Neste exato momento há um número imenso de partículas invisíveis atravessando você, os objetos a seu redor e o próprio planeta Terra. Chamadas "neutrinos", essas "partículas-fantasmas" se deslocam a uma velocidade próxima à da luz, mas raramente interagem com a matéria, razão pela qual sua detecção é baseada na probabilidade: dentre os incontáveis neutrinos que atravessam a matéria, uma quantidade ínfima se choca com os átomos, e o resultado desse choque pode ser registrado pelos equipamentos detectores.
Foi com esse método que o neutrino teve sua existência provada em 1956 — antes disso, ele havia sido teorizado nos anos 1930 pelo físico austríaco Wolfgang Pauli e, logo após e com mais precisão, pelo italiano Enrico Fermi, que o batizou (traduzido do italiano, "neutrino" significa "pequeno nêutron", mas suas semelhanças com o nêutron não vão longe).
Diferente dos prótons e nêutrons que fazem parte do núcleo atômico, o neutrino é uma partícula elementar. Isso significa que não se conhece nenhuma estrutura menor em sua composição (apesar de se parecer com o nêutron por não ter carga elétrica, ele é milhões de vezes menor e mais leve). Para cada elétron que existe no universo, estima-se que existam 10 bilhões de neutrinos (como eles não têm estrutura interna, os físicos os veem como partículas de dimensão zero, que não ocupam espaço).
Embora seja comum imaginarmos os elétrons como partículas pontuais de dimensão zero, eles são cercados por uma nuvem de outras partículas virtuais que piscam constantemente para dentro e para fora da existência. Se tivessem um polo ligeiramente positivo e um polo ligeiramente negativo, eles seriam levemente assimétricos e poderiam se comportar de maneira diferente de seus duplos de antimatéria — os pósitrons —, o que explicaria alguns mistérios que envolvem matéria e antimatéria. Mas os físicos mediram repetidamente sua forma e descobriram que eles são perfeitamente redondos.
Neutrinos, elétrons, múons e taus compõem uma categoria de partículas fundamentais chamadas léptons. Os múons são criados quando raios cósmicos de alta energia atingem o topo da atmosfera do nosso planeta. O taus são ainda mais raros e difíceis de produzir, pois são cerca de 3400 vezes mais pesados que os elétrons. Os Quarks — que compõem prótons e nêutrons — são outro tipo de partícula fundamental que, juntamente com os léptons, compõem o material que consideramos matéria.
Observação: Até o início do século passado, acreditava-se que os átomos eram os menores objetos possíveis, mas os cientistas descobriram que o núcleo atômico é formado por prótons e nêutrons. Mais adiante, os aceleradores de partículas revelaram a existência de partículas subatômicas exóticas, como os pions e os kaons. Em 1964, foi proposto um modelo que poderia explicar o funcionamento interno de prótons, nêutrons e o resto do zoológico de partículas.
As quatro forças fundamentais da natureza são o eletromagnetismo, a gravidade e as forças nucleares forte e fraca. Cada uma delas tem uma partícula fundamental associada. Os fótons carregam a força eletromagnética; os glúons carregam a força nuclear forte e residem com os quarks dentro de prótons e nêutrons. A força fraca, que medeia certas reações nucleares, é transportada por duas partículas fundamentais — os bósons W e Z. Os neutrinos, que apenas sentem a força fraca e a gravidade, interagem com esses bósons, e assim os físicos foram capazes de fornecer evidências de sua existência.
A gravidade não está incorporada ao Modelo Padrão, mas ela deve ter uma partícula fundamental associada — que seria chamada de gráviton. Se os grávitons existem, é possível criá-los no Grande Colisor de Hádrons, mas eles desapareceriam rapidamente em dimensões extras, deixando para trás uma zona vazia onde teriam estado (até agora, o LHC não conseguiu observar evidências de grávitons ou dimensões extras).
Finalmente, há o bóson de Higgs — o "rei" das partículas elementares —, que é responsável por dar massa a todas as outras partículas. Quando ele foi finalmente descoberto, os físicos comemoraram, mas os resultados também os deixaram numa sinuca de bico: o Higgs parece exatamente como foi previsto, mas esperava-se mais, pois falta ao Modelo Padrão uma descrição da gravidade, e os pesquisadores imaginaram que o Higgs ensejaria outras teorias que substituíssem esse modelo. Quem sabe num futuro próximo...
Acreditou-se por décadas que, assim como os fótons, os neutrinos não possuíam massa, mas isso mudou por volta dos anos 2000. A descoberta da oscilação dos neutrinos — fenômeno que só pode ocorrer em partículas que têm massa — rendeu aos pesquisadores o Nobel de Física de 2015. Há três tipos de neutrinos na natureza, e o que se percebia era que os neutrinos elétron, produzidos massivamente no Sol, eram detectados em número abaixo do esperado nos experimentos. Por um tempo, o "desaparecimento" dos neutrinos foi um mistério, mas agora se sabe que eles oscilam, mudando de neutrinos múon para neutrinos tau.
A massa exata de cada tipo de neutrino ainda é desconhecida, mas os físicos acreditam que ela seja composta pela sobreposição de três massas diferentes. O fenômeno, regido pela mecânica quântica, pode ser de difícil compreensão por quem não está familiarizado com a física de partículas, o que exige criatividade dos cientistas na hora de explicar seu trabalho à sociedade.
Arthur Loureiro, pesquisador brasileiro da University College London e autor de um estudo recente que identificou o limite superior da massa do tipo mais leve de neutrino, compara os "sabores" dos neutrinos ao sorvete napolitano, onde cada massa da partícula é como uma porção de sorvete que contém uma certa combinação dos três sabores.
Na última palestra que ofereceu ao público brasileiro, o professor Francesco Vissani apresentou três metáforas para falar sobre os neutrinos: vampiros, fantasmas e mutantes, esta última por conta da instabilidade da partícula e a oscilação que a leva de um "sabor" ao outro. Já o "fantasma", difícil de se detectado, atravessa paredes e o próprio Sol sem interagir com nada, enquanto o "vampiro", que não aparece no espelho, não possui uma imagem simétrica — daí existirem "neutrinos canhotos" e não existirem "neutrinos destros". Já com o antineutrino, que é a antipartícula correspondente ao neutrino no mundo da antimatéria, existem apenas os "destros".
O fato de neutrinos e antineutrinos terem cada qual apenas um tipo de spin sugere que eles também se comportam de maneira diferente em suas oscilações e, consequentemente, no modo pelo qual interagem com os componentes do universo. Outra hipótese é a de que o neutrino seja o chamado férmion de Majorana (partícula teorizada nos anos 1930 e que seria antipartícula de si mesma).
Ainda longe de serem comprovadas, essas possibilidades empolgam os físicos do mundo todo porque ajudam a entender o fato de termos tanta matéria no universo, mas tão pouca antimatéria. Segundo a cosmologia, após o Big Bang deveria haver quantidades iguais das duas coisas, e elas deveriam ter se aniquilado mutuamente. Mas, por alguma razão, a matéria predominou, e o neutrino pode ser uma peça-chave para solucionar esse mistério.
Com Samuel Ribeiro dos Santos Neto.