O Natal celebra o momento histórico em que, segundo os cristãos, Deus veio à Terra em forma de criança para salvar a humanidade. Mas é bom lembrar que Jesus era judeu e que não há comprovação de que tenha nascido no dia 25 de dezembro. Dos quatro evangelistas, somente Mateus e Lucas mencionam seu nascimento; o primeiro relata que Maria e José eram naturais de Belém e chegaram a Jerusalém como refugiados; o segundo informa que os pais do menino-deus eram nativos de Nazaré e se mudaram para Jerusalém devido a um suposto recenseamento cuja realização fora determinada por Herodes.
Sabe-se que os Sumérios dividiram o ano em 12 meses de 30 dias em 2700 a.C., que a origem de muitas celebrações cristãs remonta às festividades pagãs e que o Natal adveio da Saturnália — um banquete acompanhado de troca de presentes que os romanos promoviam, todo final de ano, no templo de Saturno (para saber mais, clique aqui).
Instituído pelo Papa Gregório XIII no final do século XVI, o Calendário Gregoriano se popularizou mundo afora porque a Europa era a maior exportadora de cultura na Idade Média, e usar o sistema de marcação de tempo criado pela Igreja Católica facilitava o relacionamento entre as nações. No Brasil, a comemoração do Natal se deve aos holandeses, que ocuparam Recife e Olinda no século XVII (as duas cidades premiam até hoje as fachadas de casas, prédios e lojas por suas decorações natalinas).
No início dos anos 1960, quando eu comecei a me entender por gente, as crianças perdiam os dentes-de-leite antes de descobrir que Papai Noel era apenas o Espírito do Natal — que surgia no início de dezembro e "crescia" como o apito de um trem que se aproxima da estação. As pessoas penduravam guirlandas nas portas das casas, montavam presépios e enfeitavam as árvores de Natal (não necessariamente nessa ordem). Naquela época, os votos de boas festas soavam sinceros.
Ainda que muitos lojistas desembalam a decoração natalina em meio ao rescaldo da Black Friday, o clima festivo e o espírito de camaradagem — que campeavam soltos todo final de ano, independentemente da fé ou da crença religiosa das pessoas — parecem não existir mais. Ainda há quem monte árvores de Natal e decore janelas e varandas com pisca-piscas, mas o clima é artificial e os votos carecem de calor humano.
Observação: Acredita-se que a tradição da árvore de Natal teve início no século XVI, quando Martinho Lutero utilizou galhos de árvores, algodão, velas acesas e outros enfeites para emular a imagem de um pinheiro coberto de neve e tendo como plano de fundo o céu estrelado. A ideia de montar um presépio para recriar o cenário do nascimento do Menino Jesus é atribuída a São Francisco de Assis.
Acredita-se que a imagem do velhote barrigudo, de bochechas rosadas e barbas brancas tenha sido inspirada em São Nicolau, mas casacos de pele (bordados de vermelho ou verde), mitras, estolas e luvas não eram usados na costa mediterrânea quando o dito-cujo caminhava entre os vivos. Primeiro, porque o cristianismo era uma religião minoritária, perseguida e proibida; segundo, porque Nicolau era pobre — e ainda que assim não fosse, ele dificilmente sairia pelas ruas todo paramentado, pois a miséria campeava solta e os roubos eram frequentes.
Nada indica que Nicolau se tenha destacado pela disposição e alegria com que foi posteriormente retratado. No incidente mais importante de sua vida, registrado pela primeira vez em meados do século VI, ele interrompeu uma execução e confrontou um juiz até que este admitisse ter aceitado suborno. Um artigo da revista National Geographic, que segue a transformação de Nicolau de santo a Papai Noel, cita um conto segundo o qual o religioso teria entregado secretamente três sacos de ouro para o pai de três moças pobres oferecer como dote, salvando-as de uma vida de prostituição.
