Lula usou no Jornal Nacional os velhos truques retóricos do PT para encobrir suas responsabilidades pela roubalheira no Brasil e pelo apoio a ditaduras estrangeiras. Virou um negacionista dos esquemas criminosos. Esperava vista grossa, assim como esperava que as medidas anticrime originais fossem ser aplicadas contra o crime organizado, não contra os próprios petistas. Como a única "autocrítica'" do PT diz respeito às brechas que o partido deixou para ser exposto em toda a sua crueza, Lula não quer cometer esse "erro" de novo, mas usa acertos involuntários do passado para enganar o povo sobre o futuro.
Na sabatina, só admitiu a existência do petrolão porque "você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram e devolveram o dinheiro roubado". Como Palocci confessou, mas o envolveu, o ex-corrupto mentiu sobre a relação da força-tarefa com os colaboradores: "Você não só ganhava liberdade, por falar o que queria o Ministério Público, como ganhava metade do que roubou. Ou seja, o roubo foi oficializado pelo MP", disse.
O colunismo lulista adorou a performance do candidato, mas Sergio Moro ironizou: "Lula não explicou a roubalheira, desviou da pergunta. O saque bilionário à Petrobras aconteceu sem o seu conhecimento? A única verdade na entrevista é a voz rouca. (...) Diz que vai para a Presidência no sacrifício; preferia ficar em casa. No triplex ou no sítio de Atibaia?"
Pior ainda é a indefinição de Bolsonaro sobre o debate marcado para a noite de hoje. Na sexta-feira, durante um bate-papo pra lá de descontraído na chapa-branquíssima Jovem Pan, o capitão disse: "Eu devo estar no domingo. Achava que não, mas agora acho que devo ir. Mas vou ser fuzilado, vão atirar em mim o tempo todo porque eu sou o alvo compensador para eles. (...) No tocante a responder eu não devo nada, então é tranquilo responder essas acusações que fizeram ao longo do tempo todo aí nas mídias."
Ao dizer "não devo nada", Bolsonaro parece confundir debate com inquérito policial. Como presidente da República e candidato à reeleição, isso de "não devo nada" não existe.
Todos os candidatos aptos a debater já confirmaram presença, exceto os franco-favoritos. Lula condiciona sua participação à presença do seu principal rival, que faz declarações dúbias — ora diz que não vai, ora insinua que pode dar as caras. Só falta os dois ficarem em frente ao estúdio aguardando a entrada um do outro para definir o que fazer.
Atualização: Os 2 só confirmaram o comparecimento neste sábado. Havia dúvidas sobre quais seriam os riscos e os benefícios de comparecer a esse tipo de evento. Pela manhã, o petista anunciou a decisão em suas redes sociais. Horas depois, o atual presidente também confirmou.
Observação: Desconhecida do grande público e desprezada em seu próprio partido, Simone Tebet surpreendeu pela experiência política, capacidade técnica e emoção autêntica. Saiu-se melhor na bancada do JN do que em entrevistas recentes a emissoras de rádio e portais. A dupla de apresentadores tentou emparedá-la por sua incapacidade de reunir apoio no próprio MDB ou pelos péssimos índices de segurança e educação da gestão de André Puccinelli, de quem foi vice-governadora. A senadora reagiu com tranquilidade, destacando a polarização política que atinge toda a sociedade e explicando que nunca teve a caneta de governadora na mão. Se ganhará votos, ainda é cedo para saber, mas há dúvidas de que ela conquistou admiradores. Sua presença na disputa eleitoral qualifica o debate e a cacifa para 2026.
Pior do que o antipetismo ou o antibolsonarismo primário é o pró-petismo ou o pró-bolsonarismo inocente. Isso inclui aceitar a tese de que o coronel da esquerda e o capitão da direita vieram ao mundo para desempenhar uma missão que, por divina, é indiscutível. São movidos por uma fé que lembra a origem, cristã ou socialista, da maioria dos seus devotos. O ingrediente da dúvida está excluído de ambos os credos. Num caso, a presunção de virtude vem de revelações divinas. Noutro, vem de uma certa inevitabilidade dos processos históricos.
Não é a hipocrisia de Lula e Bolsonaro que assusta. A hipocrisia pelo menos é uma estratégia compreensível para pessoas que têm um enorme passado pela frente. O que espanta é perceber que, em certos momentos, ambos parecem acreditar de verdade que sua missão sublime no planeta lhes dá o direito de transformar as eleições num circo que sonega a exposição de meia dúzia de projetos e explicações a um eleitorado que banca a bilheteria de R$ 5 bilhões do fundão eleitoral.
Hoje, o debate presidencial é mais essencial para a educação democrática dos candidatos do que para o esclarecimento do eleitor.
Com Felipe Moura Brasil, Josias de Souza e Claudio Dantas