atômico e subatômico.

 

O espaço-tempo é uma espécie de pano de fundo para todos os fenômenos do Universo, onde o trânsito pelas três dimensões espaciais se dá por "vias de mão dupla". Mas na quarta dimensão — que acontece de ser justamente a do tempo — essa via é de mão única. Ou seria. Talvez a seta do tempo não precise "apontar" necessariamente para o futuro, e talvez um dia as viagens no tempo se tornem tão corriqueiras quanto os voos internacionais (que eram uma possibilidade inconcebível até o início do século passado). 


Os físicos veem o tempo como algo que permite a evolução de um fenômeno, daí ser inexata a "Marcha do Progresso" (vide figura que ilustra esta postagem). Mas o tempo é o que está por trás de um fluxo de eventos sucessivos. Se assumirmos que esse fluxo ocorre numa direção preferencial, o que aconteceu ontem impõe restrições ao que acontece hoje. E "esse hoje", quando deixa de existir (isto é, quando vira ontem), impõe novos limites ao novo presente (ou futuro, como queiram). Pelo fato de esse fluxo rumo ao futuro depender do presente que virou passado, o Universo evolui lentamente, sempre com o tempo impondo limites ao que pode acontecer.

 

O tempo é isso, familiar e íntimo, e sua força nos arrasta”, anotou o físico italiano Carlo Rovelli no livro A Ordem do Tempo. Rovelli tem como campo de pesquisa a Gravidade Quântica em loop, que descreve a gravidade em níveis subatômicos, o que permite descrever o tempo quanticamente e teorizar sobre sua ausência. Comprovar essas teorias talvez seja apenas uma questão de tempo, mas onde há um físico teórico sempre existe uma possibilidade — a princípio teórica, pois a palavra final cabe aos físicos experimentais. 

 

Da feita que "shit happens" e a viagem ao passado ainda não é possível, leia, releia e torne a ler os emails e as mensagens de WhatsApp antes de clicar em "Enviar". Prevenir acidentes é dever de todos, e quem avisa, amigo é.