terça-feira, 29 de agosto de 2023

DEVAGAR SE VAI AO LONGE


Intimado pelas circunstâncias a exibir novas cartas, Bolsonaro recorre a blefes. Consolida-se a percepção de que o cerco jurídico-policial coordenado pelo ministro Alexandre de Moraes carbonizou o baralho. Esgotaram-se as mágicas. A prisão passou a ser mera questão de tempo.

Jogados no caldeirão em que borbulha a gosma quente do 8 de janeiro, golpistas miúdos e graúdos esperneiam igual e expelem as mesmas flatulências. A diferença é que os tubarões, mais perigosos, merecem cadeia, e os 1.156 bagrinhos, inocentes inúteis, camisa de força. O maior excesso que se pode cometer com essa gente é o excesso de moderação.


Mauro Cid vendeu um Rolex da Presidência e entregou o dinheiro ao ex-chefe. Moraes quebrou os sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro e de sua mulher (cuja defesa o advogado abandonou). O escroque de Araraquara revelou as encomendas golpistas feitas pelo capitão por telefone e na mesa de café da manhã do Alvorada. 
Cercado, o chefe do clã das rachadinhas recorreu ao trapezismo moral. "Eu não peguei dinheiro de ninguém. Minha marca é a honestidade e sempre será"

Bolsonaro conseguiu bolsonarizar a rotina política do país porque encontrou material. Impossível criticar a desfaçatez do personagem e tratar com punhos de renda empresários como Meyer Nigri, que se dispunham a repassar adiante as mentiras de um presidente negacionista, obscurantista e antidemocrático. Diante do risco de sua insolência deixar o Brasil (como fez no final de seu mandato, e ficou três meses homiziado na cueca do Pateta), parlamentares pedem a apreensão de seu passaporte, mas a PF e o STF preferem ir devagar com o andor.

O roubo de joias só foi possível porque contou com a cumplicidade fardada e paisana. Incontornável a constatação de que o golpismo e a corrupção viraram um rabo escondido com o elefante de fora. Contra esse pano de fundo radioativo, a PF deixou de tratar Bolsonaro como ex-presidente. PF tem tantas evidências do envolvimento do ex-ajudante de ordens no escândalo das joias que uma possível confissão teria pouca relevância, seria apenas uma tentativa amenizar a situação de Cidão, pai de Cidinho

PF diz que é impossível deixar de inquirir o general e de tratá-lo como suspeito de ser cúmplice na operação. Quanto a Bolsonaro, a ideia é esperar pela desmontagem do departamento de blindagem estruturado na antiprocuradoria de Aras e indiciar o ex-presidente a tempo de o novo PGR redigir uma denúncia antes do Natal — que Alexandre de Moraes poderá levar a plenário no primeiro semestre do ano que vem.

Bolsonaro planejou metodicamente os seus erros. Desgovernou o país movido por forças inconscientes e antagônicas. A retórica era patriótica e limpinha. A prática, golpista e corrupta. Blindado, convenceu-se de que sua invulnerabilidade o faria eterno no Planalto. Virou do avesso a lógica do acobertamento. Deixou um rastro pegajoso que conduz a Polícia Federal na sua excursão pelos porões do descalabro. Desde que foi derrotado nas urnas, cultiva a fantasia de que continuaria desfilando pela conjuntura como um invulnerável engolidor de espadas, e que as ações no TSE dariam em nada, mas deram em inelegibilidade. Imaginava que militares não virariam delatores, mas seu ex-ajudante virou réu confesso, o que dá no mesmo. Sustentava não ter nada a ver com o 8 de janeiro, mas seu encontro com o sacripanta de Araraquara colocou o golpismo na copa do Alvorada. 

As revelações dos últimos dias potencializaram o cenário que transforma, por contágio, a deterioração criminal de Bolsonaro na desmoralização das Forças Armadas. O Ministério da Defesa pediu à PF que informe os nomes dos militares que se reuniram com o hacker estelionatário para tramar contra urnas — o pedido é ofensivo porque caberia à pasta fornecer à PF os dados sobre perversões ocorridas nas suas dependências, não o contrário. 

 

Os comandantes das FFAA sustentaram, numa conversa com Lula no escurinho do Alvorada, que é preciso esperar pelas sentenças judiciais para reagir. Alegaram que convém evitar uma "caça às bruxas". A protelação ofende porque o repúdio da corporação à delinquência independe do Judiciário. Com a complacência do alto-comando, Bolsonaro politizou os quartéis. Para desbolsonarizar suas atividades, os fardados terão que reagir no tempo da política. No Brasil, a Justiça tarda e nem sempre chega.

 

Em comunicado endereçado ao público interno, o comandante do Exército anotou que os soldados "devem pautar suas ações pela legalidade e legitimidade". No mesmo texto, a pretexto de "fortalecer as ações voltadas para o bem-estar da família militar", disse ter acionado o Estado Maior do Exército para articular medidas "visando à recomposição salarial dos militares". A impressão é de que as FFAA utilizam a brasa do bolsonarista para assar uma pizza integralmente feita de omissão e privilégios.


Cid e Delgatti atiram no imbrochável desde a prisão. Foram colocados lá por Alexandre de Moraes. Fugindo da pecha de novo Moro, o magistrado não quer parecer piromaníaco. Por ora, trabalha com a hipótese de prender o dito-cujo depois da sentença condenatória do STF. Mas a cadeia virá antes se ele colocar o pé fora do Código Penal, pressionando testemunhas, destruindo provas ou subvertendo a ordem pública. Moraes e a PF não têm pressa. Têm apenas perguntas e disposição para manter o cerco.

Com Josias de Souza