sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

LULA NO PAÍS DAS MARAVILHAS

 

A derrota de Bolsonaro foi um alívio. O mal que sua passagem pelo Planalto causou ao país foi inominável e o comportamento de seus acólitos extremistas, execrável. Mas nem tudo são flores. 


Depois de ir ao Egito de carona com o fundador da Qualicorp e dono da Qsaúde, o presidente eleito — que sequer tomou posse — viajou de São Paulo a Brasília num jatinho da empresa Millennium Locadora, que já figurou em confusões envolvendo os governadores do Amazonas Amazonino Mendes e Wilson LimaÉ preocupante ver o futuro mandatário repetindo "erros" cometidos no passado e a cambada que apoiou sua volta, disputando a tapa uma boquinha na futura administração. 


A principal excentricidade da crise atual é a delinquência acéfala, a máfia sem capo abateu prontamente a penúltima manobra golpista ao rejeitar o "esdrúxulo e ilícito pedido" do PL e multar o partido em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé. No entanto, mesmo acertando no ritmo e no tamanho da paulada, "Xandão" mandou a conta para o contribuinte — seria mais justo se o CNPJ do PL fosse trocado pelo CPF de Valdemar Costa Neto e de Jair Bolsonaro, mas o bunker do golpe opera num mundo próprio, onde a República virou monarquia e a imunidade reina no planalto central.
 
Em 2018, o "mito" dos atoleimados prometeu combater a corrupção e o toma-lá-dá-cá na política, mas não fez nem uma coisa nem outra. Seus apoiadores lobotomizados ecoam a falácia de que não houve uma única denúncia de corrupção durante a gestão de seu ídolo, mas são desmentidos pelos fatos

Houve casos de corrupção em áreas estratégicas, como Saúde e Educação, bem como pastores cobrando propina em barras de ouro e dinheiro em pneus, sem mencionar as famosas rachadinhas e a compra de imóveis com dinheiro vivo por Bolsonaro e seu clã. O relatório produzido pela CPI da Covid propôs o indiciamento de 78 pessoas e atribuiu pelo menos 9 crimes ao capetão. 

Mais recentemente, o MPF abriu 33 investigações sobre repasses de dinheiro para prefeituras de municípios maranhenses. As investigações começaram a partir de uma nota técnica do Ministério da Saúde feita em setembro, segundo a qual foram gastos R$ 21 milhões com tratamento pós-Covid em todo o Brasil. As prefeituras das 33 cidades maranhenses abocanharam 93% desse total, a pretexto de ter havido 1,1 milhão de atendimentos pós-Covid neste ano, a despeito de todo o resto do país ter notificado cerca de 200 mil terapias. 
 
A boa notícia é que falta menos de um mês par Bolsonaro ir com Deus paro diabo que o carregue. A má notícia é que Lula não terá os cem dias de tolerância que uma lei consuetudinária, mas respeitada na política, concede a toda nova gestão. Primeiro, porque o verdugo do Planalto se autoconverteu num caso raro de ex-presidente ainda no exercício da Presidência; segundo, porque, com o país acéfalo, o ex-presidiário descondenado e reconduzido ao Planalto teve de entrar em campo mais cedo e já preside sua primeira crise. 

Do PL de Bolsonaro ao PT de Lula, todos se renderam ao charme de Arthur Lira. A dois meses da eleição interna, o presidente da Câmara já garantiu um segundo mandato com o apoio de ao menos 15 partidos e mais de 300 votos. Pelo menos, o pagador de impostos não será mais enganado. Essa é a verdadeira democracia brasileira, não a simulada durante a campanha eleitoral, quando os protagonistas do duelo nacional, com apoio de suas militâncias e das redes sociais, arrastaram o país para uma polarização teatral — polarização fabricada, mas que muitas vezes é levada a sério por parentes, amigos e colegas de trabalho, maconheiros ou patriotas.


Nosso guerreiro Alexandre de Moraes poderá, finalmente, descansar de sua épica batalha contra caminhoneiros, tias do zap e blogueiros golpistas. Lira é garantia de estabilidade institucional. Assim como engavetou mais de 150 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, prolongando a tragédia da pandemia, nosso Ulysses decaído garantiu um orçamento de guerra para amenizar a dor das famílias, e garantirá que o Brasil de Lula também não passe por turbulências, desde que o petista não mexa em seu butim. Nem ele nem ninguém, use toga ou não.


Para os fãs do futebol e da seleção canarinho, resta torcer pela vitória do escrete tupiniquim no jogo contra o time de Camarões. Afinal, o povo precisa de pão e circo. O pão está pela hora da morte, mas o circo vem sendo transmitido ao vivo pela rede Globo. Cerveja, picanha e salgadinhos são cobrados à parte.

 
Com Josias de Souza