quinta-feira, 17 de agosto de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — PARTE 11

 
A rotina de baixezas ilícitas, aliada à ofensiva golpista reiterada verbalmente por Bolsonaro e materializada por seus seguidores em 8 de janeiro, caminha para mais dia, menos dia levá-lo à prisão, pois o processo investigativo que atua para desvendar o conjunto da obra destrutiva, erigida num governo que segundo avaliação da PF abrigou uma "organização criminosa", fecha o cerco sobre o ex-presidente. Não como mártir, mas na figura do algoz. 

Os investigadores não diriam ter certeza do envolvimento dele no desvio de bens públicos se não tivessem elementos para isso, mesmo antes da conclusão do inquérito das milícias digitais, que vem de revelar um esquema para "passar nos cobres" presentes valiosos destinados ao Estado brasileiro. Se o Supremo autorizar, ele vai depor novamente na PF e terá seus sigilos bancário e fiscal quebrados, assim como os de sua mulher. Daí para uma operação de busca e apreensão é um pulo nesse tipo de andar das carruagens.

Em escândalos envolvendo altos personagens da República, primeiro são mapeadas as malfeitorias do entorno até a obtenção de fundamentos que impliquem o chefe. No caso PC, no mensalão e no petrolão, no entanto, houve mais complexidade para o desvendamento dos crimes. Agora, o que vemos é um volume imenso de provas produzidas pelos investigados, cujos comportamentos obtusos demonstram que as aparências não enganam. São o que são. 

Do abuso de poder, das urdiduras antidemocráticas ao badernaço golpista, passando pelas sabotagens e fraudes no trato da pandemia, chegamos à rapinagem das joias. Tudo registrado em palavras e imagens que Bolsonaro, para se livrar, precisa provar que só ele não viu.

Com Dora Kramer.

Jacó Bittar, que foi líder dos petroleiros de Paulínia (SP), cofundador do PT e prefeito de Campinas (SP), emprestou a Lula um apartamento em São Bernardo do Campo (SP). Seu filho, Fernando Bittar, era um dos donos (pelo menos no papel) do Sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP), que Lula passou a frequentar depois que deixou o Palácio do Planalto — e para o qual mandou levar caixas e mais caixas com pertences (seus e de familiares). 


Observação: Numa entrevista a Veja em 2016, o delegado federal Igor de Paula disse que "numa perícia minuciosa feita no sítio não foi encontrado um item sequer pertencente a alguém que não fosse da família de Lula; tudo que estava lá era dele, incluindo camisetas e canecas com o escudo do Corinthians e uma série de fotografias de parentes". Mas isso é outra conversa.

 

Antonio da Costa Santos, vulgo Toninho, filiou-se ao PT em 1981 e foi secretário de Finanças da Prefeitura de Campinas sob Bittar. Ardoroso inimigo da especulação imobiliária, empenhou-se na luta pela reurbanização de favelas na sua cidade natal. Antes de chegar à prefeitura, passou a ser conhecido como Toninho13 e foi escolhido pelos núcleos de base do partido para ser o vice na chapa encabeçada por Bittar. Já como prefeito, erradicou a corrupção que seus antecessores mantinham com empresas de ônibus e de coleta de lixo.

 

Ao descobrir que o gestão de Bittar em nada diferia de outras gestões condenadas pelos petistas por causa da corrupção, Toninho fez denúncias e moveu ações populares contra empreiteiras por superfaturamento. Juntou a documentação que havia colecionado e foi procurar Lula, de quem recebeu a promessa de que o caso não ia ficar por isso mesmo. 

 

Toninho se tornou persona non grata aos olhos de Bittar e da alta direção petista. Foi afastado do cargo e perdeu uma eleição, mas nunca deixou de lutar contra a especulação imobiliária. Conseguiu se eleger prefeito em 2000 com apoio pessoal de Lula, mas só ficou na prefeitura por oito meses e dez dias. Em setembro de 2001, foi alvejado três vezes quando deixava o estacionamento de um shopping center em Campinas e morreu no local. O crime nunca foi devidamente esclarecido.

 

A polícia estadual, então sob administração tucana, concluiu que o autor dos disparos fora Wanderson de Paula Lima, conhecido como Andinho, que era chefe de uma quadrilha de sequestradores. A versão dos agentes, chancelada pelo Ministério Público, foi a de que a vítima prejudicou a fuga da quadrilha com uma manobra infeliz (vale destacar que a família nunca aceitou essa narrativa). Outra hipótese levantada pela polícia foi a de que Toninho havia engravidado uma jornalista — o zelador do prédio onde ela morava disse ter visto o político agredi-la porque ela queria ter o filho (que nunca apareceu). 


Para Roseana Garcia, viúva de Toninho, assassinato se deveu ao fato de o marido ter contrariado interesses de "gente graúda", aí incluídas figuras importantes na história do PT. Mas afirmou desconhecer qualquer esquema destinado a cobrar propina de empresários de Campinas para abastecer futuras campanhas eleitorais, inclusive a de Lula. Ela disse ainda que o inquérito foi mal, que foi intimidade durante o processo e que os policiais fizeram de tudo para convencê-la a se dar por satisfeita com a hipótese de crime comum. Diante de sua negativa, seu advogado abandonou o caso.


Andinho, réu confesso de muitas mortes, jamais reconheceu ter matado Toninho. Em setembro de 2007, o presidente do tribunal do Júri de Campinas rejeitou o pedido do MP-SP para levá-lo a julgamento, alegando que não havia provas suficientes para tanto. Ele foi o único sobrevivente dos quatro integrantes do bando cuja fuga teria sido atrapalhada pelo carro do político após uma suposta tentativa de sequestro feita a dois quilômetros do local do crime. Os outros três criminosos morreram em duas ações policiais, uma das quais em Caraguatatuba (litoral norte de SP), na qual foram executados por policiais de Campinas numa operação clandestina. 


Observação: Andinho foi recolhido a uma penitenciária de segurança máxima e condenado a mais de 100 anos de prisão pelo conjunto da obra. A defesa apresentou registros de rastreamento do celular, comprovando que, no momento dos disparos, seu cliente estava a 77 quilômetros do local. Além disso, a arma do crime nunca foi encontrada.


Em campanha pela presidência (e ciente da popularidade do correligionário assassinado), Lula assumiu em palanque o compromisso de que a Polícia Federal, que seria posta sob o comando do advogado Márcio Thomaz Bastos, "não deixaria impunes os assassinos de  Toninho do PT". Mas o pedido feito por Tarso Genro para honrar a promessa do chefe não avançou um milímetro depois que chegou à PGR, em fevereiro de 2008. 

 

Nenhuma das hipóteses levantadas pela viúva foi investigada para valer: os especuladores imobiliários, os chefões do crime organizado e os empresários de ônibus e da coleta municipal de lixo continuaram insuspeitos. A polícia paulista, à época sob o comando do tucano Geraldo Alckmin, recorreu a acusações injuriosas de adultério, paternidade irresponsável, pressão para a parceira ilícita abortar e até homossexualismo contra a vítima. 

 

No Palácio dos Jequitibás, sede oficial da prefeitura de Campinas, de onde geriu a cidade por 8 meses e 10 dias depois de ter sido eleito com 60% da preferência do eleitorado, Toninho é oficialmente lembrado com a frase alardeada pela campanha LULA LIVRE: "Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas não conseguirão deter a Primavera".