quinta-feira, 6 de julho de 2023

COLLOR LÁ... FINAL

 

Ainda sobre o assassinato de PC Farias e Suzana Marcolino (detalhes no capítulo anterior), os peritos constataram que a moça usou o celular pelo menos três vezes na noite do crime — às 3h54min, às 4h57min e às 5h01min da manhã — para enviar mensagens ao dentista Fernando Colleoni, com quem tivera duas consultas na semana anterior. Ele não sabia de quem a moça era namorada e, depois da última consulta, levou-a para jantar. 
 
1) "Fernando, é a Suzana. Eu queria dizer que foi muito bom conhecer você e que não ia acreditar, sabia, que ia conhecer alguém igual a você, tão humano, profundo, tão lindo. Tenho certeza que vou lhe encontrar em algum lugar". 
 
2) ", novamente eu queria dizer que todo esse tempo, um dia só, um momento pra lhe conhecer, mas eu amo você, eu nunca vou esquecer você. Espero um dia encontrar você, nem que seja na eternidade, em algum lugar do outro mundo. Eu encontro você, tenho certeza absoluta".
 
No 
final da última ligação, ouve-se alguém abrir a porta e sussurrar: "O que você está fazendo? Depressa, se arruma, se arruma”. Especula-se que PC já estivesse morto quando essas ligações foram feitas, mas não foi possível descobrir quem seria esse terceiro elemento. Além disso, o celular de Suzana sumiu da cena do crime e jamais foi encontrado.

Ângela Maciel disse à Folha que sua prima Suzana comprou a arma porque estava sendo seguida nos dias que antecederam sua morte. Em 1996, o revólver foi vendido ao policial militar José Adolfo da Silva pela empresa Amadeo Rossi, e foi revendido várias vezes até chegar às mãos de Suzana. Duas décadas depois, a Justiça alegou que parte do armamento guardado na central de custódia de armas e munições do fórum de Maceió havia desaparecido, inclusive a arma do crime. Mas a pergunta que se coloca é: por que Suzana mataria PC "por se sentir rejeitada" se já estava apaixonada por outra pessoa? 
 
Palhares sempre sustentou a tese do assassinato seguido do suicídio. Quando apresentado às contradições de seu laudo, defendia veementemente suas hipóteses, ignorando as conclusões que surgiam com as novas investigações. Denúncias de que seu laudo foi encomendado para que a tese de crime passional fosse sustentada vieram à tona através de políticos e pessoas que acompanharam o caso. A família das vítimas nunca engoliu essa versão — noves fora Augusto Farias (suspeito de estar envolvido na morte do irmão). 

ObservaçãoAntes mesmo de os corpos serem removidos, Augusto e a polícia alagoana passaram a tratar o caso como crime passional. Com base nos relatos de testemunhas, muitas delas ignoradas pela polícia alagoana, e nos estudos feitos por peritos e legistas de todo o País, as reportagens mostravam que PC e Suzana foram vítimas de um duplo homicídio e que a cena do crime fora alterada para dificultar as investigações. 

O ex-governador de Alagoas Geraldo Bulhões chegou a dizer Palhares recebeu R$ 400 mil do deputado para produzir um laudo falso. O legista movimentou R$ 2,7 milhões entre 1995 e 1999 — período em que seus rendimentos somaram cerca de R$ 1 milhão — e foi apontado pela comissão como suspeito de produzir outros laudos falsos para o crime organizado em troca de dinheiro.

Todos os investigadores que contestavam o laudo de Badan Palhares disseram ter sofrido ameaças. O promotor do caso, Luiz Vasconcelos, afirmou ter recebido um telefonema ameaçando-o de morte caso ele não arquivasse o processo. Sanguinetti também sofreu ameaças e passou a ser escoltado por sete seguranças armados.

Em 1999, a CPI do Narcotráfico foi criada para investigar roubos de carga e laudos periciais falsos para favorecer criminosos.  A comissão encontrou indícios de que Augusto e seus comparsas teriam planejado a morte de PCSanguinetti ouviu do ex-tenente-coronel da PMManoel Francisco Cavalcanti que o deputado o havia contratado para matar o irmão. Um dos investigadores do caso disse que o ex-PM contou-lhe a mesma versão sobre a suposta “encomenda.
 
Baseado nos laudos que contestavam a versão oficial e nas investigações realizadas pela CPI, o promotor responsável pelo inquérito indiciou Augusto Farias como mentor intelectual e os seguranças que guardavam a casa de praia como autores e coautores do crime. Ninguém escutou os tiros, mas, nos testes realizados a posteriori, todos 
 inclusive os repórteres que se encontrava do lado de fora da propriedade — ouviram claramente os estampidos.

Segundo o promotor, um dos seguranças confidenciou ao padrasto de Suzana que a moça estava viva — apavorada, encolhida em um canto do quarto, mas viva — às 6h da manhã. Quando deparou com o corpo de PC, ele saiu para telefonar. Segundo declarações da mãe e do padrasto de Suzana, o segurança disse que gostava muito dela e que jamais a teria matado, mas, durante a investigação, ele negou que essa conversa tenha ocorrido.
 
Observação: Leonino Tenório Carvalho, jardineiro da casa de praia de PC, queimou o colchão onde o patrão e a namorada foram encontrados mortos. Genival da Silva França, garçom de PC, confirmou ter recebido a ordem para destruição das provas e alegou que a autorização para queima do colchão foi dada pelo primeiro delegado do caso, Cícero Torres (que foi afastado das investigações após o laudo usado como base para definir crime passional ter sido contestado).
 
De acordo com o delegado federal aposentado Paulo Lacerda, a fortuna deixada por PC girava em torno de US$ 400 milhões. Como deputado, Augusto Farias gozava de foro privilegiado. Em 2002, o processo contra ele foi arquivado pelo STF, mas os 
seguranças foram levados a júri popular em 2013.

Os jurados entenderam que houve o crime de duplo homicídio — e não de suicídio, como queria a defesa — mas os réus, acusados de duplo homicídio triplamente qualificado por não terem impedido as mortes, foram absolvidos por "clemência dos jurados" (!?). O MP-AL recorreu do veredito, alegando que houve quebra de incomunicabilidade entre os jurados e que um deles foi ameaçado. Em dezembro de 2018, por unanimidade, o TJ-AL negou recurso, e em abril de 2019 foi determinado o cumprimento da sentença de absolvição

Na avaliação do legista Sanguinetti, foi um crime de profissionais. "Usaram Suzana para fundamentar o crime passional. Conheço casos em Alagoas que, quando se vai matar alguém, já se sabe até quem vai responder pelo crime. Quem tem poder politico e financeiro fica a salvo". Para o promotor Marcos Mousinho, a atuação dos peritos responsáveis pela investigação foi claramente direcionada para comprovar a tese da defesa. 
 
Ao fim e ao cabo, os segredos da Morsa do Amor foram enterrados junto com seu corpo.