sábado, 27 de agosto de 2022

TRISTE BRASIL

 

A maioria do empresariado apoiou o golpe de 1964. Em meio à Guerra Fria e com União Soviética e Cuba financiando partidos pela América Latina. Naquela época, a narrativa da "ameaça comunista" fazia algum sentido. 

Durante o governo Castello Branco, a minoria que esperava eleições em 1965 se decepcionou. Outra minoria se manteve ao lado dos militares e chegou a financiar os órgãos de repressão. Entre os dois extremos, a maioria, edulcorada pelo "milagre econômico", simplesmente se deixou levar. Até que vieram as crises — primeiro a do petróleo, depois a da alta dos juros nos EUA, que quebrou a América Latina. 

No início dos anos 1980, o agigantamento da dívida externa e a recessão derrubaram o principal pilar da ditadura — que era a falácia da eficiência econômica —, e o repudio à censura, à tortura e ao controle da política propiciou a volta dos fardados aos quartéis, mas, desgraçadamente, a "Nova República" passou por seguidas convulsões econômicas. Hiperinflação, déficit nas contas públicas e falta de dólares levaram Sarney a decretar moratória, e a coisa foi de mal a pior até o Plano Real trazer a tão sonhada estabilidade — com responsabilidade fiscal, acerto das contas externas, privatizações em setores-chave, reforma administrativa e uma quase reforma da Previdência.
 
O favoritismo de Lula em 2002 provocou turbulência nos mercados — o dólar foi a R$ 4 (hoje seriam mais de R$ 10) —, mas a ortodoxia econômica e a explosão das commodities botaram água na fervura. Mais adiante, mensalão, petrolão, volta da inflação e dois anos de recessão fomentaram o antipetismo (
que foi amplamente apoiado pelo capital em 2018), e aí o país caiu nesse horror que é o governo Bolsonaro. Agora o capital volta a flertar com Lula, na expectativa de uma reprise de seu primeiro mandato com um pedido de desculpa pelos erros. Mas a conjuntura é outra. Não bastasse o (nada alvissareiro) cenário internacional, há ainda a famigerada politicalha tupiniquim. 

Lula, favorito nas pesquisas, denuncia os “gastos eleitoreiros” do adversário, mas diz que não se pode colocar teto na despesa pública — o teto que Bolsonaro et caterva vêm detonando há muito tempo. 
 
Observação: Em entrevista ao JN da última quinta-feira, o Lula tentou driblar perguntas sobre como evitará corrupção caso seja eleito. No melhor estilo "animal político", ele admitiu erros na gestão de Dilma e corrupção na Petrobras, até porque não sua vantagem nas pesquisas não lhe permite o luxo de permanecer dentro da bolha. Assim, manteve o tom apelativo de entrevistas anteriores, colocando-se como vítima de um improvável conluio judicial. O tema “Lava-Jato” consumiu meia dúzia de perguntas, que os entrevistadores mantiveram na superfície do esquema de corrupção, sem explorar as contradições do candidato. O tom mais suave da bancada permitiu-lhe usar a sabatina como palanque e mentir sem ser desmentido. Segundo a lógica do entrevistados, ele não poderia ser responsabilizado pela recessão resultante do abandono do tripé macroeconômico e da contabilidade criativa de sua pupila. O“nós contra eles” seria apenas uma coisa boba de “torcida organizada”, mas sem a violência — afinal, na política é preciso tratar o outro como adversário, nunca como inimigo. A polarização é até uma coisa boa, existe em toda parte, menos “no Partido Comunista Chinês e no Partido Comunista Cubano”. E o MST do Lula, segundo o próprio Lula, nunca invadiu uma terra produtiva na vida. Deve ter sido outro. Ao fim e ao cabo, a opinião geral é que ele se saiu melhor que Bolsonaro, que, como de hábito, preferiu o caminho da mentiraA quem interessar possa, sugiro ler o resumo apresentado pelo Estadão.
 
Nem Lula nem Bolsonaro revelaram como pretendem lidar com o Orçamento no ano que vem e nos próximos. Mas o que esperar da reeleição do atual presidente senão uma versão piorada dos últimos quatro anos? E de Lula, que emula (sem trocadilho) o ex-ministro da fazenda Rubens Ricúpero ("o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde") ao desfiar o rosário de maravilhas de seus dois governos? Seu primeiro mandato foi bem sucedido porque se ateve à ortodoxia econômica, mas o segundo descambou para o “desenvolvimentismo” e institucionalizou a corrupção. 
 
A célebre frase de Ivan Lessa explica o favoritismo do petralha: a cada 15 anos o brasileiro esquece o que aconteceu nos últimos 15 — se vivo fosse, o saudoso cofundador do Pasquim certamente reduziria sua expectativa de memorização da população para quinze dias. Mas a questão é: se Lula vencer, qual Lula estará de volta? 
 
Tanto os devotos do bolsonarismo boçal quanto os sectários do lulopetismo corrupto endeusam seus pontífices — e continuariam endeusando ainda que os flagrassem estuprando uma velhinha em praça pública. Mas, a exemplo do que ocorreu em 2018 em relação a Bolsonaro, uma parcela considerável do eleitorado está propensa a tapar o nariz e votar no ex-presidiário por absoluta falta de opção (mais quatro anos de um governo antidemocrático, incompetente e, ao que tudo indica, tão corrupto quanto os anteriores não é uma alternativa viável), na medida em falta um mês para o primeiro turno, e nem Ciro nem Simone se mostram competitivos.  
 
O fiasco da terceira via deve-se ao fato de que a maioria dos eleitores "não gosta de perder voto", ou seja, considera como variável determinante a chance de vitória do candidato. Como Bolsonaro foi uma decepção, o jeito é votar em Lula. 

Mário Covas dizia que um candidato amplamente favorito só perde a eleição se fizer alguma coisa muito errada na frente de muita gente. Lula, que é um "animal político", sabe disso, o que explica a presença de Alckmin em sua chapa e a tentativa de agregar apoios em todos os lados do espectros político-partidário. E o povo que se lasque.
 
Triste Brasil.

Com Carlos E. Sardenberg