Ainda que o Brasil seja um país onde tudo que não presta é possível, a prisão do chefe do clã das rachadinhas e mansões milionárias são favas contadas. Resta-lhe a esperança de se apresentar como vítima de perseguição para seus (muitos) sectários e, lá na frente, dar a volta por cima. Mira-se o capetão no exemplo de seu rival e sucessor, sem levar em conta as abissais diferenças entre os dois e as circunstâncias de cada caso.
Bolsonaro e seu esbirro deixaram tantos rastros que acabaram condenando seus defensores às meias palavras. Ou a palavra nenhuma. Os advogados são compelidos a desprezar certos fatos como se fossem fatos incertos. Paulo Bueno, defensor do capitão, não se interessa pela fartura de detalhes colecionados pela PF sobre a venda clandestina de joias. Ele sustenta que seu cliente era dono dos presentes que recebeu como chefe de Estado, que devolveu as peças por excesso de zelo e trata o resto como insignificante. Cezar Bitencourt, o terceiro advogado do tenente-coronel, entrou em cena estalando de ousadia. Anunciou que seu cliente confessaria a venda das joias a mando de Bolsonaro. De repente, suas manifestações tornaram-se aguadas. Confissão virou admissão. Joias reduziram-se a um Rolex. Ordem taxativa virou um vago "resolve isso lá". E o doutor concentrou-se no relógio, como se nada mais houvesse.
A fragilidade de Bolsonaro e Cid impõe aos causídicos a estranha tarefa de medir as palavras. O defensor do capitão diz pouco. O do coronel sugere muito sem dizer coisa com coisa. Bueno sustenta que lei de 1991 dá a seu cliente o direito de vender as joias. Abster-se de dar preferência à União é mero equívoco administrativo, não peculato. Alega que acórdão do TCU não se sobrepõe à lei. As joias voaram para os Estados Unidos no avião presidencial, vendidas na surdina, recompradas clandestinamente e devolvidas às pressas. Bolsonaro nega até o óbvio: se era legal, por que tantas ilegalidades e mentiras? A defesa se abstém de dizer. A principal arma dos advogados passou a ser a régua. Medem cada palavra, mas correm o risco de aumentar o tamanho das sentenças.