Ao descrever a metamorfose festiva de bispo, o site do History Channel menciona que o conto dos três dotes é "uma das mais conhecidas histórias de São Nicolau". A despeito de essa lenda promover o santo a entregador de presentes, outra história mais sombria reza que, em meados do século X, na Baixa Saxônia, o bom velhinho teria trazido de volta à vida três crianças que um criminoso esquartejara e colocara em barris de madeira (para com elas fazer compota). Artistas itinerantes encenaram esse drama em cidades e vilarejos de toda a Europa, e assim São Nicolau se tornou padroeiro e protetor das crianças (para saber mais sobre a vida do santo, clique aqui).
Oportuno salientar que no final do século XIX os líderes cristãos dos Estados Unidos (em sua grande maioria protestantes) proibiram as celebrações natalinas por considerá-las pagãs. Mas as pessoas queriam comemorar, sobretudo os trabalhadores braçais, que ficavam ociosos durante o inverno e não raro se embriagavam e saíam às ruas para farrear e saquear. E foi assim, de acordo com o historiador canadense Gerry Bowler, que a classe alta nova-iorquina criou a Sociedade São Nicolau de Nova York, que basicamente reescreveu a história do Natal.
A festa de São Nicolau era celebrada em 6 de dezembro (data da morte do religioso) até o início do século XIX, quando a Reforma Protestante acabou com os santos cristãos e o Natal também foi abolido em grande parte da Europa. Na Holanda, porém, uma figura tradicional continuou viva: o Sinterklaas, que usava uma mitra (chapéu alto e pontudo) de cor vermelha, tinha uma longa barba branca, como São Nicolau. Foi ele que inspirou os nova-iorquinos a tirar os bêbados da rua e presentear as crianças.
Mais adiante, o escritor Washington Irving escreveu uma série de contos em que São Nicolau voava pelas casas fumando cachimbo e deixando presentes para as crianças bem-comportadas. Anos depois, um poema anônimo publicado na revista britânica The Children’s Friend citava um personagem chamado Santeclaus — um velho gorducho dirigia um trenó puxado por renas e deixava presentes nas meias das crianças. Por fim, um estudioso episcopal chamado Clement Clarke Moore escreveu um poema conhecido como The Night Before Christmas, no qual São Nicolau entrava pelas chaminés. A história foi rapidamente difundida pelos Estados Unidos e, no início do século XIX, São Nicolau foi padronizado como Santa Claus, o nosso Papai Noel.
A imagem do bom velhinho que Thomas Nast criou para revista Harper's Weekly durante a guerra civil norte-americana lembrava um duende. Até o início dos anos 1930, ele foi retratado vestindo uma indumentária de cor marrom. Depois que a campanha publicitária da Coca-Cola vinculou o refrigerante às festas natalinas, o velhote ganhou o barrigão, as barbas brancas, o casaco vermelho de gola e punhos brancos, o cinto largo e as botas pretas.
Entre 1931 e 1964, o ilustrador Haddon Sundblom pintou cenas encantadoras da casa de Papai Noel para a Coca-Cola, e Norman Rockwell o retratou como um velhote bonachão. As pessoas gostaram tanto dos anúncios que a fabricante de refrigerantes recebeu uma enxurrada de cartas quando o cinto preto de Papai Noel foi exibido de cabeça para baixo; quando o personagem apareceu sem a aliança de casamento, milhares de fãs escreveram para perguntar o que havia acontecido com a Senhora Noel.
Seja qual for a versão verdadeira, faço votos de que Papai Noel se lembre de nós em mais este Natal, a despeito da cizânia e da desgraceira com que o noticiário nos brinda diuturnamente. Quanto ao tradicional "presentinho", nos últimos anos ele virou "lembrancinha" — isso quando não foi rebaixado a um prosaico cartão de Natal virtual (para economizar o selo de correio).
Observação: Vale destacar que os tradicionais "pinheirinhos de Natal" são na verdade tuias — coníferas pertencentes à família das Cupressáceas, que têm formato, cor e cheiro característicos dos dias 24 e 25 de dezembro.