No final de janeiro, em reunião com governadores, Lula declarou: "Nós vamos mostrar ao povo brasileiro que o ódio acabou. O Brasil vai voltar à normalidade." Decorras duas semanas, ele se acorrentou a uma agenda bélica, estruturada sobre uma tríade que faz lembrar a anormalidade da gestão Bolsonaro: tiro, porrada e bomba.
A pauta de Lula é a seguinte:
1 — Tiro no próprio pé: O governo de frente ampla perde o nexo quando nem o pedaço petista da equipe consegue falar a mesma língua. Na Fazenda e no BNDES, Haddad e Mercadante se desentendem com o chefe expressando-se no mesmo idioma. Eles falam uma coisa e Lula diz o oposto.
2 — Porrada no Banco Central: Mimetizando o comportamento do antecessor, Lula transfere responsabilidades. "A culpa é do Banco do Central. Mas é o Senado que pode trocar o presidente do Banco Central." Até outro dia, Haddad precisava convencer o mercado de que conseguiria colocar as contas nacionais em ordem e reativar a economia. Agora, só precisa convencer Lula.
3 — Bomba na Eletrobras: Lula declarou que a privatização da Eletrobras foi "quase uma bandidagem". Anunciou que a Advocacia-Geral da União ralará na Justiça para rever o "contrato leonino" contra o governo.
Lula não deve propor ao Congresso o fim da autonomia do Banco Central, até porque seria derrotado. E tampouco planeja recomprar ações da Eletrobras. "Minha prioridade neste momento é acabar com a fome", ele próprio admite, numa concessão ao óbvio.
O mundo em volta deixa de ter importância quando o presidente briga por brigar. Fica entendido que o petista também tem a sua realidade paralela. Desmontou todas as armadilhas de Bolsonaro, mas a fábrica de crises do Planalto continua em pleno funcionamento.
Com Josias de Souza