Cesse tudo que a antiga musa canta: Bolsonaro deve desembarcar em Brasília às 7h10 da próxima quinta-feira, 30. Rezemos para o avião não cair (trata-se de um voo comercial, e os demais passageiros não têm culpa de nada), da mesma forma como vimos torcendo pela recuperação de Lula da "leve pneumonia" (o médico Roberto Kalil afirmou à CNN que o quadro do presidente é bom e que ele está liberado, mas a vagem foi cancelada mesmo assim. De acordo com o Palácio do Planalto, as autoridades chinesas já foram informadas, inclusive do desejo de remarcar a visita.
Lula está velho e rabugento. A dor no joelho não o deixa dormir direito. Uma "pneumonia leve" resultou no adiamento de sua viagem à China. Ele disse que estava poupando a voz para o encontro com Xi-Jinping — o que é curioso, pois o líder chinês não fala português nem o nosso fala mandarim (na verdade, ele mal consegue se expressar em português sem assassinar o vernáculo).
Sergio Moro e sua família vinham sendo monitorados desde o começo do ano, mas Lula acha que é tudo uma armação do ex-juiz. Moro disse que era alvo do grupo criminoso desde janeiro, mas Lula acha que tudo não passa de "armação". A PF prendeu nove suspeitos e revelou que o PCC investiu R$ 5 milhões para resgatar Marcola e atacar Moro, mas Lula acha que é tudo "armação". O ministro da Justiça Flávio Dino disse que os criminosos tinham bunker para servir de cativeiro e paiol de armas, mas Lula acha que "é tudo armação".
Para não dizer que é caso de internação, digamos que alguém deveria perguntar a Lula o que o rei Juan Carlos, da Espanha, perguntou Nicolás Maduro em 2007. O problema é a periferia do poder — todo presidente, por pior que seja, tem um séquito de puxa-sacos. Dias atrás, o senador petista Humberto Costa disse que "a PF de Lula salvou a vida de Moro". Alguém deveria lembrá-lo de que a Polícia Federal é um órgão de governo, não de Estado.
Saber quando calar é uma virtude, sobretudo quando o governo que mal começou já começou mal sob muitos aspectos. Lula quer a cabeça de Roberto Campos Neto, como se a Selic estivesse em 13,75% por um capricho do presidente do BC, e não como tentativa de conter a inflação. O mal que Lula deseja "a esse cidadão que chefia o Banco Central" perdeu a relevância diante da incapacidade do petista de fazer bem a si mesmo e a seu governo. Enquanto o bumbo de Haddad assegura que a nova regra fiscal e a reforma tributária farão deslanchar a economia, Lula sinaliza aos investidores, que esperam ver o sol nascer, que a alvorada talvez, quem sabe, só chegue em 15 de abril. E o dinheiro não gosta de dúvidas e imprevistos.
Costuma-se dizer que o ano só começa no Brasil depois do Carnaval, mas Lula adiou o início de 2023 para depois da Páscoa ao oferecer ao BC a possibilidade de retardar para maio um eventual início do declínio dos juros. No mês passado, o petista disse que não precisa "pedir licença para governar", mas os investidores esperam que ele comece a governar. Se fosse minimamente coerente, o xamã do PT aplaudiria Paulo Guedes e seu liberalismo criativo.
Não existe coerência em Brasília das maravilhas sob a batuta lulista — se houvesse, a decisão do GSI de impor sigilo aos registros de acesso ao Palácio da Alvorada seria revogada. Lula passou a campanha criticando a obsessão de Bolsonaro pelo sigilo, e agora adota uma medida que exime o bolsonarismo da tarefa de lhe fazer oposição. Isso sem mencionar que artigo 5º da Constituição anota no seu inciso 33º que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral [...], ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado."
A alegação ridícula de que a divulgação da lista de visitantes de Lula e Janja no Alvorada pode colocar em risco a segurança do Estado é mais uma evidência de que, em política, a coerência pode ser apenas um outro nome para o cinismo.
Com Josias de Souza
