terça-feira, 1 de agosto de 2023

PIXCARETAGEM


Num encontro de mulheres presidido pela esposa, o imbrochável, imorrível e insuportável estufou o peito como uma segunda barriga e agradeceu os depósitos de R$ 17,2 milhões que recebeu de seus devotos. Entre risos, saboreou o resultado da coleta: "Dá para pagar todas as minhas contas e ainda sobra dinheiro para tomar um caldo de cana e comer um pastel com dona Michelle". Ficou entendido que aquela conversa toda de patriotismo transbordante, defesa incondicional da família, ânsia por liberdade e entrega altruísta ao bem público é impulsionado pela mesma invariável mola sedutora: o dinheiro. 

Muitos políticos vivem com lucros exagerados, mas Bolsonaro é prisioneiro do exorbitante. Defensor ardoroso do patriotismo e da instituição familiar, ele uniu o inútil ao agradável e ensinou a seus garotos o valor do amor à pátria. Assim que cresceram, eles seguiram o exemplo do pai, casando-se com a pátria e indo morar no déficit público. 
 
De rachadinha em rachadinha, o clã converteu o erário numa prótese de suas residências. A inelegibilidade criou uma oportunidade para que Bolsonaro exercitasse sua criatividade empreendedora. Como os portadores de doenças raras, que não podem respirar oxigênio, o ex-verdugo palaciano não pode se dar ao luxo da normalidade 
— membro da seleta confraria dos políticos obrigados a viver dentro de bolhas que os preservem da atmosfera convencional, precisa de um suprimento regular da exorbitância, que é sua substância vital.
 
Todas as multas impostas ao ex-mandatário por não usar máscara durante a pandemia somam R$ 936.839,70. Por enquanto, ele não pagou um nem um tostão. Com a conta bancária tisnada pela exorbitância, submeteu-se ao inconveniente de aplicar o montante em investimentos de renda fixa
Submetida à rentabilidade proporcionada pela taxa de juros anual de 13,75%. a exorbitância torna-se ainda mais exorbitante: descontado o IR, o rendimento gira em torno de R$ 4 mil por dia, dando com sobra para o caldo de cana e os pasteis.
 
Ás da rachadinha 
— uma perversão cujo diminutivo atenua a sonoridade de um crime que o Código Penal batiza de peculato — o primogênito do capetão realçou a magnitude da rachadona das doações: "Sabe o que assusta?", indagou Zero Um. "O tamanho da vaquinha espontânea feita por milhões de brasileiros ao presidente mais popular do país para ajudá-lo a pagar multas milionárias por estar na linha de frente na pandemia salvando vidas e empregos". 

O patriarca, com os botões saltando da camisa, capricha na vitimização. "Triste é o país em que as autoridades do Judiciário punem os seus cidadãos não pelos seus erros, mas pelas suas virtudes (...) temos milhares de sementes pelo Brasil e essa nova força que aparece com vontade de vencer é muito grande". Seus advogados divulgaram nota para atestar a legalidade da ração regular que alimenta a bolha em que vive a vítima de perseguição, tornando criminosa a divulgação da seiva pegajosa, não o melado: "Para que não se levantem suspeitas levianas e infundadas sobre a origem dos valores divulgados, a defesa informa que estes são provenientes de milhares de doações efetuadas via Pix por seus apoiadores, tendo, portanto, origem absolutamente lícita".
 
Seria injusto chamar de idiotas os colaboradores de Bolsonaro, que estão fazendo um trabalho humanitário ao socorrer um político que, de tanto viver no universo paralelo da bolha, exibe uma incapacidade congênita de lidar com a realidade. Ao dar ao "mito" tudo o que ele pede, essa caterva se comporta como uma mãe que socorre o filho débil. 

Combinando-se a debilidade crônica do capitão com a generosidade incontida dos seus súditos, cria-se no Brasil um novo modelo de enriquecimento "lícito": a "Pixcaretagem".

Com Josias de Souza